3 de Agosto, o dia do eterno presidente da Guiné-Equatorial

OPINIÃO

Luca Bussotti

 

Era o dia 3 de Agosto de 1979 quando um predestinado, na altura de 37 anos, mediante um golpe de estado militar se livrava do ditador Francisco Macias Nguema, seu tio, assumindo o comando daquele país, único em África, de língua espanhola. Nguema tinha assumido o poder em 1968 e, depois de uma suposta tentativa de golpe de estado, aboliu parte dos artigos da Constituição (1971), instaurou um regime de partido único, deixando precipitar o país numa fase de violências e caças às bruxas contra os “imperialistas” espanhóis que deviam, portanto, ser eliminados.

O jovem libertador se chamava Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, e o 3 de Agosto de 2022 celebra os seus 43 anos no poder daquele país africano no Atlântico, parcialmente insular, e que conta, além de 1,5 milhões de habitantes, com uma produção de petróleo relativamente significativa, estando entre os primeiros 10 países africanos nesta classificação. Em 2017 chegou a ser o primeiro país africano quanto a PIB per capita, mas a população da Guiné-Equatorial continua vivendo em condições de extrema pobreza, restrições das liberdades fundamentais e ausência de democracia.

O poder do petróleo, porém, sempre foi muito forte e permitiu a Teodoro Obiang entrar nos circuitos internacionais que contam. Acima de tudo, a sua preparação foi justamente a de um privilegiado: depois de ter frequentado o Liceu local, formou-se em estudos militares em Saragoça, na Espanha, e foi um precursor do ensino a distância, pois em 1963 conseguiu uma licenciatura em direito com a Universidade Nacional de Educación a Distancia numa modalidade que só hoje, depois da pandemia, está concretizando progressos significativos. O doutoramento, pelo contrário, foi conseguido Honoris Causa pela Universidade nacional da Guiné-Equatorial.

O “libertador” mandou condenar a morte o tio ex-ditador, conseguiu fazer com que o país recuperasse parte da péssima condição económica em que se encontrava, e sobretudo abriu ao Ocidente, que se tornou, desde o início do seu consulado, o ponto de referência central para este pequeno país africano. Com efeito, apesar de ter instaurado um modelo anti-democrático – ainda mais desde 1982, quando entrou em vigor a nova Constituição -a que o Ocidente costuma olhar sempre com grande favor, Obiang conseguiu posicionar o país em contextos internacionais relevantes: primeiro aderiu à CEMAC, adotando o Franco CFA, depois voltou a ter boas relações com a Espanha, que já se encontrava na época pós-Franco, em 2006 foi recebido com todas as honras do caso por Condoleeza Rice, secretário de estado americano, ao passo que Obama o convidou como convidado de honra para a cimeira dos líderes africanos em Washington em 2014, finalmente foi admitido à CPLP – apesar da oposição de Portugal – graças às pressões neste sentido de Brasil e Angola, em 2014, e em 2017 na OPEP (países produtores de petróleo). Hoje, a segurança de Obiang – que sofreu uma dezena de tentativas de golpes – está garantida essencialmente por militares russos e outros equato-guineenses, treinados em Marrocos.

Para justificar a aproximação quer à francofonia, quer à lusofonia, Obiang colocou o francês e depois português como uma das línguas oficiais do país que preside, juntamente com o espanhol, apesar de ninguém, ou quase, na Guiné-Equatorial, ter noção destas duas línguas. O sentido da diplomacia de Obiang foi expresso há poucos dias por parte do seu ministro das Minas e Hidrocarbonetos: nesta circunstância, numa reunião dos países produtores de petróleo em África que se realizou em Angola, o ministro salientou que este continente deve continuar a apostar nos combustíveis fósseis, principalmente agora que, com o conflito russo-ucraniano, os próprios países ocidentais voltaram a manifestar grande interesse para o gás e o petróleo africanos.

Foi, em síntese, este o milagre que aquele 3 de Agosto trouxe para Obiang (muito menos para os seus governados): um milagre feito de diplomacia, punho de ferro, corrupção elevadíssima, economia do petróleo e boas relações com o Ocidente, mas também com a Rússia… Em suma, uma Angola em miniatura, mas com elementos a mais em favor de Obiang na comparação com José Eduardo dos Santos: quer em termos de longevidade no poder, quer nos excessos pessoais e privados. Se Dos Santos limitou-se a ter 10 filhos (pelo que se sabe) por 6 mulheres diferentes, o polígamo assumido Obiang tem 42 herdeiros directos, resultado de quatro mulheres assumidas e uma série infinita de amantes, segundo reportam várias fontes internacionais. E, diferentemente de José Eduardo dos Santos, foi acusado, assim como o grupo étnico a que pertence, os Fang, de canibalismo, mas também descrito pela rádio nacional como “Deus do País” e o “Todo Poderoso”. Em suma, parece mesmo que naquele longínquo 3 de Agosto de 1979 um evento milagroso acabou realizando-se. Caberia às populações por Obiang administradas confirmar se de milagre se tratou, ou de desgraça, mas disso melhor dirá a história.

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