- Aulas estão condicionadas e o Governo continua com problemas de liquidez
- Alunos instam o Governo a resolver o assunto para não comprometer a sua escolaridade
- MINEDH reconhece, mas insta docentes a assumirem as suas responsabilidades
Desde Outubro de 2022, curiosamente, o mês que começou a implementação da Tabela Salarial Única, o Governo está sem liquidez para garantir o pagamento pleno e regular de várias despesas, incluindo as horas extras dos professores. Na cidade de Maputo, por exemplo, docentes, sobretudo das escolas secundárias, viram-se obrigados a desistir e abandonar as suas turmas do turno nocturno devido a falta de pagamento de horas extras, o que tem estado a afectar sobremaneira o processo de ensino e a aprendizagem e a comprometer o aproveitamento pedagógico de alunos, afectando sobretudo os das classes com o exame. Ouvidos pelo Evidências, os alunos pedem a quem de direito para resolver o mais breve possível a situação dos professores, para não prejudicar o seu futuro, enquanto o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MEDH) voltou a dar sinais de não ter solução à vista, tendo instado os professores para assumirem as suas responsabilidades.
Duarte Sitoe
O Governo, através do Ministério da Economia e Finanças (MEF), garantiu, recentemente, que dispunha de verbas para saldar o pagamento de salários e horas extraordinárias a todos os funcionários e agentes do Estado, incluindo as classes médica e docente, tendo igualmente assegurado que há um trabalho em curso para se avaliar a justeza desses pagamentos e lembrado que para proceder a estes pagamentos o Estado não precisa de rectificar o orçamento.
Mas, ao que tudo indica, não passa de mais uma ladainha do Governo para ir empurrando a crise de liquidez com a barriga, enquanto sobrevive mais um dia. Cansados de serem enrolados desde Outubro do ano passado, uma parte considerável de professores do curso nocturno decidiram atirar o giz e o apagador de forma definitiva, ou seja, já não se fazem aos seus postos de trabalho.
Evidências apurou que após a primeira onda de abandonos por parte de professores, o Governo decidiu alocar as turmas extras a outros professores, contudo estes também já estão com os nervos à flor da pele e tencionam também abandonar, pois desde Março passado trabalham também sem receber e temem que o Governo, no fim, não tenha dinheiro para pagar os ordenados referentes a todos os meses em atraso.
Francisco Magaia (nome fictício) contou ao Evidências que decidiu paralisar as suas actividades na Escola Secundária Josina Machel porque não podia continuar a trabalhar sem nenhum retorno. Magaia acusa o Ministério da Educação e Desenvolvimento de falta de sensibilidade em relação ao sofrimento dos professores do curso nocturno, que para se deslocarem aos postos de trabalho recorrem aos seus próprios recursos.
“É uma situação lamentável. Desde que arrancou o ano lectivo ainda não recebemos nenhum mês das horas extras. Juramos contribuir para o processo do ensino e aprendizagem, mas nas condições actuais não há como continuar. Infelizmente, tive que abandonar o barco. Espero que o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano ponha a mão na consciência e mude esta situação. Quando reclamamos sobre as incongruências detectadas na Tabela Salarial Única disseram que tínhamos que beber água, mas agora chegou a vez deles relaxarem e beberem água”, enfatizou Magaia.
A fonte avisa que se a situação das horas extras não for resolvida com celeridade, o grosso das escolas da capital moçambicana corre o risco de ficar somente com os alunos, visto que mesmo os docentes que preferiram continuar poderão atirar o giz e o apagador.
“Já estamos cansados de promessas. Desde o ano passado a esta parte estão a prometer, mas nunca cumpriram. Decidimos paralisar as actividades e não incentivamos ninguém a seguir o mesmo caminho. No entanto, há colegas que poderão abandonar, caso a situação não seja resolvida no final do mês em curso. O Governo deve resolver essa situação com urgência porque não se pode brincar com coisas sérias. A educação é um dos vectores para o desenvolvimento, mas como vamos desenvolver se continuarmos a negligencia-la?”, questionou.
Natércia Manuel consta da lista dos professores que decidiram abandonar o barco no meio do oceano na Cidade de Maputo. Na conversa com a nossa equipa reportagem, disse que fazia das tripas coração para se fazer ao trabalho…
“As coisas saíram do controlo quando foi implementada a Tabela Salarial Única. Era obrigada a levar parte do meu salário para custear as despesas de transporte e no final do mês não ter nenhum retorno. Não há nenhum professor que não goste de ensinar, mas por ser uma actividade remunerada não podemos trabalhar para no final do mês auferir promessas, sem contar com os prejuízos que somamos”, sustenta.
Uma situação que deixa dos alunos com os nervos à flor da pele
Passavam das 17h45 minutos quando a nossa equipa de reportagem escalou a Escola Secundária Josina Machel. O cenário era desolador e os alunos estavam apreensivos porque perspectivavam que seria mais um dia que ficariam do primeiro até ao último tempo à espera de professores que nunca mais chegavam.
Face ao cenário que se vive na capital moçambicana, os estudantes, sobretudo os que estão nas classes com exame, estão com os nervos à flor da pele, uma vez que ambicionam ingressar no ensino superior no próximo ano, mas temem que a perda de aulas possa se reflectir nos exames finais.
Carlota Mateus era o rosto da desilusão pelo facto de estar a ter aulas a conta-gotas e não entende como o sector da educação na Cidade de Maputo deixou a situação chegar a esse extremo.
“Os professores são pessoas que têm necessidades e não podem trabalhar sem ganhar nada. Eles já não aparecem, e quem está a pagar a factura somos nós. Gastamos dinheiro de chapa e no final do tudo não aparecem professores. É vergonhoso o que está a acontecer. Segundo alguns colegas, essa situação não se regista apenas aqui na Escola Secundária Josina Machel, regista-se em quase todas as escolas”, lamenta.
Mas, o que inquieta ainda mais aos alunos é o silêncio ensurdecedor da direcção da escola, que nunca se pronunciou sobre o assunto.
“No segundo trimestre que está prestes a findar, não tivemos aulas de Matemática, Biologia, Química e Inglês porque os professores desapareceram. Ninguém da direcção nos deu explicação sobre a ausência dos docentes. Foram os outros professores que nos informaram sobre o que estava acontecer”, lamentou.
“Não podemos fechar os olhos a esta triste realidade”
Julião Fiel não tem dúvidas que se não fosse pelo trabalho já teria feito permuta para o curso diurno, uma vez que, actualmente, praticamente não se estuda. A fonte estranha o silêncio do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.
“Não podemos fechar os olhos a esta triste realidade. Este ano ainda não tivemos aulas. No primeiro trimestre, os professores entraram em greve para reivindicar a falta de pagamento das horas extras e no presente alguns desistiram. Os estudantes é que saem prejudicados nesta guerra entre o Governo e os docentes. É doloroso sair de casa para não ter aulas. Acredito que muitos de nós já teríamos feito permuta para o curso diurno para contornar esta situação, mas infelizmente não temos esta possibilidade porque durante o dia temos que trabalhar”, argumenta.
Prosseguindo, Fiel exorta ao Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano e o da Economia e Finanças para que ao invés de promessas resolvam a questão das horas extras dos professores para que as escolas da Cidade de Maputo voltem a funcionar normalmente.
“Desde o início do ano que o Governo está a fazer promessas. Quando os professores entraram em greve no primeiro semestre foram ditos que a situação seria resolvida brevemente, mas o tal brevemente nunca chega. Agora estamos nesta situação por falta de seriedade dos nossos dirigentes. Apelamos a quem de direito para resolver esta situação. Se não conseguirem pedimos ajuda ao Ruanda, tal como aconteceu na luta contra o terrorismo na província de Cabo Delgado”, desabafa.
Por sua vez, Danilo Neves, aluno da Escola Secundária Eduardo Mondlane, aponta que o que está a acontecer na Cidade de Maputo é o reflexo da educação em Moçambique. Sem reservas, Neves diz que o Executivo mostrou, mais uma vez, que não tem soluções para resolver os problemas que preocupam os moçambicanos.
“Estamos a ser mal governados. O nosso Governo anda desnorteado e não tem soluções para resolver os problemas dos moçambicanos. A educação e a saúde estão um caos. Os médicos estão em greve e os professores já cansaram de promessas. O que está a acontecer no curso nocturno é o reflexo do nosso sistema de educação. É injustificável o que temos vindo a assistir. Temos exame no presente ano e não sabemos o que será de nós perante a esta situação. Não podemos condenar os professores, eles estão cobertos de razão. Não temos outra situação ao não ser ficar à espera do milagre, mas os nossos governantes deviam ter vergonha na cara”, protestou
MINEDH insta professores a assumirem suas responsabilidades
Numa entrevista recente à TVM, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano reconheceu que os níveis de absentismo dos professores tendem a crescer, mas preferiu empurrar a culpa para os outros, referindo que quem deve controlar a situação são os diretores das escolas e direcções distritais da educação.
“De facto temos essa realidade, mas é preciso frisar que a todos os níveis temos um problema de controlo do compromisso daquilo que são as acções do sector de educação. A nível do MINEDH, temos a inspecção geral e nas províncias temos as unidades de controlo interno, mas é preciso dizer que o primeiro supervisor de qualquer actividade do funcionamento da escola é o director da escola, que é a pessoa que está no terreno. Mas temos os serviços distritais de juventude e tecnologia que nós apostamos na supervisão”, disse Manuel Simbine, porta-voz do MINEDH.
Simbine, que revelou que em 2022 foram instaurados cerca de 622 processos contra professores em todo do território nacional, referiu que os alunos, independentemente de qualquer caso, merecem uma educação de qualidade, tendo instado os professores para assumirem as suas responsabilidades para não prejudicar o processo do ensino e aprendizagem.
“Nas situações em que os professores ficam uma semana sem se fazer presentes a escola, nós temos um programa e aulas que deviam ser dadas naquela semana que não são dadas, e isto poderá, depois, provocar uma situação de chegarmos ao fim do trimestre ou no fim do ano lectivo e avaliarmos matérias que não foram dadas, então é preciso controlar essa realidade e quem deve fazer isso são os gestores das escolas e o serviço distrital que estão mais próximos. Os professores devem assumir as suas responsabilidades, são profissionais independentemente de qualquer situação temos a obrigação de estar em prontidão para dar aquilo que é a educação de qualidade”, apelou..

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