Alexandre Chiure
Numa manhã sem agenda, resolvi ficar em casa a ver televisão. Passei de um canal para o outro à procura de algo para assistir. Dado que eram 09:00 horas, estavam no ar, na maior parte dos canais televisivos, programas de entretenimento, gémeos verdadeiros em termos de linha editorial ou de conteúdos, com a diferença quanto aos seus nomes e apresentadores.
Nessas minhas buscas dei-me de cara, num dos canais, com a transmissão, em directo, de uma sessão da Assembleia da República. As atenções estavam viradas para perguntas ao governo. À partida, o evento sugeria um forte debate e, por isso, valia a pena acompanhar.
Confesso que há muito que não me dava tempo de sentar, diante de um televisor, e assistir aos trabalhos da AR. O que me interessava, na verdade, era aproveitar a ocasião para juntar o útil ao agradável. Queria, no fim do dia, ter uma ideia do parlamento que temos hoje, avaliar o grau de maturidade do nosso deputado e a qualidade do debate que se desenvolve naquela casa.
Traçados os objectos, concentrei-me na tela e nessa altura estava a falar um deputado da oposição. Escutei-o e em tão pouco tempo cansou-me. É que parte significativa da sua intervenção, cheia de adjectivos qualificativos, era constituída por bajulações que nunca mais acabavam à volta da figura do líder do seu partido.
O cenário entristeceu-me porque a oposição tem um fundo de tempo muito limitado por conta do número de assentos que tem na AR. Por essa razão, devia ser muito disciplinado na gestão do tempo, no sentido de usar cada minuto de que dispõe para falar de coisas sérias e posicionar-se em torno dos assuntos em debate.
O segundo motivo de frustração, nesta minha primeira impressão sobre o desempenho do parlamento, é que esse mesmo deputado, completamente fora do tema do dia, colheu muitas palmas dos seus colegas. Por outras palavras aplaudiu-se a mediocridade, conduzindo-se o orador cada vez para o mato, o que foi vergonhoso.
Aquilo que se podia pensar que fosse um simples deslize do deputado da oposição, pude verificar que, afinal, era uma forma de ser e estar no parlamento. Lamentavelmente, alguns deputados, incluindo da maioria, usam o pódio para prestar vassalagem aos seus chefes. Outros optam por atacar os seus adversários políticos, em detrimento da abordagem de assuntos de interesse público.
O exemplo disso é o que se seguiu no rol de intervenções que estavam previstas para aquela manhã. É que um deputado da bancada da Frelimo, de quem se espera por uma maior responsabilidade na colocação de questões, discursou, do princípio ao fim, sem dirigir uma única questão ao governo, presente na sala, e nem tão pouco responsabilizá-lo por algum incumprimento de promessas.
Depois desta avaliação cheguei à conclusão de que, em geral, alguns deputados, independentemente da sua bancada, não sabem ao certo porque é que estão na AR. Dá a ideia de que não conhecem a sua real função naquela casa.
Uns acham que é fazer bem desenterrar o machado da guerra nas suas intervenções, quando, na verdade, estão a cultivar o ódio na sociedade. Outros, promovem discursos belicistas, no lugar de apostar numa linguagem reconciliatória.
Não faz sentido nenhum, por exemplo, a bancada da maioria defender o governo na AR e, em algum momento, substituir-se dele. O executivo sabe defender-se por si próprio. Os 250 deputados são pagos para produzir leis que regulem a sociedade e fiscalizar as actividades do executivo.
A segunda grande conclusão a que cheguei é que continuamos a ter um parlamento fraco e longe de constituir um espaço para o debate de ideias. Os deputados das três bancadas parlamentares estão amarrados à disciplina partidária e tudo que se faz é em função dos objectivos políticos a atingir.
Seria interessante, por exemplo, ouvir o ponto de vista do parlamento sobre como acabar com os raptos em Moçambique e como travar a onda de adesão de jovens nas fileiras dos terroristas. Um debate sério sobre os dois assuntos, sem politiquices, nem ataques e acusações de parte a parte, com recomendações claras para o governo cumprir.
O desempenho da AR deixa muito a desejar, quer em termos de iniciativa de lei (duas nos últimos tempos, contra mais de 20 do governo), quer no que diz respeito à componente de fiscalização, para o que os deputados recebem. Além de salários chorudos e dos subsídios, há a indicação de que foram já gastos sete milhões de meticais no pagamento de senhas de presença de deputados.
A outra questão não menos importante tem a ver com a gestão das maiorias parlamentares por parte da Frelimo. Dá a ideia de que há um abuso na opção pela ditadura do voto. Como resultado disso, um número significativo de leis, incluindo a revisão pontual da Constituição da República que era suposto ser aprovada por consenso, passou com votos únicos do partido governamental, o que não é politicamente saudável, pois não transmite uma boa imagem da Assembleia da República.
É verdade que quem tem a maioria de dois terços manda. Mas o mais importante de tudo é privilegiar o consenso em todos os processos de votação, tirando um e outro caso, a alcançar através de diálogo entre as bancadas. Só assim é que as minorias parlamentares, que representam uma faixa do eleitorado moçambicano, podem se sentir respeitadas, valorizadas e parte na tomada de decisões.