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Refugiados chegam a pagar 50 mil meticais para “comprar” asilo legal
Há refugiados que conseguem legalizar a sua situação através de esquemas de corrupção
Em 2003, o Conselho de Ministros aprovou, através do Decreto n.° 51//2003 de 24 de Dezembro, o Estatuto Orgânico do Instituto Nacional de Apoio aos Refugiados (INAR), sendo que havendo necessidade de se regulamentar a organização e o funcionamento do Instituto para a prossecução dos seus objectivos, em Novembro de 2004, o então ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Leonardo Simão, determinou a aprovação do Regulamento Interno do Instituto Nacional de Apoio aos Refugiados. O INAR tem por objecto a recepção, acomodação e acompanhamento dos candidatos ao estatuto de refugiado e dos refugiados, de acordo com a legislação aplicável no território nacional sobre a matéria. No entanto, a instituição agora chancelada pelo Ministério do Interior está há 14 anos sem emitir o Estatuto de Refugiados, facto que inquieta, sobremaneira, os cidadãos que, por várias razões, procuraram asilo no País. Apesar de oficialmente não se estar a emitir aquele documento, há refugiados que conseguem legalizar a sua situação através de esquemas de corrupção, o que mostra que a situação pode estar a ser usada para alimentar uma rede de “nhonguistas”. Solicitado para esclarecer o que está por detrás da não emissão do Estatuto de refugiados, o INAR disse, numa primeira fase, que como se tratava de informações ligadas à vida de muitas pessoas não podia se pronunciar. Mais tarde, perante a nossa insistência, prontificou-se a prestar esclarecimentos mediante uma solicitação por carta, mas, mesmo depois da submissão da carta de pedido de esclarecimentos, não se pronunciou até ao fecho da presente edição.
Duarte Sitoe
Quando foi criado o Instituto Nacional de Apoio dos Refugiados, era chancelado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, mas, actualmente, é tutelado pelo Ministério do Interior.
O INAR tem por objecto a recepção, acomodação e acompanhamento dos candidatos ao estatuto de refugiado e dos refugiados, de acordo com a legislação aplicável no território nacional sobre a matéria.
Por outro lado, o INAR tem a missão de conceder apoio e assistência aos candidatos ao estatuto do refugiado e aos refugiados na República de Moçambique, bem como coordenar com as demais entidades nacionais e estrangeiras na execução de acções tendentes a proporcionar-lhes um clima de segurança e estabilidade no país.
O grosso dos refugiados que estão em Moçambique são oriundos da região dos Grandes Lagos e do Corno de África, sendo que fogem dos países de origem para procurar asilo no País devido a conflitos armados, vários tipos de perseguição e destruição dos meios de subsistência provocada pelo impacto das mudanças climáticas.
Em 2023, de acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Moçambique contava com 32 mil refugiados e requerentes de asilo oriundos de outros países. Segundo informações na posse do Evidências, o Instituto Nacional de Apoio dos Refugiados está há 14 anos sem emitir o estatuto de refugiado. Esta situação deixa os cidadãos estrangeiros que procuram asilo em Moçambique com os nervos à flor da pele.
Há quem consegue o estatuto de refugiado através de esquemas de corrupção
Engane-se quem pensava que a transferência do INAR do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o pelouro do Interior podia acabar com o drama dos refugiados em Moçambique. Actualmente, quem requer o estatuto de refugiado fica mais de um ano na fila de espera.
A título de exemplo, um refugiado que preferiu se identificar pelo nome de Momed contou ao Evidências que solicitou há mais de um ano, através de um requerimento, o estatuto de refugiado vivendo no País, mas, debalde, de lá até esta parte ainda não teve luz verde.
“É uma situação constrangedora, entreguei os documentos em Fevereiro do ano passado e disseram que iam ligar assim que o expediente fosse aprovado, porém até hoje ainda não vi nenhuma chamada. Sempre passo daqui para me inteirar sobre o processo, mas a resposta tem sido sempre a mesma, ou seja, tenho que aguardar pelo contacto do Instituto Nacional de Apoio dos Refugiados. A minha mulher está há quatro anos aguardando a resposta sobre a emissão do estatuto de refugiados”, lamentou.
A fonte referiu, ainda, que, sem o estatuto de refugiados, é obrigado a permanecer em Moçambique, visto que sem aquele documento não tem como se dirigir ao Serviço Nacional de Migração para tratar do passaporte.
“O meu passaporte expirou e não tenho como tratar outro sem o estatuto de refugiado. Antes de o meu documento de viagem caducar, fazia viagens para a vizinha África do Sul com a finalidade de fazer compras para posteriormente revender nas minhas lojas, mas com esta situação dependo de terceiros. Não está a ser fácil ser refugiado em Moçambique. As políticas do Governo para os refugiados são bonitas no papel, mas ninguém as cumpre”, descreve.
Criam-se dificuldades para depois se venderem “ways”
Apesar do Instituto Nacional de Apoio aos Refugiados não estar a emitir o estatuto de refugiado, há cidadãos estrangeiros que conseguem legalizar a sua situação, facto que os permite sair do País.
Um outro refugiado, o qual preferiu falar em anonimato, contou que, depois de uma longa espera, usou outros caminhos para conseguir o estatuto de refugiado, tendo para o efeito desembolsado 50 mil meticais.
“Depois de mais de cinco anos à espera da resposta, um amigo me disse que podia conseguir o estatuto de refugiado mediante o pagamento de 50 mil meticais. Primeiramente não acreditava porque quem tem competências de emitir o documento é o INAR, mas ele disse que o documento vinha com o selo do INAR. Paguei 50 mil meticais e hoje tenho a minha situação resolvida, mas fico triste pelos meus irmãos que não dispõem de fundos para comprar o estatuto de refugiado em Moçambique”, disse.
Quem também está há muito tempo à espera da aprovação do seu expediente de solicitação de estatuto de refugiado é Amir. Para além da morosidade na emissão do estatuto, existe a falta de protecção por parte do Governo moçambicano, em violação de tratados internacionais.
“Escolhemos Moçambique por ser um País que respeita os direitos dos refugiados, contudo, nos últimos anos, as coisas em vez de melhorar mudaram para pior. Os nossos processos de pedido de estatuto de refugiados foram engavetados. Estou há seis anos à espera da resposta. É triste o que está a acontecer, somos obrigados a pagar por um documento que é gratuito. Pedimos a quem é de direito, ou seja, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e o Governo de Moçambique, para resolverem a nossa situação. Por outro lado, os refugiados estão a ser perseguidos e assassinados. Actualmente, vivemos com o coração na mão devido ao clima de insegurança que se vive no País”, desabafou.
INAR se fecha em copas
Solicitado para revelar o número de refugiados vivendo em Moçambique e, sobretudo, esclarecer o que está por detrás da não emissão do Estatuto de refugiados, o INAR disse, numa primeira fase, que como se tratava de informações ligadas à vida de muitas pessoas não podia se pronunciar.
Perante a insistência da equipa do Evidências, referiu que só podia prestar esclarecimentos mediante uma solicitação por carta, mas, mesmo depois da submissão da carta de pedido de esclarecimentos, não se pronunciou até ao fecho da presente edição.

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