Governo e sociedade civil debatem desafios enfrentados pela imprensa moçambicana nas eleições de 2024

DESTAQUE POLÍTICA SOCIEDADE

A capital moçambicana acolheu uma mesa redonda multissectorial sob o lema “Mídia em tempos de crise: uma reflexão a partir das eleições gerais de 2024” , reunindo representantes do governo, sociedade civil, academia, jornalistas e parceiros internacionais. O objectivo foi reflectir sobre o papel da comunicação social em contextos críticos e polarizados, como o vívido durante o recente processo eleitoral em Moçambique.

Na sua intervenção, Elizabete Mchola, representante do Gabinete de Informação (GABINFO), destacou a importância do encontro para promover uma comunicação ética, responsável e comprometida com a democracia, saudando o apoio da União Europeia e dos organizadores, MISA, Media Lab e Fórum das Rádios Comunitárias (FORCOM), pelo espaço de debate

“A comunicação social desempenha um papel vital em qualquer democracia. Informa, educa, fiscaliza o poder e serve como espaço para o debate público. Mas em tempos de crise, esse papel torna-se ainda mais sensível”, afirmou.

A representante do governo ressaltou que o Estado moçambicano valoriza e protege a liberdade de imprensa, mas espera da classe jornalística um compromisso contínuo com a verdade, a ética e a promoção da paz social. Reconheceu ainda os desafios enfrentados nas eleições de 2024, especialmente no que se refere à segurança dos jornalistas, à proliferação de desinformação e ao discurso de ódio.

“A responsabilidade demonstrada por muitos jornalistas durante o período pós-eleitoral mesmo diante de manifestações violentas, foi crucial para combater conteúdos tendenciosos e promover o diálogo nacional”, concluiu Mchola.

Nora Sarrat Capdevila, representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), recordou que Moçambique, como signatário do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, tem a obrigação de garantir a liberdade de expressão e o direito à informação incluindo o exercício livre e seguro do jornalismo.

Durante sua intervenção, Capdevila citou com preocupação os abusos registrados no pós-eleições: Desaparecimento forçado do jornalista Arlindo Chissale, em Cabo Delgado, desde Janeiro de 2025; agressões físicas a jornalistas durante manifestações; detenções ilegais e maus-tratos;  destruição de equipamentos e bloqueio ao acesso à informação;  censura digital, com interrupções deliberadas de internet e impunidade na investigação dos casos.

“O governo de Moçambique precisa dar respostas. Não é apenas uma questão de justiça, é uma obrigação legal e moral. Chissale desapareceu no exercício do seu trabalho e isso constitui uma grave violação dos direitos humanos”, afirmou

Segundo a ACNUDH, duas comunicações formais foram enviadas ao governo moçambicano solicitando esclarecimentos e providências.

Jornalistas entre a repressão e a desconfiança

Entre os jornalistas presentes, António Tiwa relatou alguns dos desafios mais marcantes que ele e seus colegas enfrentaram na cobertura das eleições de 2024, destacando episódios de violência directa e a crescente percepção de vulnerabilidade. O jornalista iniciou o seu depoimento recordando um episódio emblemático logo após as eleições, quando jornalistas foram alvo de ataques durante uma entrevista ao ex-candidato Venâncio Mondlane na praça da OMM em Maputo. Ele explicou que, apesar dos manuais de segurança recomendarem proximidade com as forças de defesa e segurança, os jornalistas acabaram sendo atacados por gás lacrimogéneo, algo que nunca havia imaginado.

“Logo após as eleições, vivemos um episódio grave: jornalistas foram atingidos por gás lacrimogêneo durante uma entrevista em Maputo. Nunca imaginei que estaria próximo da polícia deixaria de ser sinônimo de segurança.”

Tiwa detalhou ainda o desconcerto e a indignação gerada pela justificativa de que não havia sido notada a presença de jornalistas no local. Segundo ele, esse episódio simbolizou a vulnerabilidade dos jornalistas e destacou a falta de protecção por parte das autoridades. Além da violência física por parte das forças de segurança, também relatou casos de ameaças recebidas de grupos ligados a movimentos políticos. Para ele, as ameaças não se limitam apenas à actuação das autoridades, mas também vêm de outras esferas, como os atores políticos.

“Além disso, nossos colegas continuam a ser ameaçados por causa de uma reportagem feita em Gaza sobre os protestos pós-eleitorais. As ameaças não vêm apenas da polícia, mas também de atores políticos e manifestantes.”

Outro ponto abordado foi a dificuldade de acesso a algumas áreas e a censura indirecta enfrentada pelos jornalistas devido à percepção de parcialidade nos meios de comunicação. Ele explicou que, para conseguir entrar em alguns bairros, os jornalistas precisavam esconder logótipos e mostrar previamente as reportagens nas redes sociais para provar que estavam cobrindo a realidade.

“Em muitos bairros, ambientes que escondem logótipos, tiram esponjas dos microfones e até mostram reportagens anteriores nas redes sociais para poder entrar. Há uma percepção distorcida sobre o nosso trabalho que nos torna alvos.”

Tiwa também destacou a crescente insegurança associada à circulação de jornalistas no contexto pós-eleitoral. Ele relatou que houve momentos em que os repórteres saíram de casa sem saber se conseguiriam retornar, devido ao clima de tensão e à limitação de transporte nas ruas.”Houve dias em que saímos de casa sem saber se voltaríamos. A circulação estava limitada, e tínhamos que garantir a emissão, mesmo sem saber se teríamos segurança para tal.” (Luisa Muhambe)

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