Já iniciou a fabricação de “números de Gaza”

DESTAQUE POLÍTICA
  • Há recenseamento nocturno, cartões sem dados de identificação e eleitores migrantes
  • Em Nampula e Zambézia brigadistas imprimem cartões de “fantasmas” de noite
  • Há eleitores transportados em camiões doutros distritos para inundarem Quelimane
  • Coligação de fiscalização conjunta entre Renamo e MDM está a enervar a Frelimo

Moçambique e o mundo ficaram chocados, em 2019, quando o número de eleitores inscritos na província de Gaza se mostrou superior ao número de pessoas com idade eleitoral activa, o que foi desmentido pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), que provou com base no último censo que aqueles números só podiam ser alcançados a partir de 2040. Na altura ninguém conseguiu perceber como foi possível atingir aqueles polémicos resultados, mas aos poucos o truque vai ficando exposto. Em Nampula e Zambézia, duas províncias nevrálgicas com municípios nas mãos da oposição, foi detectado um esquema que consiste na emissão de cartões de eleitores à calada da noite, envolvendo brigadistas, dirigentes do STAE, supostamente para favorecer o partido Frelimo nas eleições de 11 de Outubro próximo, o que pode culminar com “números de Gaza” em algumas autarquias, com destaque para Nampula e Quelimane, onde há também relatos de eleitores “migrantes” carregados em camiões de zonas sem autarquias para que se recenseiem nas áreas municipais.

Evidências

O recenseamento eleitoral nas 65 autarquias do País está ao rubro, com os órgãos eleitorais a vários níveis a fazerem um balanço positivo das primeiras duas semanas. Mas notam-se constantes avarias dos Mobile IDs e falta de corrente nalguns postos. No entanto, mais do que isso, mais uma vez o processo é assombrado por irregularidades que estão a ser reportadas um pouco por todo o País.

Os relatos mais aterradores chegam, sobretudo, das províncias de Nampula e Zambézia, dois pontos considerados nevrálgicos e prioritários para a Frelimo, que pretende recuperar as autarquias nas mãos da oposição, sobretudo os municípios de Nampula e Quelimane, neste momento dirigido pela Renamo.

No caso de Nampula, dois brigadistas foram supostamente flagrados por fiscais da Renamo, quando estavam dentro do recinto escolar (Escola Primária Completa Acordos de Lusaka) onde trabalham, alegadamente a emitirem cartões de eleitores fantasmas na calada da noite.

A situação levou a uma troca de mimos entre as partes, o que acabou num suposto espancamento dos vogais, estando abertos neste momento dois processos, sendo um contra os supostos agressores e outro contra os brigadistas por conduta imprópria.

“Alguém foi capturado, quer fugir da situação e diz que foi batido. E como é que você prova que foi batido se ele quer se defender da situação? A situação que está em foco neste momento é que ele estava presente acima da hora normal, num local em que não devia. Só devia estar a Polícia”, reagiu a Renamo, na voz de Ossufo Ulane.

O Secretariado Técnico de Administração Eleitoral naquele ponto do País reagiu de imediato, prometendo averiguar em que situação os brigadistas foram encontrados no interior da escola.

“São tendências que temos estado a ver. Desencorajamos este tipo de atitude, porque queremos que o processo corra sem nenhum atrito”, apelou Evaristo Alfredo, director do STAE no distrito de Nampula.

Com a máquina eleitoral em Nampula dirigida nada mais, nada menos, por Celso Correia, o estratega por detrás da vitória da Frelimo e Filipe Nyusi, em 2019, contestada pela oposição, por indícios de fraude, a Frelimo tenta a todo custo recuperar alguns, senão todos os cinco municípios nas mãos da Renamo naquele ponto do País, com destaque para a terceira maior cidade do País.

Celso Correia, que para além de ser Chefe da Brigada Central de Assistência à Nampula, é cumulativamente director Nacional de Campanha, foi quem desenhou o esquema (de fraude) que levou a Frelimo, contra todas as expectativas, a ganhar em todas as províncias do País naquelas que foram as primeiras eleições provinciais, no quadro da descentralização.

Brigadistas flagrados a imprimir cartões nos armazéns do STAE de noite

Um outro episódio que mostra que pode estar em curso uma fabricação de eleitores fantasmas à moda do que aconteceu em Gaza em 2019, teve lugar na vila municipal de Guruè, na Zambézia, onde mais de 10 brigadistas foram flagrados, na noite de 27 de Abril, no armazém do STAE distrital, a imprimir clandestinamente cartões de eleitores.

Um vídeo gravado pelo segundo director-adjunto do STAE, indicado pela Renamo, naquele ponto do País, mostra os brigadistas espalhados pelo armazém a operar os mobiles sob supervisão do primeiro vice-presidente da Comissão Distrital de Eleições, o que levantou suspeitas de se tratar de um esquema que visa inundar aquela autarquia que já esteve nas mãos do MDM e que foi recuperado a ferro e fogo pela Frelimo em 2018.

A alegação apresentada na ocasião é de que a situação deriva do facto de haver constantes avarias de impressoras, fazendo com que os brigadistas imprimam os documentos de noite, para serem entregues no dia seguinte.

Não se sabe ao certo quantos cartões podem ter sido até ao momento impressos na calada da noite e à revelia dos directores-adjuntos e dos chefes das repartições do STAE. No entanto, esta prática continua a alimentar a ideia de que os órgãos eleitorais estejam a engendrar um esquema fraudulento para favorecer o partido no poder.

No último sábado, apurou o Evidências, uma equipa da Comissão Provincial de Eleições (CPE) esteve em Guruè onde se inteirou da situação, tendo vincado que a impressão de cartões de eleitores a noite, realmente viola a Lei, prometendo investigar o caso.

Eleitores transportados em camiões de outros distritos para inundarem Quelimane

Tal como Nampula, em que a Frelimo tem a ambição de conquistar a Cidade com o mesmo nome, custe o que custar, na Zambézia, o foco da Frelimo é a cidade de Quelimane, nas mãos da oposição (MDM e depois Renamo) há quase três mandatos.

Para resgatar a cidade de Quelimane, a Frelimo tem apostado, como estratégia, inundar a capital provincial da Zambézia de “eleitores migrantes”, ou seja, trazidos de zonas ou distritos próximos sem autarquias para poderem se recensear naquela autarquia para garantir que a 11 de Outubro possam votar e garantir a vitória que os camaradas perseguem naquele ponto do país há alguns anos.

Vídeos postos a circular nas redes sociais é possível ver caravanas de camiões pesados e tractores transportando centenas de pessoas, supostamente a dirigirem-se aos postos de recenseamento. Segundo fontes do Evidências, os mesmos são trazidos de distritos não autárquicos como Nicoadala e Mopeia.

O portal Integrity News Magazine chegou a reportar o uso de tractores do projecto Sustenta, um programa do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, dirigido pelo Director Nacional de Campanha da Frelimo, Celso Correia.

Estes relatos que se juntam às avarias constantes dos Mobile IDs; dificuldades das máquinas em captar fotos para alguns eleitores, sobretudo idosos e com barbas; as constantes ausências do brigadistas nos postos, entre outros, reforçam a ideia de que a Frelimo estaria disposta a tudo para arrancar as cidades de Nampula e Quelimane das mãos da Renamo.

Coligação Renamo e MDM enerva alguns sectores da Frelimo

Cansados de assistir inertes a artimanhas bem montadas para a fraude, a Renamo e MDM decidiram juntar forças para as duas forças decidiram partilhar recursos humanos para conseguirem cobrir e fiscalizar todas as mesas existentes nas 65 autarquias.

“Na sequência das conversações e diálogos amistosos entre o presidente da Renamo, General Ossufo Momade e o presidente do MDM, Eng. Lutero Simango, ficou consensualizada a necessidade de uma cooperação no processo de fiscalização do Recenseamento Eleitoral visando maior eficiência na monitoria do processo e melhores resultados para ambas instituições políticas que, em última instância, se traduz num maior beneficio e melhor serviço prestado ao povo moçambicano”, anunciaram os dois partidos em comunicados, frisando que se trata de “cooperação sem reservas, na partilha de dados colectados no decurso do senso eleitoral assim como de todas as ocorrências de irregularidades, ilegalidades e ilícitos eleitorais constatadas pelos fiscais e equipes de supervisão partidárias”.

Entretanto, o anúncio desta coligação, ainda que somente para partilha de recursos humanos e dados para maior eficácia na fiscalização, está a deixar alguns sectores dentro do partido Frelimo nervosos, que até fazem circular textos nas redes sociais procurando desencorajar tal acto e procurando problematizar em que fórum foi tomada aquela inovadora decisão.

Isso pode ser o um sinal de que uma maior fiscalização pode evitar que mais uma vez os órgãos eleitorais possam brindar os moçambicanos com os famosos “números de Gaza”.

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