E quando são os parlamentares a nos roubarem, o que sobra?

EDITORIAL

Todos os indicadores apontam para uma deliberada falta de vontade política, de forma institucionalizada, de resolver os problemas do país. É uma falta que, de forma grosseira, se manifesta na ausência de uma consciência colectiva naqueles que, infelizmente, o critério básico para execução das suas funções é a obrigatoriedade de lutar pelo bem comum, no entanto, rendem-se à consciência de uma ascensão selvagem para uma sobrevivência própria e com requintes de vingança pelos anos que foram afastados destes órgãos. Pode ser o comentário, documentado, de Chakil Aboobacar, quando foi nomeado a secretário-geral da Frelimo, um bom exemplo de como chegam lá já maculados.

A duplicação de salários dos titulares e membros dos órgãos públicos, que, na voz dos mais entendidos, chegam a ser triplicados num contexto em que a Rubrica de Salários no OE representa mais de 90% configura essa ilustração da institucionalização de falta de integridade por aqueles que afinal deviam estar na linha de frente no combate contra a má conduta dos agentes e funcionários da Administração Pública. Debalde, para surpresa de todos, são esses que ferem a ética e a lei que ascendem às posições cimeiras. Na legislatura anterior, assistimos algo idêntico, Feliz Silva foi o destaque por receber da mesma fonte dois salários, e nessa legislatura foi nomeado para um cargo superior no seio dos seus pares. Estimulando-se, dessa forma, o roubo, a falta de integridade e uso de meios nada ortodoxos para o crescimento na carreira política e, em oposição, combatem todo rastilho de integridade e ética no seu meio. É o claro efeito da impunidade.

Pouco podemos esperar se o legislador, que se assume como fiscalizador, é o primeiro a atropelar a ética, notem que ainda não evoluímos para níveis de interpretação legal.

Embora se trate de um problema que não se limita à AR, o que apurámos na casa do Povo, depois de uma aturada investigação deste Jornal, é que existe a cumplicidade das instituições do Estado, sejam elas públicas ou participadas, as quais se acomodam e se contentam em ser sacos azuis. Ora como consequência directa de corrupção, ora como consequência de negligência institucional que se reflecte na incapacidade de verificar a rigor a departamentalização, que se entende aqui como o acompanhamento da especialização, coordenação, controlo das atividades e quadros afectos em cada sector.

O Boletim de República que anuncia o nome dos deputados eleitos em cada legislatura é público. Desse principio de publicidade, coadjuvado com a máxima de que o desconhecimento da lei é inescusável, cabe às instituições as quais se encontram afectos suspender quaisquer honorários logo após a tomada de posse, seria este o primeiro indicador de uma administração eficiente e eficaz. Por outro, longe da responsabilidade institucional, há que voltar para responsabilidade individual, se o beneficiário não consegue recusar um segundo, terceiro ou quarto salário por peso de consciência, cabe a este titular ou membro de legislador a observação da lei da Probidade Pública, que de forma expressa, determina (artigo 33) a proibição de um titular ou membro de órgão público “receber remunerações de outras instituições públicas ou empresas em que o Estado tenha participação, seja em forma de salário, subsídios ou honorários e senhas de presença”.

É de se lamentar que a realização de prova de vida não se mostre capaz de corrigir essas incongruências que têm um efeito desastroso no orçamento, visto que se limita em apurar a existência do indivíduo sem mostrar preocupação em saber a exactidão do valor que o mesmo recebe. Longe desse retrato de roubalheira, a questão que fica é: como ficam os bons exemplos daqueles que, por uma questão de consciência, se recusam a ter dois honorários?

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