África, um continente que olha para o passado

OPINIÃO

Luca Bussotti

As condições socioeconómicas da África não são boas. Pobreza, corrupção, falta de liberdades fundamentais em vários cantos do continente, desigualdades sociais gritantes representam elementos bem conhecidos da realidade diária de muitos países africanos.

Nisso tudo, um dos aspectos que faz mais falta é a capacidade e, sobretudo, a vontade de inovação, nos diferentes campos do saber. Inovação tecnológica ao serviço das populações locais, mas também inovação nas políticas públicas e sociais, no mundo académico e na administração pública, cada vez mais elefantiaca e ineficiente, além de arrogante…Se é verdade que nem sempre a inovação é praticada pelos mais jovens, também é preciso realçar que, no geral, a força propulsiva para inovar e mudar vem da população mais jovem e, hoje, mais instruída.

A história mundial confirma quanto o acima dito: quem levou a cabo a revolução francesa foi um grupo de jovens, com Robespierre que acabava de completar 35 anos quando foi eleito líder do Comitê de Salvação Pública. Mussolini ainda não tinha completado 40 anos quando marchou, em 1922, sobre Roma, conquistando o poder. Kennedy não tinha ainda 45 anos quando se tornou o presidente mais icônico da história americana, ao passo que os grandes revolucionários africanos, incluindo entre eles Samora Machel, Julius Nyerere, Kwame Nkrumah eram todos jovens esperançados e cheios de energias quando assumiram o poder dos seus respectivos países.

O mundo, e particularmente a África, conseguia olhar para o futuro. Claro que nem tudo correu bem, como demonstra o caso moçambicano; entretanto ninguém pode negar que existiam projectos políticos de longo prazo, com ideais e ideias que constituíam o fulcro da edificação dos novos estados independentes. E havia tanto entusiasmo quanto vontade de oposição.

Depois desta geração o mecanismo bloqueou-se. Provavelmente, tinha razão o sociólogo conservador Talcott Parsons quando dizia que as revoluções, depois de um certo tempo, se institucionalizam, tendendo a se tornarem conservativas e regressivas. Parsons falava a propósito da revolução soviética, mas provavelmente este exemplo é válido mesmo para as revoluções africanas.

Hoje, diante de uma população de mais de 1,2 mil milhões de habitantes, apenas 48 milhões estão na faixa etária 65-89, a faixa que concentra a larga maioria dos actuais presidentes africanos. Os únicos dois, salvo erro, abaixo dos 50 anos são Traore do Burkina Faso, que assumiu o poder há pouco tempo depois de um golpe militar, e Rajoelina do Madagascar, que passou pela mesma experiência em 2009, defenestrando Ravalomamana. Um dado talvez casual, mas interessante, uma vez que parece confirmar a ideia de que os jovens, no contexto africano, tenham de usar meios ilícitos e fortes para ascender ao poder. Um poder monopolizado por figuras como Biya, presidente dos Camarões, com 83 anos, Teodoro Obiang, o “eterno” presidente da Guine-Equatorial,ou Nguesso, o outro imortal presidente do Congo Brazaville, ou Guelleh, de Djubuti.

O debate em volta da sucessão ao Presidente Nyusi, uma vez que, sobretudo depois dos pronunciamentos da União Africana, a ideia do terceiro mandato parece abandonada, reflecte quanto dito para o contexto geral africano. Moçambique é um país jovem que gosta de olhar para o passado. Os nomes que o próprio jornal Evidências publicou há poucos dias como possíveis sucessores de Nyusi representam a história do país, dificilmente seu futuro. Quanto gloriosa ou nefasta tenha sido esta história pouco interessa aqui: o que vale a pena destacar é que ela não deixa de ser história, e o leque de nomes emergentes não irão garantir nem a representatividade demográfica de uma população em larga maioria jovem, nem as necessidades de inovação de que Moçambique precisa. Continuaremos a assistir a lutas fratricidas dentro do principal partido do país, com antigos e novos rancores, e com os jovens, mais uma vez, a assistirem passivos e resignados ao digladiar-se desta guerra entre gigantes, ou supostos tais.

Uma coisa é o respeito para os mais velhos, que é um valor absoluto, outra coisa a passividade diante de um país em evidente dificuldade e até decomposição, a que os  mais jovens deveriam dar um contributo bem maior do que têm feito até agora.

Se a este quadro se acrescenta um breve olhar para as lideranças das principais oposições (Momade na Renamo, Lutero Simango para o MDM), a situação não muda, reduzindo quase a zero as possibilidades concretas de mudanças e inovação dentro do quadro político moçambicano actual.

Promo������o

Facebook Comments