Novo relatório da UNODC aponta Moçambique como país de trânsito e consumo de cocaína

OPINIÃO

Luca Bussotti

Enquanto o País está mergulhado numa situação em que a morte do rapper Azagaia tem provocado sobressaltos e descontrolos nas altas esferas do poder, a UNODC (Agência das Nações Unidas para o Combate às Drogas) torna público seu novo relatório sobre a situação do tráfico e uso de cocaína a nível mundial.

Sem muitas surpresas, depois de uma parcial descida nos dois anos da pandemia, o tráfico de cocaína voltou a aumentar. Com efeito, se a pandemia tinha obrigado os traficantes a utilizar estratégias em parte novas, sobretudo a via postal, com o abrandar-se da situação pandémica as rotas tradicionais (aérea e marítima) voltaram a ter preponderância.

O dado de partida é que, entre 2013 a 2017, o cultivo de cocaína no mundo duplicou, e daí o crescimento foi constante, assim como o consumo. A Colômbia continua sendo o primeiro produtor mundial, e seus poderosos cartéis controlam a rota provavelmente mais rentável do mundo, a da América Latina para a América do Norte. Brasil representa o país donde a cocaína sai de vários pontos do planeta, tendo, hoje, como metas privilegiadas países europeus, como Países Baixos e Bélgica, tendo assim suplantado a rota mais tradicional da Península Ibérica.

Neste contexto de grande crescimento de uso e tráfico de cocaína, o continente africano joga um papel cada vez mais importante. A partir de 2019, as apreensões de cocaína demonstram que a África Ocidental e Central desempenha, actualmente, um papel significativo enquanto ponto de trânsito, sobretudo para a Europa. Na África Centro-Ocidental quem domina o tráfico são grupos nigerianos. Diferentemente dos grupos criminosos latino-americanos, os nigerianos actuam traficando pequenas quantias de cocaína, utilizando a via aérea – de preferência via Brasil – e sendo organizados em grupos pequenos, de 4-5 membros, fechados e solidários entre eles, por isso pouco penetraveis.

Nesta parte do continente africano, em 2021 foi registado o recorde de sequestros de cocaína, com uma rota marítima directa entre o estado brasileiro do Rio Grande do Norte para a região da Casamance, na fronteira entre Senegal e Guiné-Bussau. O Golfo da Guiné, com os vários países interessados, viu, entre 2019 e 2021, a apreensão de 13 quantias de cocaína de 100 kg ou mais, um novo recorde para esta área.

Cabo Verde, tradicionalmente fora das grandes rotas atlânticas da cocaína, registou o sequestro de 9,5 toneladas desta substância em Fevereiro de 2019, e mais 2,3 no Agosto do mesmo ano, entrando assim a pleno título entre os países da África Ocidental mais expostos a este fenómeno.

Todos os países lusófonos africanos estão sendo alvo de tráficos muito importantes de cocaína, devido a preferência dos traficantes brasileiros em privilegiar territórios falantes a língua portuguesa.

Moçambique é o mais exposto a estes tráficos: se a cocaína chega no território Moçambicano via marítima do Brasil, a heroína e a metanfetamina entram da Ásia, para prosseguir para a vizinha África do Sul ou directamente para a Europa.

O ponto privilegiado de entrada quer da cocaína, quer da heroína é o norte do país, nomeadamente – segundo o relatório da Unodc – os portos de Nacala, Pemba e, mais a norte, na Tanzânia, de Dar-es-Salaam. Em Maio de 2022 foram sequestrados, na província de Nampula, 425 kg de cocaína, demonstrando assim a presença muito significativa de tráficos desta substância em todo o norte de Moçambique.

Do outro lado, Moçambique é exposto a entrada de cocaína – e cada vez mais ao seu uso interno, sobretudo na província de Maputo – em razão da fronteira com o território sul-africano, em particular o Kwa-Zulu Natal. Esta região é a que mais, na África Austral e provavelmente a nível continental, consome cocaína, tendo o Hub do porto de Durban como referência principal. Uma vez que existem compradores e consumidores capazes de adquirir a cocaína no sul de Moçambique, seu uso nesta parte do país tem-se tornado simples e frequente.

Em vários bairros da grande Maputo, assim como em lugares mais reservados, o uso de cocaína e de outras substâncias estupefacientes, como a metanfetamina, tem-se tornado frequente, entrando inclusive na rede dos estabelecimentos prisionais.

Trata-se de substâncias extremamente nocivas e que atraem principalmente os jovens, que depois mostram enormes dificuldades em sair de um círculo vicioso que devasta não só eles, mas as suas famílias, juntamente com o uso de super-alcóolicos também nocivos.

O país não está preparando para enfrentar este duplo ataque: por um lado, o incremento dos tráficos ilícitos provenientes quer do Brasil, quer da Ásia, diante do qual o trabalho de investigação interno e com a colaboração de entidades internacionais, como a Interpol, ainda não está a surtir os efeitos desejados. Por outro, o crescimento exponencial do consumo interno de cocaína e outras substâncias estupefacientes, que está a deixar rastos sociais consideráveis, sem que haja estruturas profissionalmente preparadas para enfrentar esta nova emergência. Se calhar vai ser este um dos novos desafios dos programas políticos no âmbito da investigação criminal, assim como a nível sócio-assistencial em vista das próximas eleições autárquicas e presidenciais.

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