Crise em Cabo Delgado: Tanzânia insensível e deslocados arriscam travessia do rio Rovuma a pé

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Enquanto Maputo continua a desdramatizar a situação em Cabo Delgado, há centenas de deslocados no rio Rovuma, em Quionga, na baixa de Namoto, idos da vila sede e arredores de Palma, a tentar passar para Tanzânia, de onde, quando conseguem atravessar, são evacuados por militares daquele país até Negomano, onde se relata enchentes de deslocados que não conseguem atravessar por falta de condições financeiras, é preciso 100 meticais de guia de marcha atribuída pelas autoridades moçambicanas e mais mil meticais de transporte para seguir viagem com destino a Mueda.

Depois de dias de aparente controlo, o soar de tiros voltou a romper o silêncio, ao mesmo tempo que casas eram misteriosamente incendiadas em várias aldeias de Palma, obrigando a uma segunda vaga de deslocados. No entanto, a falta de colaboração de Tanzânia, que recusa entrada de deslocados que clamam desesperadamente pela ordem de travessia há mais de três semanas tem agravado o martírio de mais de 600 pessoas que se encontram na baixa de Namoto e milhares no centro de Quionga, uma localidade situada junto à foz do rio Rovuma.

Em contacto com uma fonte no local, o Evidências colheu relatos arrepiantes de pessoas que dormem ao relento nas matas, compram comida a preços especulativos, e passam dias de chuva em pé, com crianças.

Na sexta-feira, o desespero fez com que uma centena de deslocados tentassem atravessar o Rio Rovuma a pé, um acto impossível, o que obrigou as autoridades tanzanianas a prometer ajuda para o dia seguinte. Como tal, no sábado, foram dispensados barcos para evacuar perto de 200 pessoas.

Até a tarde desta segunda-feira, havia perto de 500 pessoas no local. “Só tem aqui esses jovens de lá (Tanzânia) que atravessam, compram um saco de arroz e vem vender um kilo por 500 meticais”, disse ao Evidências uma fonte, acrescentando que “os produtos são introduzidos as escondias. Quando os donos decidem abrir a fronteira paga-se 500 meticais para deixarem entrar. E dizem que quem atravessa sem ordem será capturado e conduzido às celas”.

Perguntamos como é que compram comida e a resposta foi que “há outras pessoas que quando fugiram tinham dinheiro, outras que recorrem ao M-Pesa, pedem suas famílias que fazem transferência e os amigos aqui que tem dinheiro dão o valor”.

Enquanto outros tentam pelo mar, onde é pago em média dois mil por família, a saída de Palma via Tanzânia custa no mínimo três mil meticais por cabeça. No entanto, com os relatos de incêndios de barcos e raptos, a fuga via Rovuma é a minimamente segura. “Há muita gente que está a chegar, mas outras pessoas estão a ser interpeladas na ilha de Makalowe onde são sequestradas ou mortas”, explica Aliesse Sumali, que chegou semana passada na cidade Pemba, ido de Palma, que há três semanas tem a sua irmã em Namoto, aguardando travessia.

A preferência pela travessia para a Tanzânia é que aquele país faz parte da única rota terrestre segura para se chegar a Pemba. Os peregrinos da guerra atravessam o rio Rovuma pagando 500 meticais por pessoa, até à zona de Negomano, onde apanham transporte para Mueda, pagando mil meticais por pessoa. Depois pagam 800 meticais para chegar a Montepuez e depois 250 para Pemba. Nalguns casos, a viagem chega a custar mais de cinco mil meticais, a uma população já sem nada.

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