TotalEnergies acusada de obstruir a justiça em Moçambique em caso que cheira a captura do Estado

DESTAQUE ECONOMIA
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Uma disputa judicial de mais de mil milhões de meticais (cerca de 15.6 milhões de dólares, à taxa de câmbio atual) entre a empresa moçambicana Passion for Brands, Lda. e a gigante francesa TotalEnergies transformou-se num emblemático caso de morosidade e alegada obstrução à justiça, colocando a sobrevivência da empresa nacional em risco e expondo graves falhas no sistema judicial moçambicano.

A Passion for Brands, detentora de uma sentença transitada em julgado a seu favor, vê-se impossibilitada de aceder aos valores que a TotalEnergies lhe deve desde 2023. Este bloqueio, que se arrasta, ameaça levar a empresa à insolvência, levantando sérias questões sobre a efetiva proteção legal dos negócios em Moçambique.

O processo, registado sob o n.º 35/25-Q na 13.ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), está paralisado. A empresa exequente obteve em Maio de 2025 um despacho favorável que autorizava o levantamento parcial dos fundos penhorados, um direito já garantido por lei após o fornecimento de uma caução.

Contudo, a execução desta decisão foi travada quando o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) solicitou e reteve os autos físicos do processo para a instrução de um Processo Disciplinar contra a juíza que proferiu a sentença condenatória inicial. Contactada, a Presidente do TJCM, Juíza Desembargadora Gracinda da Graça Muiambo, confirmou o impasse, justificando que a juíza substituta que assumiu o caso não pode prosseguir “aguardando-se pela devolução dos mesmos.”

Custo da Morosidade: Empresa à beira do abismo

Para a Passion for Brands, a espera tem um preço elevadíssimo. A empresa alega suportar custos diários com a manutenção da caução prestada e vê-se forçada a contrair empréstimos bancários em condições “insustentáveis” para se manter operacional.

Em requerimentos formais, o advogado da empresa, Ilídio Macia, alertou que esta inércia coloca a Passion for Brands “à beira da insolvência e colapso empresarial”. Macia argumenta que a retenção integral do processo é desnecessária, bastando o uso de cópias para o inquérito disciplinar, e que transferir este ónus para a parte vencedora da ação é “juridicamente intolerável”.

O caso é atravessado por fortes suspeitas de má-fé e corrupção. Fontes próximas ao processo indicam que documentos terão desaparecido dos autos, uma irregularidade supostamente registada pela própria instrutora do CSMJ.

Num outro episódio que causou indignação no meio judicial, um funcionário do cartório, acusado de receber subornos para manipular prazos e travar ofícios de penhora, não só escapou a sanções disciplinares como foi promovido a escrivão na 12.ª Secção Comercial do mesmo tribunal.

Paralelamente, a juíza substituta, Moila Chelengue, que está atualmente com o processo parado, terá alegado estar sob ameaças anónimas, limitando-se a ordenar o desembolso de valores mínimos, um gesto visto pelos credores como uma manobra dilatória.

Silêncio da TotalEnergies e apelo desesperado

Enquanto isso, a TotalEnergies, que em documentos oficiais já reconheceu a dívida, tem recusado apresentar provas de pagamento e evita responder a pedidos de contraditório, mantendo um silêncio estratégico.

Perante a iminência de um colapso, a Passion for Brands apelou à Procuradora-Chefe da Procuradoria da República da Cidade de Maputo para que intervenha urgentemente, invocando o princípio da hierarquia funcional. O objetivo é que o Ministério Público promova a imediata devolução dos autos ao tribunal, impedindo que “a instrução disciplinar em curso impeça a realização da justiça em tempo razoável”, um direito constitucional.

Este caso levanta um alarme para a comunidade empresarial, especialmente para as pequenas e médias empresas fornecedoras de grandes multinacionais. Com a previsão da retoma do projeto de GNL da TotalEnergies em Cabo Delgado, o episódio serve como um alerta severo: a falha do sistema judicial em fazer cumprir os seus próprios acórdãos pode frustrar os esforços de empresas legítimas e destruir o tecido empresarial local.

A grande questão que paira no ar, sem uma resposta do CSMJ, é: o que está efetivamente por detrás desta retenção indefinida, que já ultrapassa dois meses? Para além de travar um pagamento legalmente determinado, estará também a obstrução a servir para outros fins, menos claros? O caso Passion for Brands vs. TotalEnergies tornou-se um teste crucial à credibilidade da justiça moçambicana.

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