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- Em claro desacato às ordens do Presidente da República e decreto do Conselho de Ministros
- Gozam de protecção política e policial e têm licença para atirar para matar
- Região de “Seis Carros” virou um cenário de filme faroeste e de conflitos sangrentos
Num claro desafio ao Governo Central, a mina Seis Carros, no distrito de Vanduzi, província de Manica, continua em plena operação através de uma cooperativa controlada pelos filhos da governadora Francisca Tomás, em cooperação com grupos de garrimpeiros, violando o decreto do Conselho de Ministros que suspendeu todas as actividades mineiras na região por 90 dias. Uma investigação apurou que Inocêncio Agostinho Francisca Fainda e Filomena Domingos Francisco Tomás, filhos da governadora, são sócios da Cooperativa Nhamahambo, a única entidade que mantém operações mineiras activas em Manica, apesar da proibição que foi superiormente instruída pelo Presidente da República, Daniel Chapo. Contactados, os acusados se recusaram a prestar qualquer declaração.
Reginaldo Tchambule
A suspensão das actividades mineiras na província de Manica, decretada pelo Conselho de Ministros por um período de 90 dias, deveria ter colocado fim à corrida desenfreada ao ouro que marcou os últimos meses na província de Manica. Mas parece que a lei não se aplica para todos. Enquanto o grosso das empresas mineradoras estão em defeso obrigatório, há uma mina a carburar em pleno.
Trata-se da mina “Seis Carros”, no distrito de Vanduzi, uma zona cujos cenários lembram um faroeste moderno, e no centro desta excepção controversa surgem os nomes de dois filhos da Governadora de Manica, Francisca Tomás.
Documentos consultados e testemunhos recolhidos no terreno indicam que Inocêncio Agostinho Francisca Fainda e Filomena Domingos Francisco Tomás são actualmente sócios da Cooperativa Nhamahambo, registada na Conservatória de Entidades Legais e publicada no BR n.º 157, III Série, de 13 de Agosto de 2025.
É esta cooperativa que, desde 20 de Agosto, após um acordo com garimpeiros iniciou a mineração na área de “Seis Carros” e quando foi decretada a paralisação geral de toda a actividade mineira, com protecção contrariando a paralisação determinada pelo Governo Central sob orientação expressa do Presidente da República, Daniel Chapo.
A mina em questão está dentro de uma concessão atribuída, em 2023, à empresa África Tantalite, que recebeu cerca de 10 mil hectares para exploração de ouro em Púnguè-Sul, distrito de Vanduzi. Enquanto a concessionária buscava parcerias internacionais, a população local descobriu, em Junho de 2025, a presença de ouro em quantidades significativas.
Em poucas semanas, milhares de garimpeiros provenientes de várias províncias, e até de países vizinhos, ocuparam a área de forma desordenada. A situação despertou o apetite dos grandes. É neste ambiente que surgem os primeiros confrontos envolvendo os filhos da governadora que em clara violação da licença da África Tantalite, ao estilo de Florindo Nyusi, posicionaram as suas maquinarias e tentaram expulsar os garimpeiros.
Primeira incursão: a entrada com empresários chineses
A 14 de Agosto, segundo garimpeiros e líderes comunitários entrevistados, Inocêncio Fainda tentou assumir o controlo da área acompanhado por um grupo de investidores chineses. A operação resultou num motim violento: camiões, pás escavadoras e uma viatura Toyota Mark X do filho da governadora foram vandalizados, e o grupo foi expulso da mina.
Fontes locais relatam que, após a destruição dos bens, a governadora terá mobilizado um contingente da UIR, cuja intervenção, segundo testemunhas, incluiu tiros letais, provocando seis mortes. A governadora nunca se pronunciou oficialmente sobre esta alegação, e não há registos públicos de um inquérito oficial.
A actividade mineira ficou paralisada por alguns dias, até que garimpeiros retomaram negociações com Inocêncio Fainda, resultando numa reabertura conjunta da exploração.
Mas desta vez Fainde e a irmã surgiram com um novo actor na área: a Cooperativa Nhamahambo. Apesar de recém-formada, a cooperativa entrou em negociações directas com grupos de garimpeiros. Fontes locais afirmam que terá convencido garimpeiros a retomar a actividade sob uma estrutura formalizada.
A partir de 20 de Agosto, a cooperativa reinstalou-se na mina e reiniciou a exploração em larga escala. Hoje, é a única operação mineira activa em toda a província, em flagrante contraste com a suspensão decretada pelo Conselho de Ministros.
Por ser única mina activa, Seis Carros atrai gangues de garimpeiros e conflitos
A presença de ouro e o facto de ser a única mina em toda província em que o decreto do Conselho de Ministros e ordens expressas do Presidente da República foram substituídos pelo afecto de uma mãe, transformou “Seis Carros” num território sem lei.
A circulação de crianças, o fluxo de estrangeiros e as disputas por território têm alimentado um ambiente de insegurança permanente. Na última sexta-feira, um grupo de zimbabueanos que tentava entrar na mina foi brutalmente espancado por garimpeiros associados à cooperativa dos filhos da Governadora.
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra uma voz masculina, identificada por garimpeiros como alguém “com poder”, a ordenar o espancamento dos estrangeiros e num outro momento vê-se um homem inanimado, enquanto a voz do vídeo procura saber se a pessoa ainda estava a respirar ou não.
Como que a demonstrar que realmente quem controla a mina tem poder, instantes depois chegou ao local um contingente policial, que recolheu os homens agredidos distribuindo-os pelas celas da esquadra e leito hospitalar, para os casos mais graves.
Curiosamente, somente os agredidos é que se encontram encarcerados. Os agressores passeiam impunemente na mina que desafia a autoridade central de um Estado. Até ao fecho desta edição, o grupo de invasores repelidos aguardavam pela audiência de legalização.
A operação contínua da mina Seis Carros representa um desafio directo ao Presidente Daniel Chapo, que orientou expressamente a suspensão de todas as actividades mineiras em Manica. A situação expõe fracturas no aparelho do Estado e levanta sérias questões sobre o exercício do poder provincial face às orientações do Governo Central.
Enquanto o Governo Central defende o cumprimento rigoroso da suspensão para reordenar o sector e travar o garimpo descontrolado, o caso de “Seis Carros” expõe uma contradição: a única mina ainda activa é precisamente aquela associada aos filhos da mais alta autoridade política da província encarregada de fazer cumprir o decreto.
A situação gera um conjunto de questões que permanecem sem resposta: Quem autorizou a continuidade das actividades da cooperativa? Por que razão a UIR actuou duas vezes apenas nesta mina? Há investigações independentes sobre as mortes relatadas?
Enquanto estas perguntas aguardam resposta, “Seis Carros” continua a ser, para muitos, o símbolo da mistura explosiva entre poder político, recursos minerais e violência.
Família da governadora fecha-se em copas
Após tentar sem nenhum sucesso chegar à fala com a Governadora, através da sua assessoria de imprensa, o Evidências entrou em contacto telefónico com o filho da governadora, Inocêncio Agostinho Francisca Fainda. Desligou o telefone na cara, logo depois que nos identificamos como jornalistas do Jornal Evidências, mas porque não nos fazemos de rogados, voltámos a discar o número e, após alguma insistência, atendeu; sem dar, contudo, espaço para questões, ele apenas informou que estava numa zona com problemas de rede e que retornaria depois de minutos.
E porque o contraditório é um princípio sacrossanto do jornalismo, enviámos uma mensagem com a denúncia, o contexto da entrevista e algumas questões que achamos pertinentes. Fainde não só não respondeu às mensagens, como tambem não retornou a chamada como prometido. Antes pelo contrário, cancelou as chamadas de insistência.



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