- A patologia é silenciosa e afecta uma em cada 10 mulheres
Dolorosa, sem cura e pouco conhecida, mas presente na vida de milhares de mulheres, a endometriose é uma doença crónica que causa dores intensas, especialmente durante o período menstrual, e dificuldades para engravidar. Apesar de não haver dados concretos sobre a prevalência da doença em Moçambique, muitas mulheres convivem diariamente com ela, enfrentando não apenas os sintomas físicos debilitantes, mas também o impacto psicológico e social dessa condição. Estima-se que cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva no mundo todo sejam afectadas pela endometriose, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Março, mês dedicado à consciencialização sobre a endometriose, conhecido como Março Amarelo, tem sido principal plataforma para informar e sensibilizar a sociedade sobre a importância do diagnóstico precoce, do apoio psicológico e da criação de redes de suporte, que possam melhorar a sua qualidade de vida
Luísa Muhambe
Estima-se que a endometriose afecte entre 6% e 10% das mulheres em idade reprodutiva, entre adolescentes e adultas, causando não só dores pélvicas, como também a infertilidade. Ao todo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que 190 milhões de mulheres são afectadas por ela em todo o mundo, ou seja, uma em cada 10 mulheres em idade reprodutiva.
No entanto, o número pode ser ainda maior tendo em conta que a doença pode ser subdiagnosticada, especialmente nos estágios iniciais ou em mulheres inférteis que não apresentam sintomas (assintomáticas) ou têm poucos sintomas (oligossintomáticas)
A endometriose pode não apresentar sintomas em 2% a 22% das mulheres, mas, na maioria dos casos, causa cólicas menstruais, dor durante a relação sexual, dor pélvica constante, dificuldade para evacuar ou urinar, alterações intestinais e, muitas vezes, infertilidade. No entanto, os sintomas variam muito e nenhum deles é exclusivo da endometriose, o que torna o diagnóstico mais difícil.
Embora seja considerada uma doença benigna, a endometriose pode, em alguns casos, estar associada ao desenvolvimento de tumores malignos nos ovários, como os endometrioides e os adenocarcinomas de células claras. A gravidade da doença depende do seu estágio de progressão, dos órgãos afectados e da recorrência dos sintomas.
A endometriose é uma condição que se caracteriza por dores intensas, especialmente durante o período menstrual, mas a dor não se restringe ao físico, ela deixa marcas psicológicas indeléveis.
“Eu chorava muito, porque não sabia como a doença iria evoluir, se me tornaria infértil, quais seriam as consequências na minha vida”, relata Flora João, de 26 anos, que descobriu a endometriose há dois anos, após um longo período de dores incapacitantes e sem diagnóstico claro.
Dor além do físico: o impacto psicológico
Os primeiros sinais da doença começaram na adolescência, sendo frequentemente ignorados pelos profissionais de saúde, tratando-a como uma cólica comum, o que fez com que o seu diagnóstico fosse tardio.
“Cheguei a vomitar na escola por causa da dor. O que mais doía não era só o físico, mas o facto de ninguém me levar a sério. Eu chegava a tomar duas cartelas de comprimidos em dois dias, tentando, sem sucesso, aliviar a dor”, recorda-se, revelando que a falta de diagnóstico fez com que ela duvidasse de si mesma.
“Eu comecei a acreditar que estava a exagerar; mas, no fundo, eu sabia que algo estava errado. Quando finalmente recebi o diagnóstico, foi um misto de alívio e medo. Alívio por finalmente saber o que eu tenho e medo do que isso significaria para o meu futuro”, desabafa, para depois acrescentar que desenvolveu ansiedade.
Jéssica Matos, de 24 anos, estudante finalista de Administração Pública, relata que há momentos que, de tanta dor, chega a ter a certeza de que está para morrer.
“As dores são terríveis, sempre que tenho crises penso que vou morrer. O pior é que ninguém entende que não é uma simples cólica menstrual”, desabafa, destacando que mais do que a dor física, o que lhe tira o sossego é a possibilidade de não conseguir engravidar, um sonho que nutre com esperança, mas que a endometriose coloca em risco.
“Eu tive muito apoio da minha família, mas, ainda assim, sinto-me sozinha nessa jornada. A dor me paralisa e o medo de não poder realizar o sonho de ser mãe é grande (…) Eu perco dias de aula, não consigo estudar e, muitas vezes, sinto-me incapaz. É como se a doença tomasse conta de cada parte da minha vida”, conta Jéssica.
A trajectória de Beatriz Massango, de 34 anos, mãe de um menino de seis anos, evidencia a luta constante contra a endometriose. Convive com a doença há muito tempo, mas não se habitua a dor e à pressão social e psicológica.
“Estou há mais de nove anos a lutar contra a doença. Já fui internada várias vezes e passei por procedimentos para retirada de miomas”, conta, lembrando dos desafios de viver com uma doença sem cura.
A dificuldade para engravidar e o preconceito social por não poder ter mais filhos são marcas profundas na vida de Beatriz. Durante muito tempo, tentou sem sucesso conceber, mas quis o destino que, mesmo tardiamente, tivesse motivo para celebrar a maternidade.
“Eu sempre quis ter uma família grande, mas a endometriose tirou essa possibilidade de mim. Eu sei que sou abençoada pelo filho que tenho, mas o preconceito da sociedade é doloroso. Muitos me olham como se eu não fosse completa, como se a minha maternidade fosse insuficiente”, desabafa Beatriz, para quem o apoio familiar tem sido essencial para seguir em frente.

Caminhos para o acolhimento e a consciencialização
A falta de informação e de suporte adequado agrava o cenário para muitas mulheres. Para o médico Leonardo Munjovo, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem fazer uma diferença significativa.
“Precisamos de mais campanhas de sensibilização e capacitação dos profissionais de saúde para identificar os sinais da endometriose e de outras doenças que afectam as mulheres, para que se possa proporcionar alguma qualidade de vida a essas pacientes”, destaca.
A psicóloga Georgina Mabuia destaca que o apoio psicológico e a criação de redes de suporte também são fundamentais. Além disso, é necessário combater o estigma e a desinformação, promovendo um ambiente onde as mulheres possam compartilhar as suas dores sem medo de serem invalidadas.
“A incerteza sobre o diagnóstico, o tratamento e o medo da infertilidade podem aumentar os níveis de ansiedade. Além disso, a endometriose pode levar a sentimentos persistentes de tristeza, especialmente devido à dor contínua e à frustração com os sintomas. Quando combinada com a infertilidade, essa condição pode desencadear sentimentos de perda, baixa auto-estima e isolamento social. Para muitas mulheres, a capacidade de conceber está fortemente ligada à identidade e à percepção de feminilidade. A infertilidade pode abalar a auto-estima e o senso de valor pessoal”, esclareceu.
Apoio familiar, educação e acesso à informação podem reduzir o medo e a ansiedade
Mabuia alerta que o cultivo de pensamentos positivos, a adesão ao tratamento e o apoio familiar podem ajudar as mulheres que enfrentam a endometriose a lidar com os impactos negativos que vem associados ao diagnóstico.
“A busca por informações, o apoio de grupos de ajuda e o acompanhamento psicológico ajudam a cultivar uma atitude mais positiva e esperançosa. Para lidar com esses impactos, a psicoterapia (especialmente a terapia cognitivo-comportamental) pode ser útil ao trabalhar os pensamentos negativos e desenvolver estratégias de enfrentamento. Participar de grupos de apoio proporciona um espaço seguro para compartilhar experiências e sentir-se compreendida. A educação e o acesso a informações sobre a condição e os tratamentos disponíveis contribuem para reduzir o medo e a ansiedade”, explicou.
Apesar dos desafios, as histórias de Flora, Jéssica e Beatriz mostram a força e a resiliência dessas mulheres que, ao partilharem as suas vivências, ajudam a dar voz a tantas outras que ainda sofrem em silêncio ou cujo diagnóstico continua negligenciado.
Actualmente, a endometriose é vista como um problema de saúde pública mundial devido ao seu impacto na saúde física e psicológica das pacientes, além das consequências socioeconómicas relacionadas aos custos do diagnóstico, tratamento e acompanhamento.
Nos últimos 30 anos, diversos estudos têm sido realizados para entender melhor essa doença complexa e misteriosa, buscando identificar os mecanismos que causam e influenciam o seu desenvolvimento, além de explorar novas opções de tratamento.

Facebook Comments