Farra em ano eleitoral: Comeram USD 33 milhões, desviaram dinheiro de 732 projectos e declararam compra de 584 autocarros que não existem

DESTAQUE POLÍTICA
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  • Relatório sobre a Conta Geral do Estado de 2023 expõe desvios, omissões e sabotagem
  • Há indícios de sabotagem aos auditores para não fazer auditoria no Centro e Norte
  • Governo de Nyusi operou com “dois PESOEs”: um aprovado pela AR, e outro paralelo
  • Registaram 584 veículos movidos a gás a preço milionário que, na realidade, não existem
  • Incompetência da LAM usada para justificar falta de fiscalização no Centro e Norte

Roubaram mais uma vez. O Parecer do Tribunal Administrativo sobre a Conta Geral do Estado (CGE) de 2023, analisado pelo Evidências, revela um cenário alarmante de má gestão, desvios de recursos públicos e falta de transparência, que comprometem a integridade das finanças públicas em Moçambique. O documento expõe práticas sistemáticas de irregularidades, desde o desvio de receitas do gás natural até à manipulação orçamental, passando por sabotagens à fiscalização. Apesar das limitações impostas aos auditores, que só conseguiram actuar em 52% das entidades planeiadas, tendo coberto somente a região Sul, o relatório evidencia um padrão de corrupção institucionalizada e protegida politicamente. As Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) são arrostadas como veículo de uma aparente sabotagem que não permitiu aos auditores fazer trabalhos nas regiões de Centro e Norte, onde, curiosamente, predominam os grandes projectos de grande envergadura. Face ao roubo, camuflado no “erro de gestão”, os Conselheiros do Tribunal Administrativo emitiram uma opinião com reserva sobre a CGE em referência, devido a um conjunto significativo de irregularidades. A própria opinião ilustra o quão a gravidade das inconsistências justificaria uma recomendação de não aprovação da Conta, no entanto, por razões políticas, os auditores não assumiram uma postura mais severa. Por outro, não deixa de ser curiosa a exoneração da Presidente deste tribunal, na semana em que a conta chegava ao Parlamento, onde, por ingenuidade ou não, houve indiferença do PODEMOS, que se absteve de dar nota negativa, uma postura nova depois de o Evidências, na última edição, ter anotado que aquele partido estava alinhado com a Frelimo para aprovar tudo.

 Nelson Mucandze

O Tribunal Administrativo expõe um cenário em que se entrega as chaves da despensa a um esfomeado e depois se pede que este preste contas, mas ele come tudo, rasga o inventário, ignora quem pergunta e, no fim, ainda recebe palmas por manter a porta aberta, ou seja, para aquele exercício. A gestão do erário público em Moçambique foi marcado por abuso, silêncio e aplausos oficiais.

Uma das irregularidades mais graves é a omissão de 33,65 milhões de dólares nas receitas da exportação do gás da Bacia do Rovuma. Enquanto o Balanço do PESOE registava 94,24 milhões de dólares, apenas 60,59 milhões foram contabilizados na CGE. Essa discrepância sugere desvio ou apropriação indevida de recursos que deveriam ser destinados ao desenvolvimento nacional. Além disso, o governo não transferiu os 2,75% dos impostos sobre a produção petrolífera e mineira para as comunidades afectadas, violando a lei e privando-as de benefícios essenciais.

Com um saldo inicial nulo, foram creditados até 31 de dezembro de 2023 um total de 47,58 milhões de dólares referentes às receitas provenientes da exportação de gás natural da Bacia do Rovuma. Entre janeiro e março de 2024, ingressaram adicionalmente 13,01 milhões de dólares, totalizando 60,59 milhões de dólares.

No entanto, o Relatório do Governo sobre os Resultados de Execução do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE), referente ao primeiro trimestre de 2024, aponta que as receitas acumuladas desde o início do exercício económico de 2024 atingiram 94,2 milhões de dólares. Essa discrepância de 33,61 milhões de dólares entre os dois relatórios não é mencionada no contraditório do Governo, gerando incertezas sobre o destino ou a utilização desses recursos.

O Governo omite, nos relatórios analisados, qualquer referência aos montantes recebidos desde 2022, incluindo os relacionados à abertura da Conta Transitória e às primeiras receitas do gás da Bacia do Rovuma. Essa omissão contraria o disposto no Artigo 49 da Lei do Sistema de Administração Financeira do Estado (SISTAFE), que determina a contabilização de todas as receitas na Conta Geral do Estado, em conformidade com o princípio da exactidão.

Essa lacuna compromete a transparência e dificulta o controlo e a fiscalização por parte do Tribunal Administrativo, da Assembleia da República e da Comissão do Plano e Orçamento. A ausência de informações detalhadas sobre os montantes recebidos impede uma monitoria eficaz e levanta questionamentos sobre a gestão desses recursos.

No entanto, a este respeito, a ministra das Finanças, Carla Louveira, durante o debate parlamentar sobre a Conta Geral de Estado de 2023, na quinta-feira (15), disse que contrariamente ao que se vem declarando, nos seus balanços trimestrais de execução do Plano Económico e Social e Orçamento de Estado (PESOE), o Governo nunca depositou as receitas do Imposto do Produção Mineira, provenientes da venda do gás natural da bacia do Rovuma.

De acordo com Louveira, embora sem dar detalhes, os 33.65 milhões de USD ausentes da Conta Transitória foram usados nos Planos Económicos e Sociais de 2022, 2023 e 2024 e que nunca passaram daquela conta bancária, domiciliada no Banco de Moçambique.

Outro roubo tratado como “erro de gestão”?

Outro escândalo é o desvio de dinheiro de 732 projetos de investimento, cujas doctações foram ilegalmente realocadas para cobrir despesas de funcionamento. Essa manobra, sem base legal, prejudicou a execução de infra-estruturas críticas e distorceu o orçamento aprovado pela Assembleia da República (AR).

Na descrição do TA, o governo, no consulado de Filipe Nyusi, operou com “dois PESOEs”: um aprovado pela AR, e outro paralelo, implementado na prática, com alterações profundas não justificadas.

Não obstante o desvio de dinheiro para despesas anteriormente asseguradas com outros fundos e o sumiço de fundos, a CGE inclui registos fictícios, como 584 veículos movidos a gás (inexistentes), avaliados em 5,1 mil milhões de meticais, distorcendo o património do Estado. Há ainda imóveis ocupados ilegalmente, bens não segurados e obras abandonadas após pagamento aos empreiteiros, evidenciando desperdício e má-fé.

A contratação da Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) pelo Estado, apesar de a empresa não atender aos requisitos legais, é outro indício de favorecimento. O IGEPE, responsável pelo saneamento financeiro de empresas públicas, gastou recursos em viaturas para gestores da LAM e TVM sem amparo legal, enquanto empresas estatais acumulam prejuízos e dívidas não reembolsadas.

O TA enfrentou obstáculos deliberados para exercer o seu papel. A falta de recursos, incluindo a indisponibilidade da LAM para serviços de passagens aéreas, restringiu as auditorias à região Sul, ignorando 48% das entidades planeadas no Centro e Norte. Essa limitação, somada à não resposta de gestores públicos a pedidos de informação, sugere uma estratégia para ocultar irregularidades nessas regiões.

Mesmo com essas restrições, os auditores identificaram um retrato assustador de dívida pública acima do limite sustentável, priorizando pagamentos em detrimento de investimentos.

A opinião com reserva: Um acto político?

A decisão do Tribunal de emitir um parecer “com reserva”, em vez de reprovar de forma expressa a CGE, reflete um esforço para aprovar o improvável, diante de um cenário em que a corrupção é institucionalizada. A omissão de demonstrações financeiras (como balanço e fluxo de caixa) e a recusa do governo em corrigir falhas crônicas (já apontadas em anos anteriores) mostram que não há compromisso real com a transparência.

Quando os Juízes Conselheiros do TA emitem um “Parecer com Reserva” sobre a Conta Geral do Estado (CGE), como no caso da CGE de 2023, isso não significa uma recusa total ou reprovação da conta, mas sim que existem irregularidades, falhas ou limitações sérias detectadas durante a análise que impedem uma aprovação plena e sem restrições. Em outras palavras, é uma recusa parcial, uma forma institucional de alertar a Assembleia da República e o Governo de que há sérios problemas que precisam de ser corrigidos, e que a CGE não reflecte fielmente a execução orçamental e financeira do Estado em todos os aspectos.

É mesmo um relatório que retrata um sistema onde gestores que ignoram pedidos de auditores sem consequências e AR, dominado pelo partido no poder, consente quando é bypassada por um orçamento paralelo.

O documento sugere uma outra faceta dos poderes deste, que sem autonomia e recursos adequados, mesmo os órgãos de controlo tornam-se reféns de um sistema que normaliza o desvio de recursos. Coincidência ou não, na semana em que esta conta chegava ao parlamento, era indicada nomeada uma nova Presidente do Tribunal Administrativo, Ana Maria Gemo Bié, em substituição de Lúcia Maximiano do Amaral, que não renovou o mandato.

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