Dúvidas e perguntas sobre a anunciada venda da LAM

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Depois de andar de mão em mão, de gestores em gestores, incluindo a empresa sul-africana Fly Modern Ark (FMA), o governo surpreendeu-nos com a decisão de alienar 91 por cento das acções que o Estado detinha nas Linhas Aéreas de Moçambique, a favor de três empresas públicas moçambicanas.

Num abrir e fechar de olhos, a companhia passou a pertencer aos CFM, antigos donos da DETA, empresa que deu origem à LAM, a HCB e a EMOSE. Uma decisão tomada antes de fazer um estudo prévio ou diagnóstico da situação da mesma por parte dos novos accionistas para verem por onde começar a pegar e se é um bom negócio ou não.

Com a alienação da sua participação, o Estado, que vem buscando, sem sucesso, solução para a crise que afecta a companhia, sai, teoricamente, da estrutura accionista, mas, na prática, continua a ser quem manda na LAM através dos novos donos. Na prática significa trocar o Estado por outro Estado.

O negócio, pouco claro, levanta muitas dúvidas e interrogações. Para começar, não há nenhuma informação pública sobre o valor que as três empresas deverão pagar ao Estado pela compra dos 91 por cento das acções, a menos que me venham dizer que as Linhas Aéreas de Moçambique foram vendidas a um dólar.

O único valor revelado no meio de tudo isto foi o de 138 milhões de dólares americanos que os novos donos da LAM terão juntado para a compra de oito aeronaves. Mesmo em relação a este processo, não se diz que tipo de aviões pretendem adquirir, se são de pequeno ou grande porte. Em suma, está a falta transparência neste assunto.

Ninguém está contra a venda da LAM às três empresas públicas. Isso não está em discussão. O que defendo é que alguém nos venha dizer onde é que tudo começou, que contas foram feitas para se chegar onde se chegou e, sobretudo, como é que, de repente, as três empresas públicas se apaixonaram por uma empresa como a LAM, falida, cheia de dívidas e em quem quem os fornecedores perderam a confiança.

Será que, uma vez fechado o negócio, podemos bater palmas e dizer que, finalmente, acabou a crise na LAM? Que depois de várias tentativas falhadas de busca de um parceiro estratégico fora de portas para tirar a LAM do fundo do poço e de nomear e demitir PCA’s, administradores-delegados e directores-gerais da companhia, culpados pela situação prevalecente na empresa, chegámos ao fim da linha e que, afinal, a solução para o problema da LAM estava entre nós? O tempo é que nos dirá se a decisão foi acertada ou não e se tudo não passou da transferência, por parte do governo, do pesado fardo que constitui a LAM para as mãos dos CFM, HCB e EMOSE.

O grande desafio para os novos accionistas, depois da compra dos aviões, é encontrar o melhor modelo de gestão da companhia. Não podem querer gerir como se gere qualquer que seja a firma. LAM é uma empresa de aviação civil, com especificações e complexidade próprias de uma companhia aérea.

Só isso chama atenção para a necessidade de os novos donos encontrarem gestores experientes na área, em particular fora do país, capazes de colocar a LAM nos carris.

Nesse exercício, terão de reestruturar a dívida que esta firma tem com fornecedores, que chegou aos níveis de 300 milhões de meticais, resgatar a sua imagem e credibilidade no mercado e resolver as disparidades existentes entre o número de trabalhadores e a quantidade (reduzida) de aeronaves com que a empresa opera.

O que é um facto é que a companhia não deve continuar a ser gerida como se de um departamento do Estado ou do governo se tratasse. Pode, até, ter aviões próprios, mas se não for bem gerida, vai continuar a registar os mesmos problemas que estamos a viver hoje.

É inadmissível, por exemplo, que instituições públicas e privadas coloquem os seus funcionários a voarem nos aviões da LAM sem pagar nada e isso transformar-se numa prática corrente.

A Fly Modern Ark, uma firma sul-africana contratada pelo governo em Abril de 2023 para tirar a LAM do fundo do poço, cujo relatório de desempenho até hoje não foi tornado público pelo Ministério dos Transportes e Comunicações, fez-nos saber que figuras ligadas ao partido no poder viajavam de borla, chegando a totalizar uma dívida de 22 milhões de meticais. Era só requisitar as passagens, voar e pronto.

As Forças Armadas de Defesa de Moçambique, a Assembleia da República, Ministérios e empresas públicas e privadas entraram nessa onda de solicitar bilhetes de passagens aéreas a crédito, umas atrás de outras, sem qualquer preocupação na rentabilidade da companhia.

A dívida para com a LAM, por causa destes desmandos, atingiu 1.700 milhões de meticais. Só uma empresa chegou a dever 50 milhões de meticais e ainda assim continuava a voar sem pagar. Isto não pode ser. É muito grave e inaceitável em gestão.

O facto de a LAM estar, agora, nas mãos de empresas públicas, tidas, na sociedade, como sendo saco azul, acomodando interesses de algumas figuras de nomenclatura política, ligadas ao partido no poder, levanta suspeitas sobre a possibilidade de interferência na nova gestão por parte de alguns dirigentes políticos e de Estado.

Tirando um e outro caso esporádico de clientes confiáveis e com folha limpa, os gestores da companhia deve ser capazes de dizer “não” aos pedidos de emissão de bilhetes a crédito, independentemente da proveniência dos mesmos ou do estatuto social de quem os solicita.

As instituições públicas e privadas não têm por que se queixar. Nos seus orçamentos há rubricas específicas relativas a viagens. Por isso, não faz sentido que queiram pôr os seus funcionários a viajar de graça, usando as suas influências. Isso, não; definitivamente não. LAM não é uma instituição de caridade. Tem fins lucrativos.

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