Pensando em 2023

OPINIÃO

Luca Bussotti

O ano de 2022 está se fechando com vários pontos de crise no país. Os que gostaria de destacar aqui são três deles, que podem ser classificados como sendo meio escondidos ou pouco abordados pela imprensa nacional.

O primeiro, que infelizmente não é novo, tem a ver com a guerra em Cabo Delgado e, em parte, em Nampula. Um conflito a que a opinião pública moçambicana – territórios interessados a parte – já se tem acostumado, e que já não constitui argumento de discussão e de preocupação, tanto a nível da opinião pública quanto a nível político. Ao longo das últimas semanas, os assuntos mais quentes foram a TSU, a greve de várias categorias profissionais, médicos em primeiro lugar, a inflação que sempre chega perto do Natal…, mas nada de guerra, mortos e deslocados de Cabo Delgado. Apesar disso, o assunto permanece muito sério e, fora de algumas áreas, por sinal próximas às instalações de Afungi da Total, a segurança na região está ainda longe de ser garantida. Desligar a atenção, por parte dos medias, sobre este assunto poderá significar mais violações dos direitos humanos, mais barbaridades e menos controlo daquilo que realmente acontece no terreno.

O segundo ponto de crise tem a ver com a inflação: uma “doença” silenciosa, mas que tira todo o poder de compra aos cidadãos, principalmente das camadas mais vulneráveis. O governo, ao apresentar o Plano Económico e Social ao parlamento, não teve receio em projectar um crescimento da inflação para os próximos meses, colocando a sua média em cerca de 12%. O que significa agravar ainda mais as condições sócio-económicas dos demais. Uma perspectiva nada optimista, de que também pouco se fala, mas que poderá desaguar em manifestações sociais e mais greves, dando continuidade ao descontentamento patente nos últimos meses de 2022. Com um governo que não tolera tais manifestações, a perspectiva de desordens é maior.

O terceiro ponto está relacionado com outra crise escondida, também presente no país há muito tempo. Trata-se da crise ética. Ela desaguou, ultimamente, no processo mais mediático de Moçambique, que por sinal coincidiu com o julgamento do caso mais grave de corrupção pública no continente africano. Não interessa, nesta sede, analisar se as condenações foram justas e proporcionadas: o que interessa é que o quadro que emerge deste processo remete a práticas tão comuns, por parte de uma inteira classe dirigente, que a opinião pública fica por um lado desnorteada e por outro legitimada a fazer o mesmo, uma vez que os “chefes grandes” o fizeram.

Com estes três pontos de crise – e certamente com muitos outros aqui não mencionados – Moçambique entra em 2023, um ano crucial para decidir sobre o seu futuro. Com efeito, em 2023 começa o biénio eleitoral, a partir das eleições autárquicas. Ao longo das últimas semanas as oposições voltaram a dar sinais de vida importantes, fora das intervenções deste ou daquele deputado da Renamo e do MDM. O desafio que elas se lançaram foi de criar uma coligação para fazer face ao poder hegemónico da Frelimo nas urnas, na esteira de quanto feito pela Unita e a Frente Patriótica na Angola, com resultados excelentes. Aqui também existem pontos de crise evidentes: o primeiro será testar se esta experiência, ainda incipiente, irá se concretizar numa aliança eleitoral larga, capaz de competir contra a Frelimo, a partir dos níveis locais. A segunda diz respeito à transparência dos processos eleitorais. O funcionamento da CNE e da STAE, a sua fidelidade ao princípio do respeito do voto dos eleitores representa outro grande desafio que começará em 2023 e concluir-se-á em 2024, com as eleições presidenciais e provinciais.

O nível político cruzar-se-á com o provável descontentamento social de que se tem falado anteriormente. Por um lado, a questão da TSU, que continuará a agitar várias categorias profissionais de peso e com capacidade elevada de influência eleitoral (professores, médicos, etc.); e por outro lado o custo de vida elevado, que representará um ponto de crise constante ao longo de 2023. Um ponto que poderá ter acelerações em caso de incremento do custo de serviços primários, como o transporte público, cuja questão ainda não está resolvida de forma estrutural.

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