- Camaradas começam a cobrar o preço da “questionável” vitória
- Mas o grupo actualmente no poder não engoliu a seco e já está em curso um contra-ataque
- Instituições do Estado como a polícia entram no expediente para combater Samora
- Grupo de choque foi instruído a espalhar narrativa de que Samito não tem ideais do pai
- Vozes internas acusam Nyusi e seu grupo de terem empurrado o país e (agora) a Frelimo ao abismo
Longe do aparente normal que se tenta projectar, há uma Frelimo que está a sangrar por dentro e camaradas envergonhados com o rumo que o país e (agora) o partido estão a tomar. Samora Machel Júnior foi o primeiro da dita reserva moral do partido que ganhou coragem e publicamente insurgiu-se contra a actual degradação de valores no partido no poder, uma postura da dita “crítica e autocrítica” (que no passado já fez escola quando a Frelimo ainda se outorgava partido do povo), que, no entanto, não foi bem recebida pela ala actualmente no poder, em total desespero e que está focada em tudo fazer para arrancar maior número de autarquias por forma a vender a falsa ideia de que tudo está bem. Mas Samora Machel Júnior não se acobardou no silêncio e fez uma radiografia fiel da tenebrosa fase que o partido vive, tendo pedido inclusive uma purga de infiltrados que tomaram Frelimo para seus interesses. Já nos corredores há quem já considera que esta “derrota” eleitoral da Frelimo é reflexo da má actuação do governo. Neste momento está a ser ensaiada uma operação de assassinato de carácter de Samito e todo aquele quadro que for identificado como uma ameaça aos interesses do grupo que assaltou o processo eleitoral.
Evidências
Os pronunciamentos de Samora Machel Júnior, que ganhou coragem e posicionou-se ao lado do povo diante das atrocidades cometidas para encobrir aquele que pode ter sido, se calhar, o maior descalabro eleitoral de todos os tempos para a Frelimo, não caíram bem nas hostes dos camaradas que actualmente detêm o poder na condução dos destinos do país e do partido, que o vêem como ameaça aos seus interesses e, segundo apurou o Evidências, já prepararam um plano para combatê-lo dentro e fora do partido.
Naquela que é tida como a posição mais vigorosa de um membro do Comité Central preocupado com a integridade do processo eleitoral e com o respeito pelas regras básicas da democracia, Samora Machel Jr foi o único até aqui que teve peito para denunciar “interesses pessoais e de grupos” que capturaram o partido e se sobrepuseram ao desiderato colectivo, tendo por isso proposto uma purificação das fileiras e responsabilização dos responsáveis.
No dia (19 de Outubro) que marcava o trigésimo sétimo ano da morte de Samora Machel, vítima do acidente de aviação em Mbuzini, Samito, como é carinhosamente tratado, manifestou publicamente que “há” uma Frelimo que não alinha com a fraude, violência e assassinatos perpetrados pelos membros da Frelimo e pela Polícia da República de Moçambique (PRM).
“Na qualidade de membro do partido Frelimo na sua direcção máxima (Comité Central), e com sentimento de profunda identificação com os ideias e história do Partido, expresso o meu total desacordo e desdém aos actos antipatrióticos, profundamente antidemocráticos, que embora sejam praticados em suposta defesa dos interesses do partido Frelimo, no ranger e arrepio da verdade, descredibilizam a marca FRELIMO perante o povo que por ele juramos lutar, libertar e defender”, denuncia.
Para Samito, são actos que corroem o processo democrático, põem em risco a unidade nacional e comprometem a paz que se deseja para o povo Moçambicano, independentemente das opções partidárias.
Purificação de fileiras e responsabilização aos infractores
O primogénito do primeiro Presidente de Moçambique lamentou os relatos de acções e comportamentos por parte de membros do partido Frelimo, membros e agentes das autoridades eleitorais, elementos das Forças de Defesa e Segurança (FDS), que interferiram profundamente na integridade do processo eleitoral, o que no seu entender vai na contramão dos valores fundamentais da Frelimo, do estado de direito e da democracia.
“Num momento em que a democracia sofre ataques um pouco por todo mundo, as acções e comportamentos que assistimos minam a confiança que os cidadãos depositam nas instituições, sobretudo os mais jovens, que acabam não vendo futuro no país, na democracia que queremos construir no dia a dia”, afirma, sugerindo, como solução, exaustiva investigação para identificar os responsáveis, para que possam ser levados à barra da justiça, independentemente da sua filiação partidária.
“Na nossa democracia, a impunidade não pode e nem deve ser tolerada. Apelamos a CNE, guardião máximo da integridade dos processos eleitorais, para que use toda a autoridade e instrumentos ao seu dispor para garantir um desfecho desta eleição, que reflicta efectivamente as escolhas feitas pelos moçambicanos”, disse
Ao partido, Samito defende que é imperativo no momento a educação e qualificação de seus membros sobre a importância do respeito aos princípios democráticos, do estado de direito e a vontade do povo expressa nas urnas.
“Não podemos, nem devemos tolerar nas nossas fileiras indivíduos que cometeram actos condenáveis, pois a nossa conduta não se coaduna com este tipo de postura. A nossa nação e o nosso povo merecem um sistema democrático credível, sólido e confiável, e é responsabilidade de todos nós que Moçambique trilhe pelo caminho do progresso democrático” e que “sem democracia não há futuro para Moçambique”.
Combate cerrado a Samito, com polícia medita e sucessão a mistura
Por causa da sua postura e frontalidade com que abordou o momento delicado que o partido atravessa, Machel Júnior arrisca-se a ver desenterrados alguns dossiers antigos, como é o caso do malparado processo contra si por parte do Comité Central. E porque nas suas declarações critica ferozmente a actuação da PRM, esta corporação já reagiu e prometeu, inclusive, levá-lo à barra da justiça para esclarecer o imbróglio sobre o número real de mortos quando a polícia abriu fogo contra simpatizantes da Renamo em Chiúre.
O filho do primeiro Presidente da República disse na sua contundente missiva aos camaradas que haviam morrido quatro pessoas, mas a Polícia reconheceu somente um óbito. A pronta preocupação da PRM em desmentir Machel Júnior parece mais um acto inofensivo, mas não. Entra dentro de um expediente político, com a sucessão à mistura.
É que Samora Machel Júnior é visto nos últimos dias como tendo ambições presidencialistas, facto que incomoda a ala Nyusi e o actual “boss” da polícia, Bernardino Rafael, também tem se preparado nos últimos tempos para suceder o seu primo (Nyusi) na Presidência e viu as declarações de Samito como sendo uma afronta a si. Por isso não teve forças a medir e mobilizou a corporação que dirige para a sua luta política e espera arrastar o expediente à justiça.
Paralelamente, grupos de choque, sobretudo a louvaminheira e “yesmenizada” OJM, foram instruídos para venderem, por via de vários meios, incluindo as redes sociais, uma narrativa de que os interesses de Samito e do pai divergem, pois o filho seria um capitalista, enquanto o pai não era acumulador de bens, daí ter morrido pobre.
Entre o grupo actualmente ao leme do país e da Frelimo há quem chega mesmo a questionar a moralidade de Samito para acusar a PRM de atrocidades quando a sua empresa, Montepuez Ruby Mining (MRN), num passado não muito distante já esteve envolvida num escândalo de torturas a garimpeiros ilegais em Montepuez, Cabo Delgado, usando, curiosamente, a mesma Unidade de Intervenção Rápida.
Enquanto no partido é combatido, na sociedade a atitude de Samora Machel Júnior é louvada e apoiada por ter sido o primeiro a apresentar sua indignação em relação ao grupo associado à degradação moral na Frelimo, numa altura em que há uma crença de que o partido está entregue a interesses de gente com poder financeiro para comprar lealdades.
A sua frontalidade o fez granjear ainda mais simpatia fora dos círculos do partido Frelimo, sendo visto na sociedade como um dos poucos a quem ainda se pode depositar confiança dentro de uma força política em clara crise existencial.
Vender a ilusão de que está tudo bem é a única estratégia de sobrevivência
O grupo actualmente no poder está em desespero, pelo facto de estar a ser já cobrado internamente pelo rumo nebuloso com que está a conduzir os destinos do país e agora do próprio partido que, embora haja um esforço gigantesco para tentar ocultar, teve os seus piores resultados da história, chegando a precisar de “esquemas” para manter-se no poder em Maputo e outras importantes cidades do país.
Entende-se nos corredores internos que a vitória tem sabor a derrota, apontando-se culpas a Filipe Nyusi e seu entourage, por isso aventa-se um Comité Central fervoroso entre Novembro e Dezembro próximo, em que alguns camaradas poderão cobrar respostas do actual líder do partido e seu círculo mais restrito.
É nessa lógica que para tentar escamotear a verdadeira crise no partido e fingir que está tudo bem, o grupo actualmente no poder decidiu lutar pela sua sobrevivência, tendo como único interesse vender a ilusão de que a Frelimo ganhou em 64 das 65 autarquias.
Na passada sexta-feira, o grupo que esteve por detrás do último descalabro, no caso o Gabinete de Campanha, chefiado por Roque Silva e Celso Correia, esteve reunido com o presidente do partido, Filipe Nyusi, a tentar convencê-lo de que estava tudo controlado e que é ideal não se fazer cedências à pressão exercida pela Renamo, que reclama vitória em um número considerável de autarquias, incluindo Maputo e Matola, onde, inclusive, uma contagem paralela independente confirma derrota da Frelimo.
Inventar inimigos para o chefe
Neste momento de crise, socorrem-se da velha táctica de inventar e vender supostos inimigos dentro e fora do partido ao chefe, para que possam ser usados como bodes expiatórios, a começar pela propalada mão externas que estaria a instrumentalizar a oposição e os jovens, membros seniores descontentes da Frelimo que estariam a conspirar contra o partido e até gestores de órgãos de comunicação social, pura e simplesmente por terem sido imparciais.
A ideia do Gabinete de Campanha, preocupado com a sua sobrevivência política, é manter as coisas como estão, ou seja, a Frelimo ganhar em 64 das 65 autarquias, ainda que isso seja a contragosto da Renamo, com os riscos que isso pode acarretar à paz e reconciliação nacional.
Roque Silva, patrono das eleições internas com candidaturas únicas eleitas com números coreanos, ou seja, com 100% dos votos, está a ver-se já com a cabeça à prémio, a partir do próximo Comité Central, por isso tenta jogar com tudo ao seu dispor para tentar convencer a todos que a Frelimo foi um vencedor legítimo, até onde está mais que claro que a Renamo ganhou.
Por essa razão, no passado Sábado, a Frelimo mobilizou dezenas de autocarros para distritos que não tem autarquias para carregar centenas de militantes para marcharem nas vilas e cidades autárquicas, tentando criar uma ilusão de grande popularidade do partido. Vídeos e imagens de simpatizantes a serem carregados nos distritos e devolvidos às zonas de origem confirmam a estratégia de desespero do Gabinete de Campanha da Frelimo para tentar legitimar uma vitória, de todo questionável. Juízes e titulares de órgãos de administração eleitoral têm estado em constante pressão para negarem recursos da oposição ou recorrer nos casos em que os tribunais não decidem a favor.
Os nervos aumentam, sobretudo pelo facto da Renamo estar a conseguir arrastar grandes molduras humanas espontâneas nas suas caravanas em cidades como Maputo, onde até há bem poucos anos era impensável ver tamanha popularidade da perdiz.
Facebook Comments