Alexandre Chiure
A actualidade, em Moçambique, é dominada pelo fenómeno Azagaia. O debate gira à volta da marcha de homenagem ao jovem artista, frustrada pela Polícia em algumas das principais capitais provinciais.Das armas adquiridas para a defesa das populações que se viram contra elas. De dezenas de populares feridos em confrontos desnecessários com as autoridades policiais. Dos partidos da oposição que fizeram um aproveitamento político do evento, irritando o partido no poder,e dos órgãos de informação acusados de promover a indisciplina.
Apesar de ser algo apetecível de abordar nesta minha coluna semanal, prefiro conversar um pouco com o meu amigo e ministro Celso Correia, relativamente aos dados sobre a segurança alimentar no País.
Sabe, ilustre, para começar, ninguém é culpado de tudo o que foi dito ou comentado quanto às declarações feitas em Roma, na Itália, na sede da FAO. Todas as análises tiveram como base a forma como a informação foi dada a consumir pelo seu gabinete.
Por isso, eu não lhe vou pedir desculpas por aquilo que escrevi e nem o FDC o devia ter feito porque o que aconteceu foi um simples debate em que cada pessoa ou organização disse o que pensava sobre o assunto. Em nenhum momento se debruçou sobre Celso Correia como pessoa.
Ilustre, esteja ciente de que, sendo membro do Governo, os seus actos serão sempre alvo de escrutínio público, quer queira, quer não, e esse não deve ser motivo para arrufos ou a tomada de atitudes pouco aconselháveis.
A violência verbal e a arrogância com que o senhor se dirigiu à FDC foi de assustar a plateia mas, curiosamente, os presentes aplaudiram-no. Não ficou bem, não acha? Eu creio que se excedeu.
Há cerca de uma semana, o senhortornou público os resultados do inquérito pós-colheita (já imaginou que resultados seriam se fosse antes da colheita?),feita em obediência aos padrões internacionais e com umaabrangência de pouco mais de 150 distritos.
Estudo que tem que ser validado pela sociedadenumexercíciode cruzamento de dados colhidos com outras pesquisas a fim de se tornar um instrumento de trabalho de consulta obrigatória.
Sabe duma, senhor ministro? O relatório não foi bem acolhido por alguns sectores da sociedade. O ponto é que ficou a ideia de que os resultados apresentados foram manipulados para calar as vozes protestantes,dado que a divulgação se segue a um forte debate sobre se é verdade ou não que 90 por cento da população tem três refeições por dia.
Ilustre, não acha que a amostra usada de 12. 500 famílias inquiridas é pouco representativa, num universo de seis milhões de agregados familiares? Eu, pessoalmente, penso que o número é baixo, apesar da justificação segundo a qual os dados são consentâneos com os padrões regionais ou internacionais.
Cada país tem a sua população. Doze mil e quinhentos para seis milhões de agregados populacionais que Moçambique possui é uma coisa, e 12.500 para um ou dois milhões de agregados de um outro país é outroassunto. Por outra, não estaremos a descontar o mesmo valor quando temos que reter dez por cento do salário na fonte.
Senhor ministro, diga-me uma coisa: A pobreza não tem,mesmo, uma relação directa com a segurança alimentar? Essa de três tipos de pobreza deixou-me com algumas minhocas na cabeça. Que há pobreza de falta de alimentos, a de falta de rendimentos, e de outro tipo.
Afinal, quando o Banco Mundial, num dos seus recentes relatórios, classifica Moçambique como sendo o terceiro país mais pobre do globo, com um rendimento nacional bruto de 460 dólares, de que pobreza está a falar?
Quando oPNUD diz, no seu estudo, divulgado em Outubro de 2021, sobre níveis de pobreza no mundo, que 63 por cento dos moçambicanos vivem abaixo da linha da pobreza, o que é que isso significa em termos práticos? A que pobreza se refere?
Já agora, como é que o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural interpreta estes números e qual é a relação que estabelece com a situação de segurança alimentar?
Sabe, cheguei a ensaiar uma intervenção no evento da Catembe, para colocar-lhe estas questões, mas depois desisti. É que fiquei com o receio de ser interrompido pelo moderador antes de terminar a minha explanação, como aconteceu com o deputado Venâncio Mondlane.
Mas também pensei que o melhor era mesmo ficar calado para dar espaço ao senhor no sentido de se explicar publicamente, esclarecendo alguns equívocos em torno da controvérsia declaração sobre as três refeições, na Itália.
Já vamos longos na nossa conversa. É melhor pararmos por aqui. Só mais uma coisa: Pareceu-me que aquelas perguntas do moderador foram ensaiadas ou combinadas previamente consigo. Verdade ou mentira? Bom, são os seus truques. Mas rendi-me. O senhor, ao responder a esses questionamentos, descarregou toda a sua raiva sobre o FDC, com aquela arrogância pouco vulgar,ao ponto de dizer que “não contem comigo na perpetuação da indústria da pobreza e miséria no país”.
Valeu a conversa. Abraço, e até à próxima.
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