“O País está cheio de jovens frustrados (…) um dia estaremos lixados”

POLÍTICA SOCIEDADE
  • Sérgio Chichava alerta para o risco de explosão social

Na semana que o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) realiza o seminário de disseminação dos resultados da Pesquisa intitulada “Grande Riqueza, Poucos Beneficiários: Percepções Locais da Gestão dos Recursos Naturais em Moçambique”, Sérgio Chichava, director do instituto, faz, em entrevista ao Evidências, um retrato da actualidade onde destaca o descontentamento da juventude. Ele refere que o cenário actual mostra indícios “de uma juventude corrompida, marginalizada e frustrada, que sofre todos dias por causa da falta de emprego, e sem formas de integração por nunca ter ido a escola”. Num outro desenvolvimento, observa que deve constituir preocupação não só o que está acontecer em Cabo Delgado, mas o que está a acontecer nas principais cidades do País.

Renato Khau

Numa entrevista cedida ao Evidências, o pesquisador referiu que existem muitos Jorginhos espalhados um pouco por todo o País que não chegam a pegar em armas, e se estes jovens continuarem sendo marginalizados e excluídos da partilha do “bolo, poderemos ter jovens frustrados e um dia ‘estaremos lixados’ pois não terão nada a perder literalmente”.

Jorginho (nome fictício) é um jovem oriundo de uma família muçulmana Makonde, na aldeia de Ngangolo, em Nangade, Cabo Delgado. Tem sua vida retratada em mais recente publicação do IESE, “Jorginho: breve história de um jovem Makonde muçulmano do al Shabaab”. Um jovem com princípios muçulmanos que desde cedo se ressentiu da falta de dinheiro para suprir as suas necessidades e ironicamente viu a oportunidade de ver a sua vida melhorada diante das promessas feitas pelo grupo radical islâmico Al Shabaab, que muitas vezes se aproveita de jovens em situações difíceis para os seduzir não só com ofertas de valores monetários, mas também com a promessa de bons empregos e vida eterna.

Sem dinheiro, sem perspectiva na vida, vivendo em condições difíceis e expondo publicamente a frustração de não ter dinheiro na sua página do Facebook em 2014, Jorginho acabou sofrendo influências de sheiks radicais tanzanianos, que, para além de um discurso radical contra o Governo e o estado dirigidos por Kaffirs ou “porcos”, apregoavam que juntar-se ao Al Shabaab e “fazer Jihad” levar-lhe-ia ao paraíso. Segundo o movimento “quem morre no Jihad vai ao paraíso; é mártir”. Tendo já bebido das convicções radicais do grupo Jorginho integrou o grupo que a 5 de Outubro de 2017 efectuou o primeiro ataque a Cabo Delgado.

Marginalização dos jovens constitui uma ameaça social

Para Sérgio Chichava, esta passagem do desemprego e frustração à junção nas fileiras dos grupos terroristas evidencia exactamente o maior perigo de existir uma juventude marginalizada e excluída dos processos de produção de riqueza no país. “O terrorismo está em todo sítio aqui em Moçambique, e quem dirige este país tem que ter atenção nisso. Hoje não é possível você deixar o teu carro de dia e voltar a encontrar ele intacto. As tapas das sargetas dos esgotos são roubadas, todas estradas estão cheias de buracos, não é possível. Nós temos que nos preocupar não só com o que está acontecer em Cabo Delgado, mas com o que está a acontecer nas principais cidades do nosso País; Jorginhos existem em todo lado”.

E acrescenta, “ o que que o Jorginho quer? Quer emprego, quer oportunidade. Se ele não estudou, então deve ser marginalizado por não ter estudado? Ou deve se arranjar formas de integração? Pode se providenciar formação como canalizador, pedreiro, sapateiro […]”

Chichava avança que não há como haver paz em Cabo Delgado depois de expulsão de jovens que por longos anos tiveram como única fonte de renda a exploração artesanal de rubis. “Podia por exemplo a empresa instalada no local passar a trabalhar em parceria com os antigos garimpeiros e não simples expulsa-los de lá. Em vez disso, aconteceram massacres, proibições e torturas; tu não vais ter paz.

Sugere que uma das soluções de se firmar positivamente nos locais de exploração em benefício dos jovens locais e não só, seria o estabelecimento de parcerias de trabalhos sazonais.

“A maior parte da população moçambicana é jovem, e é ela a mais vulnerável a tudo e a que mais sofre, então é preciso realmente que essa parte da juventude seja revista com muita seriedade, que seja levada a sério. Portanto, a parte da integração e da inclusão económica e social é muito importante. É necessário termos políticas mais arrojadas para os jovens; não basta dar uns quites aos jovens, é preciso que o Estado exerça o seu papel, senão a cada dia estaremos criando novos Jorginhos” disse.

Caso estes jovens não sejam dados oportunidades, vão criar muito mais problemas. Todos anos as universidades formam novos profissionais mas estes não têm empregos e muitos não têm perspectivas, quem diga os que não têm formação.

O pesquisador refere que por mais que o conflito armado acabe em Cabo Delgado, e não forem satisfeitas as causas que fizeram o grupo evoluir e recrutar muitos jovens na sua maioria desempregados, bem como aquelas pessoas que referem que só podem aceder ao Estado usando armas, o Estado não terá feito nada. “É preciso repartirmos o bolo pois este está sendo comido por um grupinho de pessoas e as outras pessoas estão com fome”, sublinha.

Ao fazer a analogia do Jorginho, Sérgio Chichava pretende dar o seu contributo para ajudar o país a compreender oque está a acontecer em Cabo Delgado, “pois existem teses que referem que os conflitos iniciaram entre as etnias Mwani e Macua contra os macondes isto porque historicamente os macondes vivem bem, e que estão filiados à Frelimo e presume-se que estão ligados ao poder, e ocupam altas posições do Governo, no aparelho Estatal, mas na verdade o fenómeno é muito mais complexo que isso”.

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