“Moçambique teve um período antes e após a RENAMO, agora tem um período após a ANAMOLA”

DESTAQUE POLÍTICA
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  • Professor e analista político Samuel Simango sobre a ANAMOLA
  • “Os partidos da oposição vão ser mais críticos à ANAMOLA do que à FRELIMO”
  • RENAMO e MDM correm o risco de perder relevância, se não conseguirem reinventar-se
  • A Frelimo vai usar todos meios e instituições para fragilizar a ANAMOLA
  • “A FRELIMO não aprendeu com as manifestações, está à espera que as coisas amainem para voltar a ser…”

A aprovação do partido Aliança Nacional para um Moçambique Livre e Autónomo (ANAMOLA), liderado por Venâncio Mondlane, abriu um novo capítulo no xadrez político nacional. Num contexto em que a Frelimo mantém o poder há cerca de cinco décadas, e a Renamo e o MDM eram, até bem pouco tempo, as principais vozes da oposição, o surgimento de uma nova força política, cujas bases se assentam sobre o capital político de seu fundador, Venâncio Mondlane, levanta questões sobre o equilíbrio de forças, o futuro da democracia no País, a representatividade dos cidadãos e os desafios da alternância de poder. Para compreender os desafios e as implicações desta transformação, o Jornal Evidências conversou com o académico e analista político, Samuel Simango, que acompanha de perto a dinâmica dos partidos e os efeitos das manifestações sociais no país. Na sua leitura, a ANAMOLA vai enfrentar forte resistência, não apenas da FRELIMO, mas também da própria oposição, que, segundo ele, “será mais dura com o novo movimento do que com o partido no poder”. Com uma análise crítica, o entrevistado antevê que tanto a RENAMO como o MDM correm o risco de perder relevância, se não conseguirem reinventar-se, especialmente num contexto em que a sociedade exige respostas mais céleres e inovadoras. Na entrevista, cujos excertos mais importantes reproduzimos a seguir, Simango destaca que a oposição corre o risco de se auto-destruir em disputas internas, enquanto a FRELIMO, mesmo fragilizada pelas recentes manifestações, mantém intacto o seu poder de controlo através do aparelho repressivo e judicial.

 Elísio Nuvunga

Sabe, uma das grandes fraquezas que a FRELIMO aproveita da oposição é que a oposição se digladia muito, existem muitas lutas internas nos partidos.

Moçambique teve um período antes da RENAMO, um período após a RENAMO e agora vamos ter um período antes da ANAMOLA e outro período após a ANAMOLA

Jornal Evidências: Recentemente, o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos autorizou a criação do partido Aliança Nacional para um Moçambique Livre e Autónomo (ANAMOLA), liderado pelo ex-candidato presidencial, Venâncio Mondlane. Como olha para o cenário político, com o surgimento da ANAMOLA?

Samuel Simango – Eu diria que esse novo partido político aparece em um contexto em que o País precisa de uma oposição mais vibrante, uma oposição mais protestatória e capaz de pressionar o poder político a resolver os problemas da sociedade. Também este partido surge no quadro da resolução dos problemas, do conflito que nós tivemos depois das eleições autárquicas e das eleições gerais e provinciais. Surge num contexto em que o País está fracturado, num contexto em que o País precisa de uma reconciliação genuína e, porque não, um momento em que Moçambique tem que se reverberar e traçar novos objectivos.

Professor, está a dizer que a oposição não assumia o seu papel de contra-força do Governo?

Eu não diria que a oposição não assumia o seu papel, mas nós tivemos, nos últimos tempos, uma oposição que foi fragilizada, uma oposição que não traçou e não tomou estratégias mais vibrantes, não conseguiu ocupar o seu espaço político, principalmente porque os dois principais partidos políticos na oposição, eu refirmo aqui: a RENAMO e a MDM, que eram até as eleições gerais de 2024 os partidos com assento parlamentar, foram, de uma certa forma, ficando acomodados, foram fazendo uma oposição clássica. Uma oposição clássica tem bons resultados num contexto de normalidade democrática. Uma oposição clássica funciona na África do Sul, funciona na Zâmbia, funciona no Malawi, funciona em outros países.

E para o contexto nacional?

No nosso contexto, nós precisamos de uma oposição mais vibrante, uma oposição quase que a usar métodos informais. Eu acho que os partidos clássicos, os partidos mais importantes que existiram até 2024, faziam uma política mais formal, e essa política formal parece que não tocava nos corações das pessoas. As suas lideranças muitas vezes não apareciam em público, eram mesmo oposições do Parlamento, enquanto nós precisamos de uma oposição um pouco mais fora do Parlamento, uma oposição capaz de ocupar o espaço político nacional. Portanto, o novo partido, o ANAMOLA, surgiu neste contexto em que os partidos clássicos na oposição não ocupavam o espaço político.

“Eu não acredito que o MDM e o RENAMO possam desaparecer do mapa”

Professor, olhando para os resultados das últimas eleições e para o crescente capital político de Venâncio Mondlane: Que futuro se reserva aos partidos tradicionais, sobretudo a RENAMO e o MDM? Há quem aposte mesmo que possam desaparecer do mapa político…

  Eu não acredito que o MDM e o RENAMO possam desaparecer do mapa político com o aparecimento da ANAMOLA. Não é essa a perspectiva que eu coloco, mas a ANAMOLA e o seu líder, Venâncio Mondlane, vão colocar uma fasquia política muito alta, e essa fasquia política alta que ele vai colocar no cenário político nacional, vai exigir que tanto o MDM quanto a RENAMO passem a fazer política um pouco fora dos caminhos que vinham fazendo.

É preciso que estes partidos voltem a desbravar o ambiente político, voltem a cultivar a machamba política que é Moçambique. Eu não quero afirmar que venham a desaparecer, mas eu tenho certeza de que irão transfigurar-se. Se não se transfigurarem, certamente teremos provavelmente uma queda acentuada da popularidade destes partidos. Mas é preciso ter em conta que tanto a RENAMO como o MDM são partidos com uma presença nacional. Agora, o que é necessário, de facto, é que estes partidos se transfigurem, é necessário que voltem a trabalhar muito bem.

Venâncio Mondlane e a ANAMOLA têm o seu eleitorado jovem. O eleitorado que não conheceu a luta pela democracia ou a guerra civil. É um eleitorado que nasceu depois do ano 2000. Este eleitorado praticamente está com o Venâncio Mondlane, mas ainda existe outro eleitorado que a RENAMO ou o MDM podem manter e consolidar. Daí que eu diga que não vejo o perigo de desaparecimento, mas vejo que estes dois partidos, que têm uma dimensão nacional, precisam de se reestruturar. E eu, quando falo de reestruturação, não me refiro apenas à mudança de pessoas, mas à optimização das suas estratégias políticas, fazer com que os órgãos partidos se reúnam mais vezes, que os partidos deixem de ser unipessoais, mas pluripessoais. Eu acredito que a ANAMOLA vai espicaçar estes dois partidos para voltarem a granjear as simpatias que tinham.

E quanto ao partido PODEMOS, como é que fica?

 O partido tem que fazer um esforço titânico. Nós sabemos que o PODEMOS tem a bancada que tem catapultado pela figura do Venâncio Mondlane e um partido, quando aparece, para desaparecer não é fácil, contudo este poderá ter, na minha óptica, maiores problemas de inserção política do que a ANAMOLA e o MDM.

“A FRELIMO vai usar todos os meios para fragilizar a ANAMOLA”

 Historicamente, a política moçambicana é marcada por tensões e perseguições políticas. Acha, que a ANAMOLA terá uma trajectória ou destino diferente?

 Na política não há ingenuidade. O método que foi sempre usado pela FRELIMO para debilitar os outros partidos foi a perseguição, o encerramento do espaço político, ataque aos membros e simpatizantes de outros partidos políticos para que não fizessem política. E esta estratégia, infelizmente, vai ser continuada. E não só vai ser continuada, como está sendo colocada em acção. Vimos, há dias, dizer que, em Inhambane, um secretário de uma localidade criou um esquadrão da morte para eliminar fisicamente um membro influente da ANAMOLA. E também vimos na Zambézia que começaram as perseguições, inclusive houve uma revolta dos populares, foram até à casa do comandante da polícia ameaçá-lo, fazendo-o ver que essas atitudes de perseguição não são boas. Eu acredito que as perseguições políticas em Moçambique irão continuar.

Mas há solução para colocar fim às perseguições?

 Acredito, inclusive, que mesmo o acordo político que foi assinado não vai resolver este problema, porque faz parte do DNA da política moçambicana. Portanto, estaríamos a ser ingénuos se pensássemos que os membros da ANAMOLA não fossem vítimas de perseguição política. Isso aconteceu mesmo com a RENAMO. Mesmo a RENAMO tendo armas na altura, os seus membros civis nas cidades foram vítimas de perseguição, e até de morte.

O MDM também passou por essa fase de perseguição e até morte dos seus membros. E eu penso que a ANAMOLA também vai ter os mesmos problemas. Agora, é preciso acabar com isso. E como acabar com isso? Acredito que é necessário que os partidos da oposição se juntem e clamem que isso se termine. Se não acabarem essas perseguições, certamente vão ser usadas para fragilizar a oposição e, acima de tudo, fechar o espaço político para a oposição e ele ficar apenas aberto para a FRELIMO.

Sabe-se que o ANAMOLA também surge em um momento conturbado, fora as perseguições. Que desafios institucionais poderá enfrentar nos próximos dias?

Eu acho que a ANAMOLA ainda vai ter muitos desafios porque, pelos vistos, essa questão da reconciliação nacional não é feita com a seriedade necessária, é apenas para amainar o descontentamento da juventude, amainar o descontentamento da população. Logo que a FRELIMO se aperceber de que a situação de descontentamento passou, certamente que ela vai agir no sentido de criar mais problemas, particularmente para a ANAMOLA.

E a FRELIMO como tem o controlo das instituições do Estado, tem o controlo da máquina defensiva do Estado, tem o controlo da justiça do Estado, certamente que vai usar todos esses elementos, vai usar todas as instituições para fragilizar a ANAMOLA. Nem que, para isso, se crie uma ideia de que é necessário matar politicamente o Venâncio Mondlane para a FRELIMO não ter oposição.

“A FRELIMO vai continuar com a arrogância, não aprendeu com as manifestações”

Após as manifestações violentas em protestos dos resultados eleitorais de 09 de Outubro, esperava-se uma FRELIMO, diferente, moldada, sobretudo arrependida. Porém, ainda se vê a mesma FRELIMO galvanizada pelo ADN de arrogância de sempre, ou seja, que não ouve as aflições do povo. Combinados esses elementos, o que se pode esperar da FRELIMO com este novo actor político?

Eu penso que a ANAMOLA é um partido que surge em um contexto de descontentamento social, num contexto de crise profunda da sociedade moçambicana e também num contexto onde a população, o povo moçambicano está muito exigente, exige mais aos políticos do que exigia antes. Portanto, a FRELIMO vai continuar a fazer a sua arrogância, mas eu acredito que a resposta da sociedade vai ser diferente.

Eu costumo dizer que Moçambique teve um período antes da RENAMO, um período após a RENAMO e agora vamos ter um período antes da ANAMOLA e outro período após a ANAMOLA, um período em que a sociedade se desestruturou, onde a sociedade consegue manifestar por tudo e por nada, a pressão política vai ser muito maior, mesmo assumindo que a FRELIMO vai continuar com a arrogância, vai continuar com o pé duro sobre as instituições da justiça, as instituições económicas, as instituições de repressão pública, mas hoje há uma mensagem clara de que as coisas têm que mudar. Agora, esperemos também que o acordo político assinado no 5 de Março e essa comissão técnica que foi criada para trabalhar os vários assuntos do país venha a mudar alguma coisa, embora eu tenha as minhas reticências.

Porque a FRELIMO não aprendeu com as manifestações, ela sentiu as manifestações na pele, viu as suas sedes queimadas, os seus membros amedrontados, mas como ela tem o aparelho repressivo, o aparelho judicial, está apenas à espera que as coisas amainem para voltar a ser a mesma de sempre.

E, professor, qual é a lógica por detrás deste comportamento arrogante da Frelimo depois de tudo o que vimos nas manifestações?

 Primeiro, porque ela tem a consciência de que não precisa do voto popular para ganhar as eleições. Ela tem essa consciência porque no dia em que ela perceber que o voto popular pode tirar a FRELIMO do poder, vai mudar de comportamento. Mas enquanto ela pensar que o voto popular é apenas mais um exercício para o mundo saber que Moçambique tem eleições, não vai mudar de comportamento. Também é preciso ter em conta que se muda de comportamento, perde eleições, porque, se mudar, vai abrir um espaço político para todos os partidos políticos.

A FRELIMO no dia em que deixar que a TVM seja uma televisão que fala da verdade, que também faz publicidade e propaganda dos outros partidos políticos, no dia em que a RM passar a ser uma rádio dos moçambicanos para os moçambicanos, onde cada partido pode veicular a sua propaganda, pode veicular a sua ideologia, as suas propostas de definição, nessa altura a FRELIMO perde eleições. A FRELIMO não pode deixar a arrogância, não pode deixar de controlar os meios de informação, não pode deixar de controlar a justiça, não pode deixar de controlar o exército, não pode deixar de controlar a polícia, porque no dia em que deixar isso e tornar este país num país normal, certamente perde as eleições.

“Os partidos da oposição vão ser mais críticos à ANAMOLA do que à FRELIMO”

Professor, ainda nessa linha de pensamento, com uma oposição robusta e unida, não seria possível influenciar a FRELIMO para a mudança de comportamento e, talvez, o fim da arrogância?

 Sabe, uma das grandes fraquezas que a FRELIMO aproveita da oposição é que a oposição digladia-se muito, entre líderes, entre os seus membros, e isso não permite uma coesão da oposição, a oposição anda muito dividida, a oposição tem um espírito de cada um tem que lutar por si, e há momentos históricos que nós conhecemos em que alguns partidos da oposição juntaram-se à FRELIMO para combater outros partidos da oposição, e isso não pode continuar.

Quando o MDM surgiu, a RENAMO juntou-se à FRELIMO para evitar que o MDM concorresse em todos os círculos eleitorais, e esse assunto continua até hoje. Eu não encontro a racionalidade de o MDM e a RENAMO, nas eleições passadas, não terem conseguido se coligar para as autarquias e para o pleito geral e provincial, mas esses partidos odeiam-se de tal maneira que preferem aliar-se à FRELIMO para odiar outro partido. União não significa matar os outros partidos, significa traçar estratégias comuns para o objectivo, o mais importante que a oposição tem, que é o poder do Estado. Agora, se a oposição não tem o objectivo de se tornar o poder do Estado, aí fica muito difícil de se juntar, de se unir, de se entender para formar aquilo que eu chamaria de uma frente ampla, da oposição. Provavelmente os partidos na oposição vão ser mais críticos à ANAMOLA do que à FRELIMO, vão estar mais à frente no combate à ANAMOLA –  esse será o objectivo principal desses partidos, mais do que a própria conquista do poder.

Parece-me que os partidos na oposição não têm como objectivo a conquista do poder, têm o objectivo de se manter na oposição, por isso não conseguem se entender quando se trata de unir esforços.

Professor, o tempo passa rápido. Este ano já se foi e daqui a mais alguns anos vem o ciclo eleitoral. Qual é a perspectiva em relação ao desempenho esperado dos principais partidos: ANAMOLA, Frelimo e a oposição no seu todo?

 Fazer um prognóstico hoje para as eleições de 2028 e 2029 me parece um pouco precipitado, mas acho que há uma necessidade de se abrir o espaço político nacional. Vamos ao exemplo do espaço aéreo moçambicano: Todas as empresas que vieram aqui para operar, depois de algum tempo descobriram que o espaço aéreo estava fechado, quer dizer que tudo o que era feito era para beneficiar a LAM. Na política moçambicana isso também acontece, que o espaço político moçambicano está sendo fechado para os partidos da oposição. É o régulo, é o chefe da localidade que não deixa que os partidos da oposição façam política, é o administrador, é o governador, é o governo central, todos esses procuram fechar o espaço político nacional para os partidos da oposição trabalharem.

Então, se não se abre o espaço político para os partidos políticos trabalharem, certamente terão muita dificuldade de chegar às eleições, tanto autárquicas como gerais e provinciais, em condições de ombrear com a FRELIMO. Mas se a FRELIMO abrir o espaço político, acredito que as eleições serão muito renhidas e existe a possibilidade real de a FRELIMO não ganhar ou, se ganhar, será com uma margem relativa muito pequena…

Chegamos ao fim da nossa entrevista, Professor Simango. Muito obrigado pelo tempo dispensado. Portanto, gostaria de saber se tem algum dado adicional a partilhar ou uma mensagem final que queira deixar ficar?

 Apelo aos partidos políticos da oposição que sejam vigilantes nesta comissão técnica que está a trabalhar a refundação do País. Porque se nesse diálogo político que está a se pensar, se a comissão técnica, a oposição desperdiçar vai ser o fim dela. A oposição vai desaparecer porque estará a demonstrar para a sociedade moçambicana que ela é irrelevante.

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