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Arão Valoi
Num contexto, muitas vezes marcado por intolerância e convulsões políticas, o nosso País parece iniciar uma viragem simbólica e substantiva rumo à pacificação e consolidação das suas instituições democráticas. A recente audiência concedida pelo Presidente da República, Daniel Chapo, ao membro destacado da oposição, Venâncio Mondlane, configura mais do que um gesto político; trata-se de um acto de elevado significado democrático e institucional, que pode muito bem anunciar o despontar de um novo paradigma de convivência política no País.
Esta encontro entre ambos não ocorre no vazio histórico. Vem na esteira de um processo eleitoral extremamente conturbado, onde os episódios de violência e intolerância atingiram níveis alarmantes. Num tal contexto, a abertura ao diálogo e ao reconhecimento do outro — neste caso, o “outro político” — representa uma corajosa inflexão no modus operandi do partido no poder, a Frelimo, cuja história recente se tem pautado por um comportamento hostil e, por vezes, persecutório em relação à oposição. A tradição da exclusão e da desqualificação sistemática dos adversários políticos parece, finalmente, ceder lugar a uma atitude mais democrática e responsável.
Daniel Chapo, ao receber Venâncio Mondlane, transmite um sinal claro de que a estabilidade do País não se constrói pela via da imposição ou do silêncio opositor, mas sim pela criação de um espaço político plural, onde o dissenso seja acolhido como parte integrante da dinâmica republicana. Trata-se de um gesto que engrandece, não só a sua figura enquanto Chefe de Estado, mas também o próprio tecido democrático de Moçambique. Em tempos de crescente polarização, actos como este devem ser enaltecidos e promovidos, pois colocam a política ao serviço da nação e não de interesses partidários restritos.
Não menos relevante é o momento particular em que se encontra Venâncio Mondlane, ele próprio uma figura relevante no panorama político moçambicano, mas que vem sendo qualquerizado pelos seus adversários, incluindo o irrelevante Forquilha, cuja ascensão à figura principal da oposição muito se deveu à Venâncio Mondlane. Ao trabalhar na edificação do seu próprio partido, o Anamalala, Mondlane sabe que cada espaço de interlocução institucional é uma oportunidade ímpar para afirmar a sua agenda e construir credibilidade. Num ambiente político ainda propenso à desconfiança e à retórica incendiária, a sua disponibilidade para o diálogo e respeito pelas vias formais da política constitui um exemplo de maturidade democrática e visão estratégica. Há, de facto, que respeitar as instituições, incluindo a figura do Presidente da República.
É nesta dialéctica entre abertura presidencial e responsabilidade oposicionista que pode emergir uma nova cultura política em Moçambique — uma cultura assente no respeito mútuo, na institucionalidade e no primado do interesse nacional. Daniel Chapo parece compreender que liderar um País não se resume à governação quotidiana, mas envolve também a construção de pontes, a promoção da coesão e o cultivo da esperança. A sua acção recente, incluindo o inédito encontro com os ex-Presidentes da República numa mesma mesa, rompe com o padrão de autossuficiência política que marcou a era de Filipe Nyusi. Tal iniciativa não só valoriza a experiência dos estadistas que o precederam, como contribui para uma reconciliação simbólica entre diferentes etapas da história política nacional.
Importa, porém, sublinhar que estes sinais positivos carecem de consolidação e continuidade. Um gesto isolado, por mais simbólico que seja, não constitui ainda uma transformação estrutural. É essencial que se crie um ambiente de legalidade efectiva, com regras do jogo claras e respeitadas por todos os actores. Só assim se poderá fomentar a confiança dos cidadãos nas instituições e ultrapassar o cepticismo que tem caracterizado grande parte da população moçambicana perante os processos políticos.
A estabilidade política, por sua vez, é indissociável da estabilidade económica. O recente encontro entre o Presidente Chapo e o Director-Geral Adjunto do Fundo Monetário Internacional, Bo Li, é revelador de um esforço coordenado para reposicionar Moçambique no xadrez económico internacional. Numa altura em que o País enfrenta desafios profundos no domínio da dívida pública, do desemprego e da vulnerabilidade social, a aproximação às instituições financeiras multilaterais pode constituir um passo estratégico para garantir os apoios necessários ao desenvolvimento sustentável.
Todavia, não se deve perder de vista que o investimento económico carece de fundamentos políticos sólidos. A transparência, a boa governação, a independência do sistema judicial e a liberdade de imprensa continuam a ser pilares imprescindíveis para atrair investidores e assegurar o crescimento inclusivo. Sem uma reforma efectiva destas áreas, qualquer apoio internacional corre o risco de ser apenas paliativo, sem consequências duradouras para o bem-estar dos moçambicanos.
É, portanto, imperativo que o actual momento seja aproveitado com responsabilidade e visão. Ao nosso País, apresenta-se uma oportunidade rara de redefinir o seu futuro político e económico com base no diálogo, na tolerância e na cooperação. Cabe ao Presidente Daniel Chapo consolidar este novo rumo com actos consequentes e políticas públicas que transcendam os ciclos eleitorais. Do lado da oposição, o desafio será manter uma postura crítica, mas construtiva, capaz de propor alternativas credíveis e de mobilizar a cidadania de forma pacífica e propositiva.
Em suma, o encontro entre Chapo e Mondlane é um acontecimento que deve ser celebrado, não apenas pelo seu valor simbólico, mas pelas possibilidades reais que encerra para o futuro de Moçambique. É, como diria o filósofo francês Paul Ricoeur, um acto de “reconhecimento” — não apenas pessoal, mas institucional, político e nacional. Que este gesto inspire uma nova ética de governação, uma nova cultura de cidadania e um novo capítulo na história moçambicana.



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