Arão Valoi
Meu querido irmão,
Permita-me, em primeiro lugar, endereçar-te as minhas sinceras saudações, desejando-te sucessos nesta nova jornada patriótica. Em segundo lugar, permita-me, presidente, que te trate por “irmão”, tal como a mim me trataste durante os anos que, juntos, trabalhámos na Miramar, no início da década de 2000 e depois, mais tarde, em Nampula, quando Administrador do Distrito de Nacala-a-Velha e eu responsável de Comunicação do Projecto Corredor Nacala, da Vale Moçambique. É nesses termos, Excelência, que tomo a iniciativa de te chamar “irmão”. Escrevo-te, irmão, com o coração pesado e a alma aflita neste momento de grande angústia para a nossa pátria amada.
Sou movido pela dor do povo moçambicano, que clama por justiça, por dignidade, por um futuro mais justo e mais seguro. A nossa terra, irmão, tão cheia de beleza e história, de riqueza no solo e subsolo, de praias magníficas e florestas de fazer inveja, de gente humilde e trabalhadora, vive uma era de grandes desafios, e não posso ficar indiferente a tudo isto. Em nome do amor que tenho pela pátria e pelo nosso povo, escrevo-te, de irmão para irmão, com um apelo sincero. O contexto político actual do nosso país é de grande sofrimento, e as eleições de 9 de Outubro, que te colocaram na Presidência, acabaram por se tornar um marco de uma crise profunda, marcada pela falta de credibilidade que, primeiro, pairou sobre todo o processo eleitoral e desembocou em outros assuntos de interesse nacional, tais como o custo da vida, o acesso à justiça, a brutalidade policial, entre outros. E nem és culpado por tudo isso.
A alegada falta de legitimidade do governo recém-empossado não pode ser ignorada, pois ela gera desconfiança e afasta a esperança de muitos que, como eu, acreditam no sonho de um Moçambique unido, justo e próspero. As instituições públicas, meu irmão, que deveriam ser um pilar de confiança, estão hoje desacreditadas. A sua falta de imparcialidade e transparência contribui para o distanciamento entre o povo e o governo, alimentando um ciclo de frustração e desconfiança. Sei que pretendes fazer as coisas de forma diferente. Mas pode ser que sejas impedido pela máfia instalada no chamado “sistema”, que tem estado por trás do sofrimento dos moçambicanos.
O povo, meu irmão, está a sofrer de verdade. O custo de vida continua a subir de forma alarmante, e as manifestações pacíficas são silenciadas pela força brutal da polícia. As mortes dos manifestantes e dos membros da oposição, que têm lutado por um Moçambique melhor, são um reflexo de um estado de excepção, onde o diálogo e a escuta parecem ter desaparecido. Apelo-te, com toda a humildade e urgência, para que olhes com piedade para o sofrimento do nosso povo. Este povo, que te acolheu com esperança e fé, precisa desesperadamente de um novo pacto. Não podemos continuar a ignorar a dor, a angústia e as lágrimas daqueles que acreditam que a liberdade, a justiça e a paz são direitos de todos, e não privilégios de poucos. Peço-te que, no teu coração, ressurja a compaixão para aqueles que, sem voz, clamam por dignidade.
Não podemos viver num Estado onde a Polícia, em vez de defender o povo, vira-se contra ele, massacrando-o. Não podemos permitir que a nossa polícia seja inimiga da população, tal como acontece hoje no nosso País. É necessário um gesto de reconciliação, meu irmão e meu Presidente. Precisas, com todo o teu poder e influência, de estender a mão para o diálogo sincero e respeitoso com todos, inclusive com o principal opositor do momento, Venâncio Mondlane. Não o rotules, não o condenes como agitador, mas olha para ele com os olhos de quem busca um Moçambique verdadeiramente inclusivo. O diálogo não deve ser um sinal de fraqueza, mas de força e sabedoria. Ouvindo as diferentes vozes da nossa nação, podemos juntos construir um Moçambique mais justo e com um futuro mais seguro para todos os filhos desta terra.
Por isso, irmão, não te guies por aqueles comentadores televisivos, quais académicos de meia tigela, que vivem analisando o país em contramão. Não defendo e nunca defendi os actos de vandalismo e destruição que aconteceram ou que têm estado a acontecer um pouco por todo o país. Defendo, sim, que olhemos para os problemas reais do país. E todos nós sabemos que o nosso país vai de mal a pior, em todos os sectores, meu irmão.
A educação está um caos; a saúde de rastos; não há perspectivas para os tantos jovens que procuram por emprego e habitação porque tudo depende de compadrio de alguém, que não existe para muitos; o custo de vida vai aumentando a cada dia que passa; as instituições de justiça servem aos mais fortes e o povo, meu irmão, continua a ser tratado de qualquer maneira, a corrupção institucionalizada continua a matar os sonhos de muitos moçambicanos. Isso tudo, meu irmão, não foi causado por Venâncio Mondlane, como tentam rotular os académicos e comentadores televisivos. São problemas que devem ser encarados de cabeça erguida. E, mais importante ainda, é saber que sozinhos não temos capacidade suficiente de resolvê-los. Daí que, ideias diferentes, desde que sejam úteis para o país, devem ser incorporadas nas propostas de solução dos nossos problemas e dos nossos desafios actuais.
A nossa história, meu irmão, ensina-nos que só através da união, da compreensão mútua e da justiça, podemos alcançar a verdadeira paz e prosperidade. Os ventos da mudança sopram fortes, e se queremos que Moçambique floresça, devemos ser líderes dispostos a ouvir, a aprender e a agir com o coração aberto. É tempo de corrigir os erros do passado e de lançar as bases de um futuro em que todos os moçambicanos, sem exceção, possam sentir-se verdadeiramente em casa. Sei, irmão, que não se trata de tarefa fácil. Como se diz na gíria desportiva: o melhor jogador é o da bancada. Nós, cá de fora, conseguimos ver soluções em tudo e às vezes não nos lembramos das dificuldades sistémicas de quem está dentro. Reconheço isso, meu irmão. Mas lanço este apelo e clamor para que não te esqueças de fazer diferente, tal como prometeste na tomada de posse e para que te lembres de que os moçambicanos querem ouvir coisas boas de ti. Eles querem esperança, querem mudanças concretas.
Que a misericórdia e a sabedoria guiem os teus passos. Em nome do amor pela pátria, pela nossa história e pelo nosso povo, apelo para que tu, como presidente, te tornes o artífice de um novo começo para Moçambique. Um Moçambique onde todos possam viver em paz, em harmonia, com dignidade e liberdade.
Com o mais profundo respeito e esperança.

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