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Edmilson Mate
O artigo 51 da Constituição da República de Moçambique estabelece de forma clara que “todos os cidadãos têm direito à liberdade de reunião e de manifestação, nos termos da lei”. Em nenhum momento a Constituição menciona que esse direito é exclusivo do partido Frelimo. No entanto, a prática demonstra o contrário: apenas manifestações organizadas ou apoiadas pelo partido no poder são autorizadas, enquanto outras iniciativas da sociedade civil são sistematicamente travadas, ignoradas ou até reprimidas com violência. Por quê? O país não é de todos? A democracia é um privilégio de alguns? Os outros não são moçambicanos?
Uma democracia sólida não se mede apenas por eleições periódicas, mas também pela liberdade que os cidadãos têm de se expressar, criticar e manifestar. Cada manifestação tem as suas razões de ser, e um governo verdadeiramente democrático deve estar disponível para escutar todas as vozes, não apenas as que lhe agradam. Respeitar as diferenças não significa concordar com elas. Num país tão diverso como o nosso, seja na cultura, seja nas ideias, a pluralidade de pensamento devia ser algo a proteger, não uma ameaça a eliminar. Discordar do governo não torna ninguém inimigo da pátria.
É profundamente preocupante e, no mínimo, vergonhoso, que apenas o partido Frelimo possa ocupar as artérias da Cidade de Maputo livremente, enquanto outras organizações ou cidadãos que seguem os trâmites legais para realizar marchas são recebidos com gás lacrimogéneo e intimidação. Isso não é democracia, é coerção selectiva.
Assisti recentemente às marchas comemorativas dos primeiros 100 dias de governação do Presidente Chapo. Reconheço que houve avanços importantes e simbolicamente fortes. Contudo, há ainda um longo caminho a percorrer, e um dos pontos cruciais é o respeito efectivo pela liberdade de expressão e manifestação. As pessoas não são obrigadas a concordar com tudo o que o governo faz. Muito pelo contrário: é saudável que existam críticas e visões alternativas. É isso que faz crescer um país.
Para ilustrar, vejamos o exemplo dos Estados Unidos da América. Centenas de milhares de cidadãos participaram em protestos pacíficos sob o lema “Hands Off”, em todos os 50 estados, contra as políticas da administração Trump, contra novas tarifas e cortes anunciados pelo Departamento de Eficiência Governamental. Mesmo com toda a capacidade para conter os protestos, o Estado não usou a força para silenciar o povo. Porque uma democracia forte respeita o direito de cada cidadão a manifestar a sua opinião, seja ela favorável ou não ao poder instituído.
As manifestações são uma das formas mais visíveis e de exercício da cidadania activa. Em qualquer sociedade democrática, a possibilidade de os cidadãos se reunirem pacificamente para expressar descontentamento, reivindicar direitos ou influenciar decisões políticas não é apenas permitida, mas encorajada como parte integrante do funcionamento do sistema democrático. Este direito está consagrado em diversas constituições e instrumentos internacionais de direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
No contexto global, manifestações desempenharam papéis cruciais na conquista de direitos civis, reformas políticas e justiça social. Desde os protestos pelos direitos civis nos Estados Unidos às manifestações contra o apartheid na África do Sul, até aos recentes movimentos por justiça climática e contra a brutalidade policial, as ruas tornaram-se espaço de diálogo social e pressão política.
Mesmo em países africanos próximos ao nosso, como a África do Sul, Zimbabue, Zâmbia ou Malawi, as manifestações têm sido uma constante histórica e contemporânea. Na África do Sul, por exemplo, são frequentes os protestos organizados por sindicatos e comunidades locais contra cortes de serviços públicos, desemprego, corrupção e desigualdades persistentes. Estes protestos, muitas vezes enraizados nas lutas do passado contra o apartheid, mantêm viva a tradição de uma sociedade civil vigilante.
O nosso País tem de decidir se quer ter uma democracia plena ou apenas uma fachada onde a liberdade é privilégio de alguns. O direito à manifestação é universal, não é um prémio para os simpatizantes da Frelimo. O País é de todos.

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