Consulado escolhe pela tonalidade da pele pessoas que podem seguir viagem para Turquia

DESTAQUE POLÍTICA
  • Embaixada da Turquia acusada de racismo, chegando a chamar negros de macacos
  • Necessários seis meses de antecedência para marcação de obtenção de visto
  • Atraso de 20 minutos pode significar ter que esperar mais seis meses
  • Utentes denunciam racismo, adjectivos pejorativos e maus tratos no Consulado da Turquia
  • No entanto, Onur Tanay refuta acusações e diz que se gere através das leis internacionais

Adjectivos pejorativos, desprezo, falta de atendimento por trazer dinheiro em numerário e outros maus tratos são o dia a dia de quem solicita o visto no Consulado da Turquia em Maputo. As queixas de racismo já chegaram ao Ministério de Negócios Estrangeiro em cartas subscritas pelas vítimas, no entanto não se conhece nenhuma acção do inactivo ministério no que diz respeito à protecção da dignidade dos moçambicanos, abrindo espaço para o sofrimento de quem sonha ou tenha que viajar para Turquia para estudar, assistir graduação dos filhos, dar seguimento a tratamentos médicos, ou mesmo a trabalho. O homem cuja arrogância no atendimento é visível até nos olhos e causou experiências traumatizantes para moçambicanos chama-se Onur Tanay, o responsável pela emissão de vistos, acusado de escolher a dedo as pessoas que podem seguir viagem para a Turquia. O Embaixador da Turquia em Moçambique, Hüseyin Avni Aksoy, disse que não é apologista da discriminação racial, tendo referido que não há casos de racismo e maus tratos na embaixada por si dirigida, defendendo que a mesma respeita escrupulosamente os direitos humanos. Mas o Evidências apurou que há vítimas que, afinal, encaminharam as suas histórias traumáticas ao embaixador, que se manteve em silêncio, o que sugere alguma cumplicidade.

Duarte Sitoe

Muitos são os moçambicanos que se fazem ao consulado da Turquia com o objectivo de conseguir o visto para viajar para aquele país asiático. No entanto, para além dos maus tratos, são alvo de racismo por parte dos funcionários (turcos) do consulado da Turquia em Maputo. Por outro lado, Onur Tanay, o responsável pela emissão de vistos, escolhe a dedo as pessoas que podem seguir para a Turquia.

Raras são as pessoas que tenham solicitado visto no consulado da Turquia e não tenham histórias arrepiantes por contar. Narrativas expõem puro racismo, num país que poucas vezes sabe se impor e manter-se em pé de igualdade diante das outras nações, mesmo diante de queixas formalizadas.

Mas nem sempre foi tão difícil ter visto para a Turquia. É que antes da pandemia da Covid-19, as pessoas que pretendiam viajar para a Turquia solicitavam visto e esperavam apenas 15 dias. Contudo, após a pandemia, a Embaixada da Turquia decidiu operar algumas mudanças, passando de 15 dias para seis meses.

Entretanto, poucos são os moçambicanos que sabiam que as mudanças operadas abririam espaço para racismo e maus tratos. Alcinda Manguele (nome fictício) contou o drama que viveu aquando da sua ida ao consulado da Turquia para solicitar visto com o objectivo de ir visitar a filha que vive naquele país asiático.

“Infelizmente, estamos a ser humilhados na nossa própria terra”, assim começa o desabafo, para depois reivindicar que os moçambicanos merecem o mesmo tratamento que os turcos têm quando entram e saem do país.

Manguele explica que ficou seis meses à espera do visto, mas quando chegou a vez recebeu informações de que o pedido não foi diferido. “Fiquei sem perceber os porquês da recusa porque as razões que me foram apresentadas não são plausíveis. O senhor que trabalha na emissão de vistos é muito racista, não respeita ninguém e humilha pessoas. Pedimos a quem de direito para colocar ordem na Embaixada da Turquia em Moçambique”, contou Manguele, para posteriormente falar dos constrangimentos que passou no acto do pagamento da tarifa para a emissão do visto.

“Fiz a pré-solicitação do visto através do site da Embaixada da Turquia em Moçambique e depois fui chamada para a entrevista. Fui humilhada pelo senhor que trabalha na emissão de vistos. Ele olhava para mim com desprezo, só pelo simples facto de ser negra. Para além de ser racista é muito arrogante, e disse taxativamente que é ele quem escolhe as pessoas que devem viajar para a Turquia. Ele pensava que não percebo a língua e chegou a comentar com um dos seus colegas os porquês de tantos negros estarem a solicitar vistos para seguir para Turquia. No acto do pagamento da taxa de 3900 meticais fui humilhada por não trazer dinheiro trocado. Tinha 4000 meticais e aquele senhor gritou comigo como se fosse criança. Jamais vou esquecer o que passei dentro daquela embaixada”.

“Irritei-me quando chamou de macaco”, desabafa a vítima

Onur Tanay é o responsável pela emissão de vistos no consulado da Turquia em Moçambique e ao mesmo tempo o responsável pelas entrevistas. Para além de Alcinda Manguele, Donaldo André, que pretendia seguir viagem para Turquia para dar seguimentos aos estudos, conta que por pouco entrou em vias de factos com Onur Tanay por este ter lhe faltado com o respeito.

“O senhor Onur Tanay trata os negros com desprezo. Ele grita e humilha pessoas. Pretendia seguir viagem para Turquia para dar seguimento aos estudos quando solicitei o visto. Durante a entrevista percebi que ele é racista. Inicialmente, decidi não lhe confrontar porque queria muito aquele visto, mas me irritei quando me chamou de macaco. Lhe confrontei e quase entrávamos em vias de facto, e tal não aconteceu devido a pronta intervenção dos seguranças. O nosso Governo não pode ficar impávido perante estas situações. Escrevi uma carta ao Ministério dos Negócios Estrangeiros relatando o que está a acontecer na Embaixada da Turquia em Moçambique, mas, debalde, até hoje nada aconteceu”.

Prosseguindo, para além da demora na emissão do visto, André criticou os métodos de pagamentos implementados pela Embaixada da Turquia em plena era moderna.

“Não consigo perceber como é que numa era digital a Embaixada da Turquia aceita apenas pagamento da taxa de visto em numerário. Quem não tem dinheiro trocado é humilhado. Presenciei situações em que algumas pessoas ficaram longas horas na fila e não foram atendidas pelo facto de não terem dinheiro trocado. O senhor que trabalha na emissão de vistos é estupido, não respeita e diz que dentro da Embaixada da Turquia funcionam as leis turcas, por isso é livre de escolher quem deve seguir viagem para aquele país asiático. Outro facto que me inquieta é o facto de não fazerem a reposição do valor em caso de o pedido de visto ser rejeitado. Os pedidos rejeitados superam os diferidos. O Governo moçambicano não pode permitir estes comportamentos”, referiu.

Quem também, para além de ver a solicitação de visto ser rejeitada, foi alvo de maus tratos é Amélia Langa. A fonte contou ao Evidências que depois do que passou nunca mais vai colocar os pés no consulado da Turquia em Maputo.

“Estamos a ser escravizados em plena era moderna. Os turcos entram e saem do nosso país sem nenhuma dificuldade, mas quando é o moçambicano a solicitar visto para viajar para a Turquia enfrenta 1001 dificuldades. O atendimento é muito moroso. Cheguei às 9 horas e só fui atendida às 13 horas. O senhor que trabalha na emissão dos vistos não respeita ninguém. Ele grita como se estivesse a falar com animais. Não respeita ninguém e diz que não tem medo de nada. Estamos a ser escravizados no nosso próprio país. É doloroso ser maltratado na sua própria casa. Espero que os actos cheguem ao Ministério dos Negócios Estrangeiros com vista a acabar com abusos e desmandos naquele consulado”, declarou a fonte.

Indo mais longe, Langa defende que o Governo deve fiscalizar as embaixadas, visto que muitas delas não respeitam as leis vigentes do país.

“O racismo é crime em todos cantos do mundo. O Governo não pode ponderar estes comportamentos. O senhor Onur Tanay deve ser criminalmente responsabilizado. Ele não pode escolher as pessoas que devem viajar para a Turquia pela tonalidade da pele. Todos somos iguais perante a lei dos homens de Deus. Infelizmente, os negros que solicitam visto na Embaixada da Turquia são desprezados e maltratados. No dia que fui discriminada não consegui segurar as lágrimas dos olhos e aquele senhor ainda gritou comigo. Pedimos a quem de direito para tomar as devidas medidas, esta situação de racismo e maus tratos na Embaixada da Turquia deve acabar”, referiu Amélia Langa.

No princípio deste ano, as queixas chegaram ao Ministério de Negócios Estrangeiro, que teve de intervir para garantir que alunos, já atrasados, fossem lhes flexibilizados os vistos para seguir com a viagem com destino a Chipre, no entanto não se conhece mais acções do ministério no que diz respeito à protecção da dignidade dos moçambicanos, abrindo espaço para o sofrimento de quem sonham em viajar para Turquia para assistir graduação do filho, dar seguimento a tratamentos médicos, ou mesmo a trabalho, passa por uma experiência de uma rejeição que deixa trauma.

Embaixada da Turquia refuta acusações de racismo e maus tratos

Na sua versão dos factos sobre as acusações que pesam sobre si, a Embaixada da Turquia em Moçambique refutou todas acusações, tendo jurado de pés juntos que o racismo e maus tratos não fazem parte do seu modus operandi.

Aliás, o Embaixador da Turquia em Moçambique, Hüseyin Avni Aksoy, que referiu que a instituição por si liderada é gerida através das leis internacionais ao invés das vigentes no país, disse que nunca recebeu denúncias por parte dos utentes que denunciaram maus tratos quando solicitam visto com o objectivo de seguir viagem para a Turquia, desafiando os mesmos a apresentarem evidências que sustentam as suas acusações. No entanto, o Evidências tem acesso a uma das vítimas que teria mandado um e-mail à embaixada relatando actos que configuram racismo, mas que nunca teve resposta.

Relativamente à extensão do período para a solicitação do visto de 15 dias para seis meses, referiu que, actualmente, o departamento responsável pela emissão de visto tem apenas um funcionário, tendo ainda vincado que o visto é direito soberano de um país.

Ainda na tentativa de limpar a imagem do Consulado da Turquia em Moçambique, para além de revelar que haverá reforço do efectivo que trabalha na emissão dos vistos, Hüseyin Avni Aksoy declarou que há utentes que se fazem as instalações da Embaixada da Turquia sem todos os documentos solicitados, mas mesmos com isso são atendidos e completam a documentação no acto da entrevista.

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