- Enquanto uns recebem 13º, outros choram mesmo pelo salário
Quando está-se já quase no fim do mês de janeiro, a grande preocupação, pelo menos dos Funcionários e Agentes do Estado, é o 13º salário, mas para uma parte dos agentes da Polícia da República de Moçambique, o problema são salários mesmo. Trata-se de pais e mães de famílias que há meses se tornaram contadores de estórias, pois é o que de sobra recebem desde Julho do departamento de finanças no Comando-Geral da PRM. Tudo pode estar a ser propositado para manter pagamentos a funcionários fantasmas através de folhas não auditáveis pelo Ministério da Economia e Finanças e Tribunal Administrativo. Há agentes que ainda não viram a cor do salário de Dezembro de 2023. O Comando da Cidade negou-se a responder sobre o assunto remetendo para o Comando-Geral que por sua vez diz que última informação que tem “é de que os colegas estão a receber”.
Abanês Ndanda
Não há número exacto de funcionários que desde Junho de 2023 estão a receber salários como verdadeiros ‘biscateiros’, aliás a justificação do departamento de finanças junto do Comando-Geral da PRM é sempre a de que os funcionários que se encontram em tal situação são os que não fazem parte do cadastro.
“Só que isto não faz nenhum sentido, porque de todas as vezes que vou para o comando para reclamar sobre a situação pedem-me documentos, supostamente para regularizar a situação do cadastro”, disse uma fonte que identificaremos apenas como fonte número 1, que se sente prejudicada pela situação e que preferiu falar no anonimato, acrescentando, porém, que “mas no mês seguinte o que tenho estado a verificar é que eu nunca recebi na mesma data com os outros colegas”.
A equipa do jornal Evidências teve a oportunidade de conversar com três agentes da PRM, todos Polícias de Protecção. Foram os que estando na situação de salários atrasados e/ou pagos de forma irregular aceitaram falar à nossa reportagem, ainda assim na condição de anonimato.
“Não nos vai trair este, chefe?… para depois me condenarem 13 anos também…”, era um questionamento de uma das fontes (que trataremos por fonte número 2) sobre alguma hipótese de revelar-se a sua identidade, mesmo antes do pedido de anonimato, finalizando com uma verdadeira demonstração de medo de represálias.
“Nos últimos meses ando sempre com dívidas porque o meu salário sempre entra atrasado e geralmente peço pouco de um e de outro colega porque chegam situações em que nem dinheiro de transporte tenho. E, se fosse dinheiro de chapa para vir à cidade trabalhar só, valia a pena, tenho que arranjar dinheiro para vir trabalhar e incluir despesas de sempre estar no comando para procurar saber da minha situação”, disse outra fonte que enumeraremos como 3. Esta fonte vive num dos distritos numa zona de expansão na província de Maputo e revelou precisar nos dias em que vai trabalhar de um mínimo de 120 meticais para o movimento de ida e volta.
“Quando estamos entre colegas, geralmente a conversa é sobre se haverá ou não 13º salário, já que se recebeu o salário de Dezembro no dia 14, mas para mim a preocupação é saber se terei salário ou não. Até agora, eu, sinceramente, não sei, mesmo hoje estou a vir do Comando-Geral, mas o que as finanças sempre dizem é que eu devo aguardar porque o assunto já foi encaminhado, mas é a mesma resposta que me dão há meses”, disse a nossa fonte 2, mostrando alguma preocupação com a falta e incerteza de salário em meio a quadra-festiva.
No decurso da realização deste trabalho, o Evidências chegou a ser apresentado um histórico de movimento bancário de entrada de finais de Novembro, referindo-se ao pagamento do salário de Outubro.
Comando Geral diz que “…colegas estão a receber”
A equipa do evidências contactou esta segunda-feira (22) o Comando da PRM ao nível da Cidade de Maputo que na pessoa do seu Porta-Voz negou-se a oferecer alguma tipo de informação remetendo para o Comando-Geral.
“Esse é um assunto mais geral e nós só respondemos pela Cidade de Maputo, portanto é melhor contactar o Comando-Geral”, respondeu o Porta-Voz da PRM no Comando da Cidade de Maputo, Leonel Muchina.
Dando seguimento, contactamos o Comando-Geral da PRM, igualmente na pessoa do seu Porta-Voz, Orlando Mudumane que por sua vez disse não ter informação de haver colegas seu com problemas de salários.
“Nós trabalhamos com os colegas das finanças para resolver à situação”, disse Orlando Modumane, quem à uma pergunta de insistência sobre se o processo de cadastro já estaria concluído ou não, respondeu nos seguintes termos: “A última informação que temos é de que os colegas estão a receber”. Note-se que mais uma vez esta resposta continua omissa sobre se o processo de cadastro está ou não concluído.
Tudo pode estar a ser propositado para manter o pagamento a funcionários fantasmas
O problema dos atrasos e irregularidades no pagamento dos salários de Polícias é assunto que se arrasta há alguns meses e infelizmente afecta pessoas, e por consequência famílias. Entretanto, a justificação que faz pouco sentido é a que tem sido dada aos funcionários afectados no sentido de se dever a falta de cadastro dos mesmos.
A questão do cadastro começa quando o Governo introduziu uma nova forma eletrónica de cadastro dos Funcionários e Agentes do Estado (FAE), denominada e-SNGHR (Sistema Nacional de Gestão dos Recursos Humanos do Estado).
Sucede, porém, que o Comando-Geral da Polícia não está a terminar o cadastro dos agentes da Polícia no e-SNGHR, considerado mais transparente e fiável. Sem completar o cadastro dos polícias, o pagamento de salários nesta instituição continua a ser processado num sistema paralelo, vulnerável a pagar a funcionários fantasmas ou inexistentes.
A situação está também a gerar atrasos no pagamento do salário dos agentes da Polícia que não estão ainda cadastrados. Não há números absolutos de agentes da Polícia não cadastrados, mas, em termos percentuais, no início de Agosto passado, tal como refere o Centro de Integridade Pública, 94% do efectivo do Ministério do Interior já tinha sido cadastrado.
Em seu Newsletter “Anticorrupção”, num texto resultado de uma investigação da autoria de Borges Nhamire, argumenta-se que a demora na conclusão do cadastro de funcionários do MINT, especificamente dos agentes da Polícia afectos ao Comando Geral da Polícia, é uma acção propositada pela liderança da instituição para permitir que o pagamento de salários de parte dos funcionários continue a ser processado através de um sistema paralelo, não auditado e que permite pagamento a polícias fantasmas.
De acordo com Nhamirre, com a resistência do Comando Geral da Polícia de cadastrar completamente os seus efectivos no e-SNGHR, o Ministério da Economia e Finanças poderia assumir simplesmente que todos os agentes da polícia não cadastrados são fantasmas, ou seja, inexistentes e simplesmente não aceitar pagar salários com base na folha salarial paralela elaborada pelo MINT e tal, em princípio “não teria nenhum impacto na vida dos agentes da Polícia se efectivamente todos os que não estão cadastrados fossem os fantasmas.”

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