“Só a própria Frelimo pode bloquear o terceiro mandato”

POLÍTICA
  • Sérgio Chichava diz que em Moçambique não há partidos da oposição fortes   
  • Chichava olha para Manuel de Araújo e Venâncio Mondlane como pessoas que podem liderar Renamo e mudar o cenário que se vive no presente
  •  “Afonso Dhlakama era um líder carismático, ao contrário de Ossufo Momade que é fraco”… e “Lutero Simango é um líder sem carisma”

Analisando a actualidade da política nacional, numa entrevista exclusiva ao Evidências, Sérgio Chichava, pesquisador e director do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), considera que os dois maiores partidos da oposição foram engolidos e antevê pesadas derrotas nos próximos pleitos eleitorais. Sobre o recente diferendo entre a perdiz e Manuel de Araújo, o entrevistado diz que a Renamo mostrou que não está à altura dos acontecimentos e se quiser ser uma verdadeira alternativa política em Moçambique, o maior partido da oposição terá de mudar de liderança. Na entrevista corrida que se segue, Chichava chega a referir que neste momento a única oposição séria que existe está dentro da própria Frelimo, que tem poder, inclusive para travar o inconstitucional ensaio de terceiro mandato de Nyusi. Por outro lado, alinha com a sociedade civil que defende que o diálogo é um dos caminhos para acabar com a situação de terrorismo em Cabo Delgado.

Duarte Sitoe

Nas últimas eleições gerais, realizadas em 2019, a Renamo, já sob liderança de Ossufo Momade, perdeu 29 deputados na Assembleia da República e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) perdeu 11, o que de certa forma reforçou a maioria da Frelimo, que passou a ter mais de dois terços dos lugares no parlamento. Os resultados do pleito eleitoral que culminou com a reeleição de Filipe Nyusi deixaram a oposição em alerta e adivinhava-se uma mudança de paradigma. No entanto, os dois maiores partidos da oposição vivem numa grande letargia e mergulhados em clivagens internas.

Em Março do ano em curso, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tornou público que as VI Eleições Autarquias terão lugar no dia 23 de Outubro de 2023. Entretanto, parece que este anúncio fez com que a Renamo entrasse, mais uma vez, em modo auto-destruição, num momento em que era importante uma união no seio do partido.

O recente caso deu-se quando Manuel de Araújo denunciou pressão de altos quadros do partido para desviar fundos da autarquia para as actividades do partido. As queixas de Araújo criaram um mal-estar no seio do partido que exortou o edil a “concentrar-se na solução dos problemas da autarquia, a ser mais proactivo e a fazer-se mais presente”.

Sempre atento ao que acontece na arena política nacional, Sérgio Chichava, director do IESE, observa que a Renamo está moribunda e que ao atacar publicamente Manuel de Araújo perdeu uma soberana oportunidade para defender a democracia que tanto defende nos seus discursos.

“A ideia que salta à primeira é de que há uma preocupação por parte de Araújo com a inércia da oposição, não só da Renamo. A Renamo está moribunda, se as coisas continuarem como estão vão levar uma cabazada nas próximas eleições. Penso que Manuel de Araújo não quer passar por isso e está preocupado, posicionando-se como uma possível alternativa nesta situação ou alertar o partido para acordar porque ele não ataca só a Renamo, ataca também o MDM, a quem acusa de ser partido de quarto. Mas, mais uma vez, a Renamo mostrou que não está à altura dos acontecimentos. Esperava que a Renamo saísse em defesa de Araújo e não lhe atacasse porque ele disse que temos que mudar o nosso funcionamento interno, ou seja, não podemos replicar o que os outros partidos fazem”, defende Chichava.

“Araújo é muito mais popular que o próprio Presidente da Renamo”

A Renamo tem vindo a chamar para si a paternidade da democracia no país e critica de forma aberta a corrupção e partidarização do aparelho do Estado, no entanto, remou contra a maré quando geriu com chacota as denúncias de cobranças de membros da Comissão Política feitas por Manuel de Araújo.

Na opinião do pesquisador do IESE, a Renamo tinha que usar o “Caso Araújo” para mostrar que não quer usar as posições políticas para o proveito pessoal ou partidário. Anotando que foi um erro estratégico crasso convocar a imprensa para enxovalhar o edil de Quelimane em praça pública, Chichava entende que se o maior partido da oposição quiser ser uma verdadeira alternativa política em Moçambique tem que mudar de liderança.

“Era uma ocasião solene da Renamo se posicionar a favor de Araújo e não haver ataque. Tinham que dizer nos indique o nome da pessoa que fez isso para tomarmos as medidas, porque a Renamo é pela democracia, é pela despartidarização do Estado. A Renamo não quer usar as posições políticas para o proveito pessoal ou partidário. Temos que aceitar que Araújo é muito mais popular que o próprio presidente da Renamo, ganharia facilmente eleições dentro do partido se a Renamo tiver como objectivo ser uma alternativa política a nível do país, mas como não tem esse objectivo vai continuar com Ossufo Momade e vai perder mais deputados nas próximas eleições”, projectou o acadêmico.

Sérgio Chichava, nas entrelinhas, considera que a Renamo nunca foi um partido democrático, destacando que sempre foi um partido que funcionava a reboque de Afonso Dhlakama, que era um líder carismático, ao contrário de Ossufo Momade, que, diga-se, “é um líder fraco”.

O director do Instituto de Estudos Sociais Económicos e docente no departamento de Ciência Política e Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane olha para Manuel de Araújo e Venâncio Mondlane como pessoas que podiam tirar a Renamo da situação em que se encontra no presente. Entretanto, aponta que, à semelhança dos outros líderes africanos, incluindo a experiência do próprio Dhlakama, Ossufo Momade não estaria disposto a abandonar o poder.

“Esquece… Em Moçambique não temos oposição”

Tal como aconteceu na Renamo, o Movimento Democrático de Moçambique viu-se obrigado a ir a eleições internas para encontrar o sucessor do perecido Daviz Simango. As eleições que culminaram com a eleição de Lutero Simango criaram uma clivagem no partido do galo. Chichava observa que apesar de Simango ser um líder fraco em termos de carisma, os militantes tiveram uma decisão estrategicamente correcta.

“Muita gente não estava a ver com bons olhos a subida de Lutero Simango porque é continuação do clã Simango, mas penso que foi uma boa estratégia ter escolhido alguém de Nampula para o cargo de secretário-geral do partido, ainda por cima uma mulher. Sabe-se muito bem que antes da morte do Mamudo Amurane a autarquia estava nas mãos da MDM e que devido a contradições internas acabou perdendo a autarquia de Nampula. Penso que foi uma atitude corajosa e sábia de Lutero Simango, que sabe que é preciso recuperar essas bases perdidas. Acho que foi uma atitude democrática. Nem sempre temos que criticar. Ele é um líder fraco, mas fraco em termos de carisma e em termos de retórica, não quero dizer que ele não seja inteligente”, observa.

Em Maio do ano passado, à margem da quarta sessão ordinária do Comité Central da Frelimo, alguns membros propuseram uma nova revisão da Constituição da República para acomodar alguns interesses, dentre os quais um terceiro mandato de Filipe Nyusi. Felizarda Paulino, membro do Conselho de Estado, apoiou-se na vitória retumbante, avassaladora e expressiva nas eleições gerais de 2019 para pedir mais um mandato para Nyusi.

Na semana passada, a antiga presidente da Organização da Juventude Moçambicana (OJM), Anchia Talapa, voltou a trazer o assunto à ribalta ao apoiar mais cinco anos de Filipe Nyusi nos destinos do partido e do país, uma posição também subscrita pelo novo timoneiro da OJM, Silva Livone.

No seu estudo com o tema “Filipe Nyusi: um terceiro mandato é possível?”, que faz parte dos Cadernos da IESE, o docente no Departamento de Ciência Política e Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane aponta que uma oposição forte e organizada é crucial para bloquear tentativas de forçar um terceiro mandato.

Questionado sobre o actual estágio da oposição em Moçambique e se a mesma teria possibilidade de travar um possível terceiro mandato de Nyusi, Sérgio Chichava foi parco nas palavras.

“Esquece… Em Moçambique não temos oposição. A oposição foi consumida pela inércia”, disse, para depois sentenciar que “o terceiro mandato de Nyusi só pode ser bloqueado dentro da própria Frelimo”, dando exemplos de Joaquim Chissano e Armando Guebuza, que chegaram a ensaiar mais um mandato e foram barrados dentro do próprio partido.

“Não posso dizer que os insurgentes estão fragilizados”

De acordo com um estudo da Universidade do Rovuma, as Forças de Defesa e Segurança não têm capacidade militar para travar os ataques de grupos armados em Cabo Delgado e que para inverter a situação deviam melhorar na formação ou pedir apoio militar. Vários analistas apontavam que a falta de estratégias e equipamentos estavam por detrás dos êxitos dos insurgentes entre 2017 e 2020.

Entretanto, com as chegadas das tropas estrangeiras, ou seja, as tropas ruandesas e da Missão da África Austral para Moçambique (SAMIM), Moçambique conseguiu finalmente colocar o inimigo em sentido, tendo recuperado alguns distritos que estavam nas mãos do mesmo. No presente, os ataques dos insurgentes têm diminuído gradualmente e algumas zonas passaram de recuperadas para habitadas. Questionado se este seria o prenúncio do fim do grupo que semeia terror na Província de Cabo Delgado, Sérgio Chichava foi parco nas palavras e mostrou algumas reservas.

“Não estou em Cabo Delgado. Não sei se os insurgentes estão fragilizados ou não, mas é certo que há melhorias. É difícil afirmar que estão fragilizados. Pode ser que estejam a estudar melhor o inimigo”, entende.

Com a chegada das tropas “amigas” no Teatro Operacional Norte, Moçambique deu passos significativos na luta contra o terrorismo. As organizações da Sociedade Civil, embora reconheçam a importância da vertente militar na reposição de ordem e tranquilidade, observam que o diálogo continua a solução mais viável para calar com o som das armas em Cabo Delgado. Quem também comunga da mesma ideia é Sérgio Chichava.

“Diziam que não podiam negociar porque a Renamo era um grupo violento, mas houve negociações e foi alcançado o Acordo Geral de Paz em 1992. O diálogo é uma das vias de acabar com o terrorismo. Para o caso de Cabo Delgado, o diálogo deve ser considerado para se evitar más estratégias. Eu escolheria dialogar com os terroristas, e até no seio do partido há pessoas que defendem esse caminho.”

Defensor do Fundo Soberano, o pesquisador e director Instituto de Estudos Sociais e Económicos entende que o mesmo deve ser bem gerido para influenciar o desenvolvimento social e econômico do país, com vista a extinguir as desigualdades sociais que se registam no presente.

No entanto, o pesquisador questiona o papel da Agência de Desenvolvimento do Norte (ADIN), que parece estar perdida em combate, e adverte que a instituição deve fazer o seu trabalho para evitar que jovens sejam novamente aliciados para integrar as fileiras dos insurgentes.

Facebook Comments