HCB projecta 4.000 MW até 2034 e mantém visão ambiciosa de líder esforço energético na região

DESTAQUE SOCIEDADE
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  • Investimento em energias renováveis é aposta para fazer face às mudanças climáticas
  • Mphanda Nkuwa e Central Norte poderão aliviar a pressão sobre a central principal
  • Nova abordagem inclui projectos solares fotovoltaicos e parques eólicos

Apesar de estar a enfrentar desafios climáticos sem precedentes, a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) não perdeu a sua ambição de se transformar no principal actor energético na região, tendo revelado, semana finda, um plano estratégico robusto que permitirá não só enfrentar com resiliência efeitos adversos das mudanças climáticas, como também consolidar a sua liderança energética ao nível da região austral de África. Trata-se de uma estratégia multifacetada e audaciosa, com três pilares centrais, nomeadamente: aliviar a sobrecarga da sua central existente, investir de forma decidida em outras fontes de energia renováveis, modernizar e expandir significativamente a sua capacidade de produção. A aposta da HCB e do País inclui o desenvolvimento de projectos solares fotovoltaicos, parques eólicos e, a longo prazo, até mesmo a exploração de potencial geotérmico.

Reginaldo Tchambule e Luísa Muhambe

Sob o lema “HCB: Ontem, Hoje e o Futuro – Empresa Estruturante e Estratégica”, a Hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB) realizou, semana finda, em Maputo, uma Conferência Internacional no quadro das celebrações do seu quinquagésimo aniversário, que se assinala no próximo dia 23 de junho.

As últimas décadas testemunharam secas severas, com as épocas chuvosas de 2015/2016, 2023/2024 e 2024/2025 classificadas como as mais secas dos últimos 40 anos. Os fenómenos El Niño e La Niña, com a sua influência directa nos padrões de precipitação, têm causado flutuações dramáticas nos caudais dos rios, afectando não apenas a capacidade de geração de Cahora Bassa, mas toda a teia de interdependências hídricas e energéticas da África Austral.

Essa interdependência é crucial, pois 53% da água que chega a Cahora Bassa depende do comportamento hidrológico em Kariba, e 13% de Kafue, ambas barragens situadas a montante.

Em meio a extremos, seca severa e inundações cíclicas, que derivam das mudanças climáticas, com a sua intrínseca imprevisibilidade, a empresa aproveitou a ocasião para reafirmar o seu compromisso inabalável de transformar Moçambique numa verdadeira referência regional em produção energética, delineando o roteiro para um futuro onde o País não apenas assegura a sua própria segurança energética, mas se torna um pilar de fornecimento para a África Austral.

Desde a sua fundação em 23 de junho de 1975, a HCB tem desempenhado um papel crucial na segurança energética da África Austral. Com uma capacidade instalada actual de 2.075 MW, a Hidroeléctrica de Cahora Bassa não é apenas a maior central em Moçambique, mas também uma das maiores produtoras de energia do continente e um dos principais pilares do Southern African Power Pool (SAPP).

A sua energia não apenas alimenta Moçambique, mas é exportada em volumes significativos para as repúblicas da África do Sul, Zimbabwe e Zâmbia, desempenhando um papel crucial na estabilização das redes eléctricas desses países.

Com uma visão estratégica que transcende as margens do rio Zambeze, a HCB está a desenhar um futuro onde a energia limpa e renovável deverá ser crucial não só para arredondar a sua capacidade, como também para maximizar os ganhos e ao mesmo tempo consolidar o seu posicionamento na região.

A ambição é a expansão da capacidade para 4.000 MW até 2034, para solidificar e ampliar ainda mais este contributo regional, tornando a HCB um fornecedor ainda mais robusto e indispensável para a dinâmica energética da SADC.

A Nova fronteira: investimento em energias renováveis e gás natural

A crise hídrica dos últimos anos na bacia do Zambeze, a mais severa em décadas, serve como o pano de fundo que acelera a urgência destas ambições. O Presidente do Conselho de Administração da HCB, Tomás Matola, não hesitou em classificar a seca actual como a “pior desde que iniciou o enchimento da barragem de Cahora Bassa”.

“Estamos a passar por uma seca severa jamais vista desde a criação da HCB, que baixou significativamente o nível de armazenamento. Mas esse não é um problema só da HCB, abrange também as barragens a montante que exploram a bacia do Zambeze, como Kariba e Cafué no Zimbabwe e na Zâmbia. Estamos numa situação crítica, mas a gestão que estamos a fazer nos traz conforto e intensificaremos medidas para continuar a produzir e satisfazer minimamente os nossos clientes e assegurar o nível de armazenamento sustentável”, afirmou Matola, destacando que este fenómeno reduziu a capacidade da HCB de cerca de 15 mil gigawatts por hora para 10.3 mil gigawatts.

A dependência quase total da hidro-energia, embora tenha sido uma bênção para Moçambique, também expõe o país às vulnerabilidades das mudanças climáticas. Reconhecendo esta realidade, a HCB e o Governo moçambicano estão a impulsionar activamente o investimento em outras fontes de energia renováveis, marcando uma viragem estratégica rumo a uma matriz mais diversificada e robusta.

Moçambique possui um vasto e inexplorado potencial em energia solar, com algumas das maiores irradiações solares da África Subsariana, e consideráveis corredores de vento, especialmente ao longo da sua extensa costa. A aposta da HCB e do país inclui o desenvolvimento de projectos solares fotovoltaicos, parques eólicos e, a longo prazo, até mesmo a exploração de potencial geotérmico.

Ao depender menos de uma única fonte (água), Moçambique tornar-se-á mais capaz de enfrentar secas prolongadas, garantindo um fornecimento energético mais estável, para além de posicionar-se na vanguarda da transição energética global, num mundo cada vez mais focado na descarbonização e na redução de emissões de gases de efeito estufa.

“A albufeira de Cahora Bassa enfrenta neste momento uma recessão significativa da sua operação, actualmente, o que significa que o volume de água está bem abaixo do que seria ideal. Estamos a aceder a um armazenamento de pouco mais de 24%, o que representa uma queda de até 60 metros cúbicos no nível da albufeira. Isto é o resultado directo das duas últimas secas consecutivas que forçaram a implementação de restrições incisivas na produção de energia. É uma situação que nos leva a repensar e a acelerar a nossa estratégia de diversificação e gestão hídrica.”

A interdependência regional é clara: 53% da água que chega a Cahora Bassa depende de Kariba, e 13% de Kafue. Este dado sublinha a necessidade de uma gestão hídrica coordenada e da diversificação da matriz energética para mitigar os riscos de uma dependência excessiva. A Autoridade do Rio Zambeze (ZRA) tem um papel crucial na gestão partilhada, como apontado pelo seu CEO, na coordenação com as empresas de energia.

A HCB e os seus parceiros regionais estão a aprender com estas adversidades, transformando o desafio climático num catalisador para a inovação e a resiliência. A implementação de planos de contingência, aprimoramento da previsão hidrológica e a adopção de medidas operacionais adaptativas, incluindo o uso de fontes renováveis são o caminho.

“A médio e longo prazo, a existência de outras infra-estruturas é importante. A Existência de Mpanda Nkuwa é importante para a resiliência de Cahora Bassa, mas tem que ser conjugado com Cahora Bassa Norte, por causa da água”, sublinhou, ressalvando a cooperação e partilha diária de informações com a ZRA, da barragem de Kariba; ZESCO, operadora das barragens do rio Kafue.

A urgência de diversificar

A urgência da diversificação é um tema recorrente nas discussões regionais. Ernest Banda, da ZESCO, sublinhou este ponto ao descrever a experiência da Zâmbia e a necessidade de se afastar da dependência exclusiva da hidro-energia.

“Nós precisamos chegar a mais de 30% de energias renováveis alternativas. E essas vêm do PV solar, que é o maior que nós temos, e também do vento. Esta é a nossa meta para a ZESCO, e acreditamos que é o caminho para toda a região, para construir a verdadeira resiliência”, destacou.

Banda referiu ainda que a Zâmbia irá disponibilizar cerca de 100 MW gerados através de energia solar a partir de Junho, um claro sinal da viabilidade e da rapidez com que estas tecnologias podem ser integradas.

Moçambique, com as suas próprias iniciativas e o apoio de parceiros, está a seguir este caminho, procurando não apenas gerar mais energia, mas também garantir que essa energia seja proveniente de fontes variadas e resilientes às variações climáticas. A vila de Xitima vai acolher dentro em breve um projecto fotovoltaico desenvolvido pela HCB.

A estratégia de diversificação de Moçambique não estaria completa sem a menção do gás natural. Com a descoberta de vastas reservas na Bacia do Rovuma, o País tem o potencial de se tornar um dos principais fornecedores de GNL a nível mundial, como evidenciado pelo Projecto FLNG Coral Sul. Embora o gás natural não seja uma fonte renovável, desempenha um papel crucial como um “combustível de ponte” na transição energética global.

A sua capacidade de fornecer energia de base estável e de forma mais limpa do que o carvão, em particular, permite a integração gradual de fontes renováveis intermitentes (como solar e eólica) na rede eléctrica.

Mphanda Nkuwa e Central Norte vistos como solução para aliviar a sobrecarga

A sua capacidade instalada de 2.075 MW, embora monumental para a época da sua concepção, agora sente o peso da crescente necessidade de electrificação. A sobrecarga não se manifesta apenas em termos de volume de energia exigido, mas também no stress operacional imposto à infra-estrutura, exigindo manutenção constante e, por vezes, forçando restrições de produção em períodos de seca extrema.

Para o alívio da sobrecarga materializa-se em projectos de infra-estrutura de escala transformadora. O mais avançado deles é o de Mphanda Nkuwa, uma nova barragem e central hidroeléctrica projectada para ser construída a jusante de Cahora Bassa, no mesmo rio Zambeze.

Com uma capacidade prevista de 1.500 MW, Mphanda Nkuwa representa um pilar fundamental na estratégia de expansão da HCB e de Moçambique. Nilton Trindade, Administrador da HCB, falando ao Evidências não poupou palavras para descrever a sua importância.

“Mphanda Nkuwa é mais do que uma barragem; é a consolidação do nosso potencial no Zambeze, um projecto que irá multiplicar a nossa capacidade e aliviar a pressão sobre a nossa principal central, garantindo energia estável para o crescimento económico e social”, descreveu Trindade.

A sua localização a jusante permitirá uma gestão optimizada da cascata do Zambeze, garantindo que a água turbinada por Cahora Bassa possa ser reutilizada para gerar ainda mais energia em Mphanda Nkuwa.

Esta complementaridade aumentará a eficiência global do sistema e oferecerá maior flexibilidade operacional, essencial para responder às flutuações da demanda e às variações hidrológicas. Mphanda Nkuwa é, por isso, no entender da HCB, um investimento estratégico para o futuro, que reforça a posição de Moçambique como um exportador líquido de energia e um contribuidor vital para a rede eléctrica da SADC.

Além de Mphanda Nkuwa, a HCB está a explorar o conceito de uma futura Central Norte. Este projecto, embora ainda em fase de estudo preliminar, revela uma perspetiva inovadora de gestão de recursos hídricos. A sua principal função seria a de criar uma “capacidade de encaixe” na albufeira de Cahora Bassa.

“Quando nós entramos para a época da chuva, nós, por exemplo, criamos capacidade de encaixe. Isso é uma medida de gestão da albufeira. Se nós tivermos uma central norte, em vez de verter a água quando a albufeira está cheia, o que é um desperdício de potencial energético, podemos usar essa água para gerar ainda mais electricidade e acumular uma reserva estratégica. É uma forma de optimizar cada gota de água e garantir maior resiliência em períodos secos. É uma medida inteligente e de longo prazo para gerir os níveis de água e optimizar a produção do sistema em cascata”, destaca

Zesco da África do Sul e ZRA defendem resposta coordenada

Ernest Banda, director de Geração de Energia da ZESCO, a empresa de electricidade da Zâmbia, corroborou esta realidade alarmante, ao destacar a vulnerabilidade partilhada e a necessidade de união de esforços.

“Mais de 60% da nossa capacidade de geração são vulneráveis a efeitos climáticos. Esta realidade exige de nós, na região, uma resposta coordenada e inteligente para salvaguardar a nossa segurança energética”, destacou.

O CEO da Autoridade do Rio Zambeze (ZRA), Munyaradzi Munodawafa, a entidade responsável pela gestão integrada da bacia entende que nenhuma nação pode enfrentar as mudanças climáticas de forma isolada.

“A gestão sustentável dos recursos hídricos na bacia do Zambeze é um imperativo partilhado. A coordenação entre todos os países da bacia, e em particular com os operadores das grandes infra-estruturas como Cahora Bassa, Kariba e Kafue, é essencial para garantir a segurança hídrica e energética regional, mitigando os impactos das secas e cheias que se tornam cada vez mais frequentes e severas. Nenhuma nação pode enfrentar estes desafios isoladamente; a cooperação é a nossa maior força”, defendeu Munodawafa.

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