- Em um mês, o tomate passou de contribuição positiva para negativa
- INE ignorou a metodologia Laspeyres no cálculo da inflação anual
- Economista alerta que manipulação da inflação pode trazer graves consequências para Moçambique
Enquanto ainda se aguarda infinitamente pelos resultados do (prometido) inquérito sobre os dados empolados do recenseamento de 2019, que fabricou 300 mil eleitores fantasmas na província de Gaza, o Instituto Nacional de Estatística (INE) está, uma vez mais, metido no barulho, por supostamente ter usado critérios pouco claros para cálculo do Índice de Preços no Consumidor (IPC), visando manter a inflação a um dígito para ajudar o Governo a impressionar ao FMI e manipular a opinião pública nacional e internacional de que o país está no bom caminho.
Texto: Duarte Sitoe
A situação gerou uma agitação, nesta quarta-feira, na Assembleia da República, com a bancada da Renamo a exigir explicações do governo, pois aquele índice tem grande impacto sobre as decisões do governo para o Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE), bem como sobre a Taxa de Juro do Banco de Moçambique e outros indicadores macro-económicos do país.
A interpelação baralhou a bancada da Frelimo, que imediatamente solicitou tempo para se inteirar do assunto, mas a Renamo está a insistir que não se pode aprovar o PESOE baseado em dados do IPC falsificados.
Tudo começa com o regresso das instituições da Bretton Woods, ou seja, Fundo Monetário Internacional e Banco de Moçambique, onde o Governo viu-se obrigado a adoptar uma série de reformas económicas cujos impactos são ainda incipientes.
Para o presente ano, o Executivo apontou que a inflação não superaria um digito, mesmo com o alto custo de vida que se faz sentir no país. Para suportar a sua tese, no decurso da apresentação, no Parlamento, da Proposta de Lei do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado para o ano 2023, o Governo recorreu, diga-se, a números duvidosos.
E para o efeito, o Instituto Nacional de Estatística (INE) foi mais uma vez chamado para entrar em acção. O INE, segundo o que o Evidências constatou, abraçou critérios pouco claros para cálculo do Índice de Preços no Consumidor (IPC), visando manter a inflação a um dígito para ajudar o Governo a impressionar ao FMI e manipular a opinião pública nacional e internacional de que o país está no bom caminho.
Aliás, este facto não passou desapercebido a Renamo, com Venâncio Mondlane a pedir a “demissão e prisão” dos actuais gestores do Instituto Nacional de Estatística.
Segundo o que Evidências apurou de fontes ligadas ao Instituto Nacional de Estatística, a decisão de manipular o cálculo do IPC veio diretamente do Ministério da Economia e Finanças (MEF), sendo que para tal martelaram o peso dos produtos com maior contribuição na variação da inflação, com destaque para o tomate.
Para alcançar os seus intentos, o Instituto Nacional de Estatística, ao invés das habituais três cidades (Maputo, Beira e Nampula) que serviam de referência para cálculo do Índice de Preços no Consumidor (IPC), adicionou mais cinco cidades, nomeadamente Xai-Xai, Chimoio, Lichinga, Pemba e Quelimane, passando para oito cidades.
A entrada em cena das cinco cidades martelou sobremaneira o peso dos produtos alimentares no cabaz, numa altura em que o custo de vida continua a sufocar os moçambicanos.
A título de exemplo, em Setembro, o tomate, com uma contribuição de 0,35, constava do rol dos produtos com maior contribuição positiva na inflação. Entretanto, contra todas as expectativas, nos dados tornados públicos pelo INE em Outubro, numa altura em que o preço daquele produto subiu vertiginosa nos principais centros urbanos, o tomate passou para o rol dos produtos com maior contribuição negativa com cerca de -0,08%.
Um economista independente, ouvido pelo Evidências, apoiando-se na metodologia Laspeyres, por sua vez, refere que a variável para o cálculo da inflação deve ser constante no ano económico, ou seja, se o INE usou as três cidades como referência nos primeiros três trimestres do ano devia manter a mesma fórmula para não desvirtuar o resultado anual.
Manipulação da inflação pode trazer graves consequências para Moçambique
O nosso interlocutor não tem dúvidas de que os últimos relatórios do Instituto Nacional de Estatística são irrealistas, olhando para o actual contexto social e económico do país, uma vez que as cidades de Maputo, Beira e Nampula têm uma tendência diferente das outras cinco.
O economista que temos vindo a citar observa que os pressupostos que foram usados pelo Governo para a elaboração da Proposta de Lei do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado de 2023 (PESOE), que se fundamenta na “Taxa de Crescimento Real de 5%, Exportações em oito bilhões de meticais, Reservas internais liquidas em 2.9 bilhões de dólares e taxa de inflação média anual de 11,5%” basear-se-á num histórico falso, que por sua vez falsificou as projeções Governo.
Se por um lado, o economista independente, que falou ao Evidências na condição de anonimato, entende que estão criadas todas as condições para a Proposta de Lei do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado de 2023 (PESOE) ser chumbada. Por outro, adverte que a postura do Instituto Nacional de Estatística poderá trazer consequências graves para o país.
A fonte referiu que a inflação pode ser baixa no papel, enquanto atingiu números históricos no terreno, o que de certa forma pode contribuir para que a mesma seja descontrolada, e como resultado “haverá aumento da pobreza, aumento da taxa de juros, redução do Investimento Directo Estrangeiro, taxa de crescimento do PIB abaixo do previsto, perda da confiança do país junto dos parceiros, falência dos agentes económicos nacionais e estrangeiros, assim como descredito da Política Monetária do Banco de Moçambique”.
Nas entrelinhas, o economista independente suspeita que esta seja a fórmula padrão usada pelo Executivo no Plano Económico e Social e Orçamento do Estado dos últimos 20 anos.
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