A crise financeira do Estado: quais saídas?

OPINIÃO

 Luca Bussotti

Não é uma novidade que o Estado Moçambicano, na vertente económico-financeira, esteja a atravessar um momento de crise. Foram muitas as circunstâncias em que isso aconteceu, desde os primeiros anos de independência até hoje. Entretanto, agora a situação é um pouco diferente, pois, além de elementos estruturais que o governo não consegue ultrapassar, existem também factores contingentes, de curto e médio prazo, que estão a tornar a situação cada vez mais crítica. E as respostas do governo cada vez mais improvisadas, e infelizmente em linha com algumas das indicações do Fundo Monetário Internacional, que certamente não irão resolver o problema tão já.

O princípio fundamental de um país qualquer corresponde ao que costumamos fazer com a gestão doméstica: as receitas devem ultrapassar os gastos, para que o orçamento anual esteja em equilíbrio. Entretanto, no caso de Moçambique isso nunca aconteceu, aliás, nunca aconteceu contando com a própria capacidade de produzir receitas autónomas suficientes para garantir comida a todos os cidadãos, fechando o orçamento sem prejuízos. Nos anos passados, depois de Moçambique ter sido assinalado pelo próprio presidente americano Clinton como um “milagre africano”, ao longo da década de 1990, era a “troika” constituída por um grupo consistente de países ocidentais a suprir às necessidades financeiras de tipo orçamental. O que garantiu, durante vários anos, uma aparente estabilidade económica do país. Entretanto, com a descoberta das dívidas ocultas, o “encobertamento” das falhas estruturais do orçamento de Moçambique vieram à tona, deixando um enorme buraco que foi preciso preencher. Mas, até agora, isso não foi feito. E uma das razões foi que muito pessoal foi contratado, na função pública, ao longo dos últimos anos, muitas vezes sem necessidade, e agora ele pesa no orçamento do Estado. O atraso no pagamento dos salários e o próprio bloqueio das contratações no sector público anunciado pelo governo para todo o ano de 2023 confirmam as dificuldades em que o executivo está a se deparar. A impossibilidade de utilizar um instrumento como o de criar novos empregos em época eleitoral representa a demonstração de que o momento de dificuldade é muito sério, e as saídas possíveis ainda não foram delineadas.

Os dados recentemente disponíveis para o ano de 2023 falam, a este propósito, de gastos correntes de cerca de 320 mil milhões de meticais, dos quais 181,8 para gastos com o pessoal. Em 2022, segundo dados do Fundo Monetário Internacional, as despesas com o pessoal eram de 166,6 mil milhões de meticais. O incremento anual foi de mais de 9%, e a previsão para 2024 é de que as despesas correntes continuem a subir, colocando-se em cerca de 363,9 mil milhões de meticais, com salário que irá ultrapassar os 203 mil milhões de meticais. Diante desta situação, a receita do Fundo Monetário Internacional assenta na redução da massa salarial, o que significa o bloqueio das contratações na função pública. Uma medida de certa maneira incontornável, mas que não vai resolver duas questões fundamentais: por um lado, o equilíbrio orçamental, pois a eficácia desta medida irá levar muito tempo para se manifestar, mesmo se nenhum novo trabalhador entrar na função pública (hipótese, entre as outras coisas, impossível). Por outro lado, não são apenas questões de contenção orçamental que deveriam orientar as políticas económicas de um país como Moçambique. Por exemplo, seria necessário descongestionar a função pública centralizada, a partir dos ministérios, e recolocar uma parte deste pessoal nas províncias, municípios, distritos, onde a carência de pessoal qualificado e competente é evidente, associado a uma carência quantitativa de funcionários. Isso não iria acarretar maiores custos, mas provavelmente daria mais eficiência ao Estado, que se aproximaria mais às necessidades dos seus cidadãos. Outro elemento crítico, diante de um orçamento tão pouco flexível como o moçambicano, tem a ver com os investimentos: sem criar novas receitas será impossível efectuar investimentos em sectores estratégicos que muito precisam (praticamente todos: saúde, educação, habitação, infra-estruturas, etc.). A maioria de tais receitas devia provir do gás de Cabo Delgado da Total, mas esta perspectiva está sendo adiada continuamente. Uma alternativa poderia ser uma luta séria no que diz respeito à fuga ao fisco, de que muito pouco se ouve falar. Não falo dos mega-projectos, Mozal em primeiro lugar, com benefícios fiscais já concordados há muito tempo e que deveriam ser revisitados. Trata-se de uma matéria conhecida, e depende do governo se tentar reverter a seu próprio favor o regime fiscal destas grandes empresas ou continuar da forma em que as coisas estão neste momento. Falo, mais especificamente, da luta à fuga ao fisco de empresas médias e médio-grandes, geralmente nacionais, de vária natureza e sectores de produção ou serviços, que canalizam os impostos devidos ao Estado com grandes dificuldades, por vezes com cumplicidades.

Através da arrecadação de mais receitas o Estado poderia destinar tais recursos a investimentos cada vez mais necessários, evitando de cometer o erro que os países da União Europeia fizeram durante muito tempo, e que apenas com as sequelas da pandemia foram revistos: promover uma política económica virada quase que exclusivamente a um orçamento em equilíbrio financeiro, esquecendo que o mais importante, para as populações, é ver investimentos eficazes e úteis para a comunidade nacional. Apenas juntando os dois aspectos é que será possível trazer benefícios de uma política orçamental mais rigorosa, mas ao mesmo tempo mais atenta às necessidades das populações.

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