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Arão Valoi
Durante anos, a ajuda internacional foi apresentada e tida como um pilar do desenvolvimento em Moçambique. Ao longo do tempo, organizações como a USAID e iniciativas como a da Agência Americana de apoio, a Millenium Challenge Corporation (MCC), ao lado de financiadores europeus — União Europeia, Holanda, Suécia, entre outros — injectaram milhões de dólares em projectos sociais nas áreas da saúde, educação, resiliência, transportes, segurança alimentar, direitos humanos, entre outros. Para milhares de comunidades, esse apoio foi mais do que financeiro: era esperança, dignidade e acesso a serviços básicos, muitas vezes, em locais onde o nosso Estado, devido a factores de vária ordem, encontrava limitações para chegar. Hoje, esse pilar está a ruir. Quando a cooperação se retira sem olhar para trás e para as consequências, são as vidas que pagam o preço. Ou seja, com o encerramento progressivo do financiamento da USAID e o cancelamento do pacote de 500 milhões de dólares para o Pacto de Conectividade e Resiliência Costeira de Moçambique do MCC, aliado ao recuo de outros doadores ocidentais, centenas de Organizações Não-Governamentais (ONG’s) e iniciativas governamentais estão a suspender projectos, a despedir equipas inteiras e a deixar muitas comunidades sem o necessário apoio. É um corte silencioso, mas brutal, feito à mesa de decisões em gabinetes estrangeiros, sem ouvir quem está no terreno e sem medir o impacto real nas vidas humanas. Este não é apenas um problema de sustentabilidade financeira. É um retrato de um abandono planeado e um indicador claro de que, nos dias que correm, a ideia do localization, defendida pelas teorias de desenvolvimento, deixou de ter relevância.
Um corte que vem vestido de “reorientação estratégica”, mas que, na prática, significa despedir colaboradores, enfermeiros comunitários, encerrar programas de combate ao HIV/SIDA, cancelar bolsas de estudo para jovens raparigas e cortar apoio alimentar a crianças em risco. Fala-se muito de “redução da dependência externa” — e com razão. Mas é preciso lembrar que esta dependência foi, em grande parte, alimentada pelos próprios doadores, que durante décadas impuseram modelos operacionais centrados em ciclos curtos de financiamento, com métricas rígidas, pouca margem para adaptação local e quase nenhuma preparação para uma retirada gradual. Foi criada uma estrutura que funcionava enquanto houvesse dinheiro estrangeiro — e agora que esse dinheiro desaparece, o edifício desaba.
A sociedade civil moçambicana está a pagar o preço. Não só com o encerramento de projectos, mas também com a perda de empregos qualificados, de técnicos, gestores, activistas e profissionais que dedicaram anos à construção de soluções locais. Estamos a assistir a uma verdadeira sangria de talento, num País onde cada posto de trabalho conta.
O mais grave é que tudo isto acontece sem que se ofereçam alternativas credíveis. Não há planos de transição realistas, nem fundos de emergência, nem sequer diálogo consistente com os actores locais. Os financiadores levantam-se da mesa e vão embora, deixando as comunidades sozinhas, como se o compromisso terminasse com a assinatura do último cheque.
Este comportamento não é apenas tecnicamente mau — é moralmente inaceitável. A ajuda internacional não pode funcionar como um projecto descartável. A solidariedade não pode ser usada como ferramenta de imagem e depois arquivada quando os ventos políticos mudam.
Neste momento difícil e desafiador, Moçambique precisa de repensar no seu modelo de financiamento social, sim. Precisa de investir na sua própria capacidade, promover o envolvimento do sector privado e exigir maior transparência e eficácia na gestão dos recursos, incluindo na recuperação de custos nos projectos. Mas esse processo exige tempo, apoio e responsabilidade partilhada. Não se constrói autonomia sobre as cinzas do que foi abandonado. Aos parceiros internacionais que agora se retiram, exige-se coerência. Se durante anos se investiu em desenvolvimento humano, não se pode agora virar as costas quando esse desenvolvimento está em risco. Não se pode abandonar comunidades inteiras ao vazio, sob o pretexto de prioridades orçamentais noutros continentes ou noutras áreas como a guerra na Ucrânia e o conflito no Médio Oriente. Mas por outro lado, esta retirada da USAID e recuo estratégico por parte de outros doadores ocidentais apresenta certas oportunidades para as ONG’s locais, obrigando-as a repensar nas suas estratégias de financiamento e a explorarem novas vias para garantir a sua sustentabilidade financeira. À medida que o sector se adapta a esta mudança significativa, é fundamental que os profissionais das ONGs compreendam o contexto mais amplo da diversificação do financiamento porque a dependência de uma única fonte de financiamento pode ser arriscada, especialmente num ambiente em que o apoio governamental pode ser instável.
Ao adoptarem uma abordagem diversificada de financiamento, as ONGs podem não só reduzir os riscos, como também aumentar a sua resiliência e capacidade de adaptação perante a incerteza.
Por outro lado, é igualmente importante fortalecer a sustentabilidade financeira através da geração de receitas próprias, nomeadamente, criar produtos ou serviços sociais (como cooperativas, pequenas empresas sociais ou centros de formação) para gerar receitas regulares e reduzir custos operacionais, optimizando a gestão interna, com cortes estratégicos sem comprometer a eficácia.
Experiências de outros países nos ensinam que as alianças estratégicas, nomeadamente, a criação de consórcios entre ONGs para candidaturas conjuntas a financiamentos maiores e compartilhamento de recursos, incluindo parcerias com universidades e centros de pesquisa para desenvolver evidência de impacto e legitimidade científica, têm tido resultados positivos na nova arquitectura financeira global.

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