Empresa associada ao ministro Saúde embolsa mais de dois milhões de dólares numa adjudicação com indícios de corrupção

POLÍTICA SAÚDE
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  • Ussene Isse denunciado no Gabinete Central de Combate à Corrupção
  • Há suspeitas de favorecimento à Ecomed em concurso de fornecimento de medicamentos ao SNS
  • O critério de selecção era de menor preço, mas MISAU ignorou cinco concorrentes elegíveis

O ministro da Saúde, Ussene Isse, está envolvido numa polémica devido a um suposto favorecimento de uma empresa ligada a si na adjudicação de um concurso público para o fornecimento de medicamentos ao Sistema Nacional da Saúde (SNS. Trata-se da Ecomed, que, em Abril último, embolsou cerca de dois milhões de dólares, num processo pouco claro, que não respeitou o requisito de menor preço que constava dos critérios do concurso, tendo em conta que foram ignoradas pelo menos cinco empresas que tinham propostas com custos imediatamente inferiores ao praticado pela empresa beneficiada. A empresa é detida pelo mesmo grupo empresarial proprietário da Clinicare, em que o ministro, médico de profissão, era até à data da sua nomeação funcionário, o que levanta sérias suspeitas de conflito de interesse. O caso já foi denunciado ao Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), onde segue em investigação.

Evidências

Um dos principais cavalos de batalha de Daniel Chapo enquanto Presidente da República é o combate à corrupção, tendo prometido no seu discurso inaugural e não só, acabar com a cartelização e clientelismo na contratação pública, contudo parece que nem todos os membros do Executivo estão alinhados com este desiderato.

Ussene Isse, ministro da Saúde, acaba de ser reportado ao Gabinete Central de Combate à Corrupção por suspeita de conduta improba na adjudicação de um concurso de fornecimento de material médico-cirúrgico de grande rotação para o Sistema Nacional de Saúde (SNS) à empresa Ecomed, no valor de 2.249.216,00 dólares norte-americanos (USD).

Pesam sobre o ministro suspeitas de ter favorecido a empresa Ecomed, com quem mantém uma relação próxima, pois já foi funcionário da Clínica Clinicare, empresa que também é do mesmo grupo e tem mesmos proprietários.

É por este aparente conflito de interesse e por suspeitas de favorecimento que alguns concorrentes decidiram denunciar o caso ao GCCC no passado dia 14 de maio, solicitando que faça uma investigação urgentemente desta conduta aparentemente de conflito de interesse do ministro numa altura em que o sistema de saúde do País está prestes a colapsar.

A adjudicação da Ecomed está a ser contestada não só por causa da sua proximidade com o ministro, mas também porque em termos rigorosos esta empresa não era elegível, tendo em conta que o concurso, em toda sua linha, sempre foi regido pelo critério de menor preço e há pelo menos cinco empresas que apresentaram um preço imediatamente mais baixo e foram completamente ignoradas.

Aliás, antes de o contrato ser adjudicado à Comed com base em critérios pouco claros, o mesmo tinha sido adjudicado à empresa Kambeny que acabou desistindo. Quando é assim, a Lei estabelece que a adjudicação é feita para a empresa imediatamente a seguir com o menor preço, o que não foi observado.

Na denúncia submetida ao GCCC, os queixosos questionam o critério aplicado pelo ministério da saúde para adjudicar, dois anos depois, à empresa Ecomed o mesmo lote que inicialmente havia sido adjudicado a Kambeny, com uma diferença de preço de cerca de USD 736,256,00.

“⁠Como é que o Ministério da Saúde ignorou outros concorrentes que tiveram um menor preço comparando com a Ecomed? ⁠Se a empresa adjudicada desistiu de fornecer, então deveriam ter adjudicado ao segundo ou terceiro melhor classificado (…) É de conhecimento de todos, que o actual ministro da saúde mantém uma relação muito próxima com os proprietários da empresa ECOMED, visto que já foi funcionário da Clínica CLINICARE, empresa que também é do mesmo grupo. Pede-se a GCCC que aprofunde esta investigação urgentemente numa altura em que a saúde do nosso País está prestes a colapsar”, lê-se no documento interceptado pelo Evidências.

Mas, como tudo começou?

Tudo começou quando no dia 02 de junho de 2023, o MISAU lançou o concurso público nº58A001241/CP/11/OE-MMC-GR-023 para fornecimento de Material Médico-Cirúrgico de grande rotação e urgente para o uso no Serviço Nacional de Saúde.

A data limite para o encerramento das candidaturas foi 28 de junho do mesmo ano e concorreram 28 empresas, apresentando propostas técnicas e de preço, tendo sido seleccionadas oito empresas que repartiram entre si 12 lotes, conforme a notificação de adjudicação datada de 08 de setembro de 2023.

A selecção foi feita com base no critério de menor preço avaliado, de acordo com a metodologia indicada na cláusula 39 do caderno de encargos. Foi essencialmente com base no critério de menor preço que muitas empresas, incluindo algumas das mais reputadas no mercado, foram desqualificadas, embora algumas delas tivessem melhor proposta técnica e experiência no sector.

As empresas seleccionadas foram KL Medical Serviços (Lote 11) no valor de USD 9,237.31; Lua Comércio (Lotes 1, 2 e 10) no valor de USD 2,936,120.00; Partech Paradigma (Lote 12) no valor de USD 2,521,869.00; Ecomed (Lote 3) no valor de USD 336,000.005; Glopharma (Lote 7 e 8) no valor de USD 85,152.00; Kambeny (Lote 9) no valor de USD 1,512,960.00; Generics e Specialities (Lotes 5 e 6) no valor de USD 1,382,209.00 e Ukumi (Lotes 4) no valor de USD 2,544,160.00.

Sucede, porém, que, volvidos cerca de dois anos, com o contrato a meio de execução, o MISAU, através da Central de Medicamentos e Artigos Médicos, decidiu, a 12 de abril de 2025, anunciar uma outra adjudicação adicional em benefício da empresa Ecomed no valor de USD 2.249.216,00, para o fornecimento de agulhas de cateter que, curiosamente, corresponde ao objecto do Lote 9 que tinha sido adjudicado à empresa Kambeny.

MISAU rasgou o seu próprio regulamento para acomodar interesses inconfessos

O que é estranho é que apesar do critério de selecção ser o menor preço, o MISAU decidiu pontapear as suas próprias regras para acomodar a Ecomed, supostamente pelo facto de ser uma empresa com ligações ao ministro.

Segundo o relatório do concurso consultado pelo Evidências, no Lote 09, a proposta mais alta foi de USD 6.944,933,40 e a mais baixa foi de USD 1,512,960.00, esta última feita pela Kambeny que acabou sendo seleccionada na altura.

Em condições normais e sem nenhuma interferência do topo, na dificuldade do primeiro classificado para fornecer o objecto do lote, o concorrente imediatamente a seguir, no caso a Neopharma Lda, com uma proposta de USD 1.623,421,88 devia ter sido a empresa seleccionada para executar o contrato.

Para além da Neopharma, outras quatro empresas apresentaram preço mais baixo que a Ecomed. Trata-se da Generics Especifics, com uma proposta de USD 1.825,871,11; Lua Comércio com a proposta de USD 1.860,640,00; Tec-Care Lda com proposta de 1.948,581,25 e Enterprise Solution com proposta de 2.222,640,00. Todas foram ignoradas e o concurso acabou sendo entregue a um concorrente apurado com critérios pouco claros.

Diante desta situação a pergunta que não quer calar é: Qual é o critério aplicado pelo ministério da saúde e por que é que ignorou outros concorrentes que tiveram o menor preço comparando com o da Ecomed?

Refora-se que a Ecomed Comércio Internacional, Limitada é uma sociedade detida por Jalaludin Sidi e Yunus Amade Assane Bahadur, mesmos proprietários da Clinicare. Dedica-se à comercialização internacional de produtos e serviços na área médica e é distribuidora no mercado moçambicano de materiais, equipamentos e consumíveis na área médico/cirúrgica e laboratorial.

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