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- Cerca de 10.960 novas ligações entre 2022 e 2024 abrem espaço para empreendedorismo
- Chókwè já tem mais de 48 mil famílias ligadas à rede eléctrica, atingindo 87% de cobertura
- “Estamos a reforçar a rede com novas linhas de média e baixa tensão”, garante ProEnergia
- Mas bairros 4, 6 e 7 de Chókwè continuam às escuras após décadas de espera pela electricidade
No rosto de Isabela Alberto, 40 anos, o brilho da luz eléctrica confunde-se com o brilho da esperança. Onde antes havia escuridão, velas caras e noites de medo de incêndio, hoje há luz, segurança, facilidade de estudos e até um pequeno negócio familiar. A electrificação da sua casa, em Chókwè, transformou não só a rotina dos quatro filhos, mas também o futuro da família. A história de Isabela é apenas uma entre as 10.960 novas ligações feitas entre 2022 e 2024 pela Electricidade de Moçambique (EDM) – Área de Serviço de Chókwè, que levaram energia a escolas, hospitais e comunidades rurais. O impacto vai além da luz: abre espaço para o empreendedorismo, melhora o ensino, reforça a saúde e cria novas oportunidades de rendimento. Contudo, Evidências escalou o 4.º, 6.º e 7.º bairros, onde constatou que mesmo com estes avanços, ainda permanecem às escuras, mostrando que, embora a electrificação rural tenha avançado significativamente, há famílias que aguardam novas ligações há décadas.
Edmilson Mate, em Gaza
Em Chókwè, as noites já não são apenas escuridão. Onde antes havia velas caras, medo de incêndios e crianças a estudar à luz fraca, hoje há lâmpadas, segurança, negócios florescentes e esperança renovada.
Mais de 48 mil famílias já têm energia elétrica em Chókwè, o que corresponde a 87% de cobertura da rede nacional, segundo a EDM. O avanço resulta do impulso do Programa Energia para Todos com a realização de cerca de 10.960 novas ligações entre 2022 e 2024, que levaram luz a bairros, escolas, unidades sanitárias e comunidades rurais, transformando o quotidiano de milhares de pessoas.
A meta do programa Energia para Todos é electrificação universal até 2030. Até lá, histórias de progresso e frustração coexistem lado a lado, num distrito onde a electricidade já transformou vidas — mas continua a ser um sonho adiado para algumas famílias, que aguardam impacientes pelo dia em que poderão também ter luz.
Ao Evidências, Isabela Alberto, de 40 anos de idade, mãe de quatro filhos, recorda com amargura os dias em que a sua casa permanecia mergulhada na escuridão.
“Antes de ter energia em casa, era muito difícil. Até para as crianças fazerem os trabalhos da escola não era possível”, contou-nos, num sorriso tímido, mas com um suspiro de alívio.
Naquela época, as velas eram o único recurso para iluminar as noites longas causadas pela escuridão. A luz fraca não permitia os seus filhos estudarem por muito tempo e os riscos de incêndio eram maiores.
“As velas acabavam rápido e muitas vezes ficávamos no escuro, principalmente no inverno, em que não demora anoitecer. Além disso, havia sempre o medo de incêndio, porque as crianças podiam empurrar as velas sem querer”, explica.
“A energia veio acender o espírito empreendedor que já existia em mim”

Com a chegada da electricidade, o quotidiano da família transformou-se. Os filhos agora podem estudar e fazer o TPC à noite, engomar os seus uniformes escolares, a casa tornou-se mais segura e a própria Isabela descobriu um novo caminho para sustentar a família.
“A energia veio acender o espírito empreendedor que já existia em mim. Porque antes da energia eu era vendedora ambulante, vendia bolinhos na cidade de Chókwè, mas com a energia consegui abrir esta pequena mercearia e um take-away. Hoje dependo da energia quase para tudo do congelador, da máquina de fritar batatas; se a energia falha, o meu negócio pára”, refere.
Nem o peso da factura mensal é suficiente para frear o seu encanto com o advento da luz. Aliás, lembra, com a alguma melancolia, do parto do seu primeiro filho, o qual foi à luz de velas.
“No meu primeiro parto não havia energia no hospital. Foi muito complicado, porque os parteiros não tinham as condições necessárias, mas, hoje, penso que muitas mães já não passam pelo mesmo sofrimento, porque a energia mudou também a forma como os hospitais atendem as pessoas”, defende.
“Hoje, sem energia, não posso trabalhar e minha vida pára’’
Quem também viu a electricidade transformar a sua vida é Salomão Judas, de 31 anos. O jovem serralheiro ergueu o próprio negócio, sustenta a família e já deu emprego a outros jovens da comunidade.

“Energia, para mim, é tudo. Sem energia, não posso trabalhar”, afirma Salomão Judas, jovem empreendedor de 31 anos que encontrou na electricidade o alicerce para transformar conhecimento em sustento.
Há 15 anos dedica-se à serralharia, quando entrou como aprendiz na oficina do seu antigo patrão, de quem aprendeu a arte de talhar o ferro. Uma tragédia, morte do seu mestre, combinada com a chegada de energia no seu bairro, há cerca de cinco anos, fizeram descobrir nele um empreendedor e hoje a energia eléctrica é a base que lhe permite manter o seu negócio, sustentar a família e dar emprego a dois jovens.
“Já tenho discípulos que hoje fazem as suas próprias coisas. Uns três seguiram o mesmo caminho e continuam a trabalhar nesta área. Sem energia, não consigo trabalhar. É cara, mas uso todos os dias. Com o trabalho que faço, consigo um lucro que me permite comprar energia. Por isso prefiro usar o meu próprio contador e não compartilhar com ninguém”, conta com orgulho.
Graças ao ofício, Judas já realizou parte dos seus sonhos: comprou um terreno e construiu uma casa, onde hoje vive com a esposa e os três filhos.
“Consegui comprar um terreno e construir uma casa. Não é grande, mas já é fruto do meu esforço. E tudo isso só foi possível por causa do meu trabalho e da energia”, conclui.
Mas enquanto Salomão e Isabela — outra beneficiária da electrificação em Chókwè — transformam as suas vidas graças à luz, há famílias continuam mergulhadas na escuridão. Nos bairros 4, 6 e 7, moradores como Fátima Mandlaze e Tina Tivane esperam há décadas pela ligação à rede eléctrica. As linhas de alta tensão cruzam o céu sobre as suas casas há anos e agora a única esperança reside nos postes de baixa tensão já colocados nas duas, com previsão de ligação até Novembro próximo.
Avó Fátima já sonha em empreender

Sentada na sombra da sua casa, ao lado da neta; Fátima Mandlaze, de 68 anos, residente no 4º bairro, partilhou com a nossa equipa de reportagem a expectativa pela chegada da electricidade na sua casa.
“Comprei estes equipamentos para serem usados, porque vejo os carros da EDM a passarem para outras zonas a electrificar, e, mesmo aqui atrás da minha casa, existem essas linhas grandes que levam energia para outras zonas. Fiz a instalação e estou à espera. Enquanto isso continuo dependente apenas de velas e energia solar”, contou ao Evidências.
A falta de electricidade não afecta apenas o conforto, mas também os sonhos de empreender. Fátima explica que assim que tiver energia irá comprar uma geleira para vender água gelada e gerar alguma renda.
“Tenho uma pequena banca aqui em casa. Penso em vender água gelada e outras coisas, mas não consigo porque ainda não há energia. A minha neta também não consegue estudar à noite nem engomar o uniforme para ir à escola”, lamenta, mas sem perder a esperança.
A poucos metros dali, Tina Tivane, de 38 anos, mãe de cinco filhos, enfrenta a mesma espera pela energia eléctrica. Tal como Fátima, construiu a sua casa, fez a instalação eléctrica e até colocou um “postelete”, na esperança de ver um fio a ser conectado.
“Fizeram uma reunião ontem com os lideres comunitários, a dizer que vão começar a colocar a energia, mas aqui na minha rua não tem poste”, desabafou, algo desanimada, anotando que a falta de electricidade também agrava a insegurança.
“Viver sem energia é difícil, porque existe muita criminalidade. Há dias entraram na minha casa e roubaram o meu celular enquanto eu dormia. Senti-me indefesa. Se tivesse energia, a minha casa estaria iluminada e talvez não tivesse acontecido. Mas acredito que um dia a energia vai chegar. Não tenho outra opção a não ser esperar”, concluiu
O chefe do quarteirão, Manuel Cossa, confirma que a falta de energia tem sido motivo de constantes reclamações, contudo prefere agarrar-se na esperança, afinal, reconhece que a energia eléctrica já não está distante.
“Na verdade, a energia já está perto. Temos zonas próximas que já foram electrificadas e até aqui no bairro passam linhas de alta tensão. Isso mostra que não estamos totalmente esquecidos. Eu acredito que dentro em breve com um pouco mais de paciência a energia vai chegar”, disse.
Mais de 48 mil famílias já têm acesso à energia eléctrica em Chókwè
Apesar deste contraste entre a satisfação e a expectativa ainda não correspondida, a Área de Serviço da EDM em Chókwè (ASC), em resposta a uma carta enviada pelo jornal Evidências, diz que a electrificação está aos poucos a atingir todas as localidades e bairros ao longo da última década, o que “impulsionou a produção industrial, o comércio e os serviços, criou empregos e melhorou a qualidade de vida através do acesso a serviços básicos, como saúde, educação, transporte e comunicação”.
Apesar dos avanços, a EDM reconhece que ainda há zonas sem cobertura eléctrica. Entre os bairros excluídos destacam-se o 4.º, 6.º e 7.º Bairro, bem como Chate, Manjague, Chinangue e Tlhelhene, onde vivem cerca de 2.820 famílias sem electricidade. Também permanecem às escuras instituições públicas como a EPC de Nhangalatine, a EPC de Chate, a Escola Básica de Chinangue, a EPC de Sanjane, além dos postos de saúde de Chate e Chinangue e o centro de saúde de Sanjane.
A empresa garantiu que estas áreas serão abrangidas na nova fase do programa Energia para Todos, com início previsto para Novembro deste ano.
Entre os principais desafios para a expansão da rede, a EDM-ASC aponta a escassez de fundos e o vandalismo de infra-estruturas eléctricas, factores que têm atrasado vários projectos.
Programa Energia para Todos acelera a electrificação no País

A nível nacional, a taxa de acesso à eletricidade subiu de 60,1%, em Dezembro de 2024, para 63,6% em 2025, segundo dados da EDM no âmbito do Programa Energia para Todos. Em entrevista ao Evidências, Issufo Somar, representante do ProEnergia, destacou o ritmo acelerado da expansão da rede.
“A taxa de acesso à electricidade até Dezembro de 2024 era de 60,1% e actualmente já atingiu 63,6%. Este crescimento demonstra que estamos a caminhar firmes rumo à electrificação universal”, afirmou.
Só em 2025 está prevista a ligação de 600 mil novas famílias em todo o País, sendo que, até ao momento, mais de 337 mil famílias já tiveram acesso pela primeira vez, beneficiando cerca de 1,7 milhões de moçambicanos.
Antes do programa, a média anual não ultrapassava 150 mil novas ligações. Actualmente, o número ultrapassa as 500 mil, permitindo um crescimento médio de 7% ao ano — um marco inédito na história do sector eléctrico em Moçambique.
“Gaza é um corredor fundamental na transmissão de energia eléctrica em Moçambique. Está ligada a Inhambane por linhas de 110 kV, à capital Maputo pela linha de 400 kV da Central Térmica de Temane e conta agora com o reforço da nova subestação de Chibuto”, explicou Somar.
Actualmente, a cobertura eléctrica da província é de 83%. Para consolidar os avanços, está prevista a construção de 279 km de rede de Média Tensão, 247 km de Baixa Tensão, a montagem de 213 postos de transformação e a ligação de cerca de 31.500 novas famílias, beneficiando directamente os distritos de Chókwè, Guijá e Mabalane na segunda fase do ProEnergia (2025–2026).
Os principais obstáculos continuam a ser técnicos e logísticos, incluindo a demora na chegada de materiais importados, condições climáticas adversas, estradas em mau estado e dificuldades de acesso a zonas remotas. Casos de vandalização, roubo de materiais, consumo ilegal e até protestos pós-eleitorais também têm provocado atrasos e a paralisação de obras.
“Para garantir novas ligações temos reforçado a rede nacional com a construção de linhas de média e baixa tensão e a montagem de postos de transformação. Paralelamente, decorrem trabalhos de levantamento topográfico, desenho de projectos detalhados e campanhas de engajamento comunitário para gerir expectativas”, disse Somar.
Além da expansão da rede, o programa aposta em soluções descentralizadas para zonas rurais de difícil acesso.
“O Energia para Todos é implementado pela EDM e pelo FUNAE, com apoio de parceiros de cooperação. Embora o foco principal seja a rede nacional, estamos a promover alternativas como sistemas solares fotovoltaicos individuais e mini-redes, destinadas a escolas, centros de saúde e residências”, concluiu.

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