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- Crise de liquidez: salários atrasados e investimentos estagnados
- Zandamela disse não àsegunda vez e deixou Governo com contas no vermelho
- Dívida interna já representa 41,5% do total, ultrapassando a dívida externa multilateral
- Próximos dias podem ser piores, se investimentos como o da Total não forem viabilizados
Moçambique enfrenta uma grave crise de liquidez que tem pressionado as contas públicas, resultando no atraso do pagamento de salários aos funcionários públicos e congelamento de investimentos em sectores sociais. Numa situação de endividamento interno extremo, que pela primeira vez superou o saldo da dívida externa, o Governo não honra com os seus compromissos de forma atempada, tornando os bilhetes e titulos de tesouros cada vez menos apeteciveis para os bancos. Em défice e com a confiança do sector bancário perdida, o Governo, silenciosamente, recorreu, recentemente, às reservas do Banco de Moçambique, uma medida excepcional prevista por lei e o valor deve ser posteriormente ressarcido. E porque as contas estão longe de ser balanceadas, o Executivo tentou voltar ao Banco Central, no mês passado, mas viu a sua pretensão a ser recusada, o que gerou perturbações na despesa pública e folha de pagamento, incluindo atraso de salários. Especialistas alertam que, caso não haja milagres, os próximos meses poderão ser ainda mais difíceis.
Reginaldo Tchambule
Desde a revelação das dívidas ocultas em 2016, Moçambique enfrenta uma crise fiscal profunda que moldou a forma como o Estado gere as suas finanças. O impacto imediato foi a perda de cerca de 800 milhões de dólares anuais de apoio directo ao orçamento, fundos que eram fornecidos pelos parceiros de apoio programático para custear investimentos sociais, infra-estrutura e despesas correntes.
Esse corte deixou o governo numa posição vulnerável, forçando-o a buscar alternativas internas para financiar o funcionamento do Estado. Durante uma década, o Executivo de Filipe Nyusi recorreu sistematicamente à emissão de bilhetes de tesouro, instrumentos de dívida de curto prazo, para cobrir a despesa pública.
Esta prática criou um ciclo de endividamento permanente: cada bilhete emitido cobria uma necessidade imediata, mas aumentava a dívida interna e pressionava o orçamento futuro, obrigando o Governo a emitir novos títulos para pagar juros e amortizações. A dependência de dívida interna elevou a exposição do país a riscos de liquidez.
Neste momento, a dívida interna já representa 41,5% do total, ultrapassando a dívida externa multilateral. Esta tendência, segundo o relatório, exerce pressão sobre as taxas de juro e o crédito ao sector privado.
A situação agrava-se com o custo associado aos Bilhetes do Tesouro, instrumentos de dívida de curto prazo. No primeiro semestre, os juros pagos com estes títulos ascenderam a 10.616,4 milhões de meticais, um valor equivalente a praticamente todo o valor despendido em bens e serviços em toda a função pública e superior à metade de todo o investimento público executado.
Neste momento, o Governo não está a pagar a dívida pública, tanto interna assim como externa, o que reduziu a sua confiabilidade a todos níveis e num contexto em que há uma queda drástica de investimento directo estrangeiros e não só.
É este o cenário, aliado aos recorrentes atrasos e falhas no pagamento das dívidas que vem acumulando, sobretudo com os bancos e investidores, através de bilhetes e títulos de tesouro, Governo perdeu confiança na praça, tornando títulos cada vez menos atractivos.
Encurralado, o executivo, recorreu recentemente ao Banco de Moçambique para se financiar através da prerrogativa legal que tem para poder recorrer, em casos excepcionais, a bilhetes de tesouro. A operação, feita no maior sigilo, permitiu aliviar a pressão da despesa pública durante algum tempo.
Zandamela disse não quando Governo queria meter mais uma vez a mão nas reservas
O mesmo dispositivo legal que dá a prerrogativa de o Governo usar fundos das reservas obrigatórias para financiar a sua despesa, estabelece a obrigatoriedade de sua devolução. O Governo não só não devolveu o dinheiro devido à pressão crescente das dívidas acumuladas e seus juros, como também tentou voltar a recorrer às reservas.
No entanto, esta operação não foi frutífera, pois o Banco Central negou de conceder mais um saque ao executivo, o que não só frustrou a expectativa do executivo de Daniel Chapo, como também gerou perturbações na execução da despesa pública, devido à crise de liquidez.
A situação fez com que o Governo enfrentasse dificuldades até para pagar salários, cenário que se arrastou até ao princípio do presente mês. Até ao fecho desta edição, havia relatos de funcionários que não tinham recebido os seus ordenados.
A crise é alimentada por dívidas acumuladas internamente e compromissos externos, somadas à falta de novos investimentos. Projectos congelados como o da TotalEnergies, cuja retomada estava prevista inicialmente para Maio, têm impedido a entrada de dólares e a circulação de recursos na economia.
O impacto directo já é sentido na população: funcionários sem salários, enquanto empresas enfrentam dificuldades de operação. Fontes do sector financeiro descrevem a situação como um ciclo insustentável de endividamento, que agora atinge o limite das reservas do Estado. A situação é descrita como crítica e com tendência a piorar.
O panorama económico actual contrasta com anos anteriores, quando o governo recorria regularmente a bilhetes de tesouro e a outros instrumentos de crédito para manter a circulação de dinheiro. Hoje, com essas opções esgotadas, a economia nacional corre o risco de desaceleração ainda mais profunda, enquanto o sector privado aguarda a retomada de projectos estratégicos para captar investimentos e gerar fluxo de caixa.
Refira-se que a execução do Orçamento do Estado no primeiro semestre de 2025 apresenta “riscos fiscais significativos” e um desempenho “globalmente fraco e desequilibrado” nos sectores prioritários de desenvolvimento. O alerta é partilhado num Documento de Posição da Sociedade Civil, elaborado para a 21ª Sessão do Observatório de Desenvolvimento Nacional, que analisou a execução do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE).
O relatório, a que o nosso jornal teve acesso, revela que, até Junho de 2025, a despesa pública total executada foi de 213,4 mil milhões de meticais, correspondendo a apenas 41,6% da dotação anual. A análise expõe um desequilíbrio estrutural: enquanto as despesas de funcionamento, sobretudo com pessoal, atingiram 47,9% da previsão, o investimento público ficou-se pelos 20,2%, e a despesa nos sectores prioritários (como Educação e Saúde) por apenas 36,6%.

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