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- Tio Peixe perdeu mais de um milhão de meticais e burladores foram detidos quando tentavam burlar na UDDIN Comercial
Várias empresas moçambicanas afirmam ter sido vítimas de um esquema de burla milionário envolvendo uma rede organizada que opera com aparente cobertura institucional. Segundo denúncias recolhidas pelo Evidências, os supostos mentores e executores do esquema foram detidos no passado sábado e apresentados à imprensa na terça-feira seguinte, mas posteriormente libertados pela procuradora que fez a triagem — mesmo com provas consideradas “inegáveis”.
De acordo com os relatos, em menos de um mês as burlas terão ultrapassado cinco milhões de meticais, afetando pelo menos três empresas. Entre as vítimas do esquema, que se supõe articulado com elementos bancários e autoridades, está a cadeia de venda de mariscos e frescos Tio Peixe, que teve prejuízos superiores a 1,3 milhão de meticais.
Para lograr os seus intentos, os burladores, altamente habilidosos, simularam pertencer à empresa Matsinhe e Filhos e solicitaram faturação de peixe carapau (tamanhos 16 a 22), frango congelado, “patinhas” e “pedaços”, em quantidades industriais, totalizando pouco mais de 1.300.000 meticais.
Feitas todas as diligências por telefone, os burladores solicitaram o número da conta da empresa Tio Peixe. Em pouco tempo, o valor facturado aparecia refletido no sistema contabilístico, mas sem estar disponível. Curiosamente, os meliantes enviavam às vítimas bordereaus aparentemente autênticos de um dos bancos da praça, o que levanta a possibilidade de envolvimento de funcionários bancários na rede criminosa.
Sem desconfiar — até pela reputação da empresa usada e a aparente idoneidade dos interlocutores — os donos do Tio Peixe autorizaram a entrega da mercadoria.
No dia seguinte, por volta das 7h30, os camiões dos burladores já estavam posicionados e carregaram a mercadoria. Só 48 horas depois os proprietários perceberam que tinham caído numa cilada: o valor nunca ficou disponível e desapareceu do saldo contabilístico.
O caso foi reportado na 5.ª Esquadra da PRM da Machava, na cidade da Matola, inicialmente contra autores desconhecidos. Durante a investigação, foi identificado um cidadão burundês como receptor das mercadorias roubadas.
O mesmo chegou a ser detido, mas, segundo apurou o Evidências, foi libertado após pagar cerca de 300 mil meticais de suborno aos agentes que conduziram a detenção — facto que levanta suspeitas de corrupção e interferência judicial.
O dia da detenção
Mesmo sob investigação e após a libertação de um dos principais receptores, os burladores continuaram a fazer vítimas. No último sábado, a escolhida foi a UDDIN Comercial, também do ramo de alimentos congelados.
Desta vez, os burladores identificaram-se em nome da empresa DR Logística e solicitaram vários produtos: 112 caixas de carapau 16, 85 de carapau 22, 97 de frango, 75 de “patinhas” e 50 de “pedaços”, no valor de 1.085.950 meticais.
Curiosamente, as solicitações eram sempre feitas à porta do fim de semana, com fecho na sexta-feira e levantamento ao sábado. No último sábado, os camiões foram colocados à porta da UDDIN Comercial, no bairro do Zimpeto, prontos para carregar.
Contudo, por já ter sido vítima de um golpe idêntico, a gerência decidiu verificar referências, enquanto simulava aguardar um carregamento adicional. Ao pedir referências, os burladores alegaram já ter feito negócios com o Tio Peixe — o que levou a UDDIN a confirmar a informação. A resposta foi imediata: tratava-se dos mesmos burladores.
Foi então solicitada a intervenção policial e do Serviço Nacional de investigação Criminal (SERNIC), e os burladores foram detidos em flagrante delito, sendo sido conduzidos à esquadra de Matendene, onde aguardavam diligências ulteriores até esta quarta-feira.
A empresa Tio Peixe compareceu naquela unidade policial e efetuou o reconhecimento dos indivíduos e dos camiões pertencentes à empresa Carcade Moçambique, sobretudo o da chapa de matrícula AJB 525 MP, que esteve em todos carregamentos da mercadoria objecto das burlas.
A empresa alertou à distribuidora de produtos comerciais a grosso CICOTI que também, nos mesmos moldes, sofreu prejuízos de mais de 900 mil.
Todas as empresas juntaram provas de correspondências, cotações, faturas e demais elementos da fraude milionária, na esperança de ver os infratores e seus mandantes responsabilizados — mas debalde.
Procuradora que promoveu soltura sob suspeita
Esta quarta-feira, a procuradora de Kamubukwane, no decurso da triagem, decidiu libertar todos os suspeitos sob Termo de Identidade e Residência (TIR), ignorando as provas existentes e o risco de fuga e de obstrução à justiça, comum em casos de crime organizado. A soltura dos principais suspeitos foi descoberta esta quinta-feira quando a CICOTI se dirigiu a aquele posto policial para participar a sua denúncia contra o grupo.
“Esses mesmos que vimos serem presos, a Procuradoria agora diz que são inocentes, enquanto as provas estão aqui, à vista”, lamentou uma das fontes, que exige explicações formais do Ministério Público.
Segundo os denunciantes, há documentos, fotografias e registos bancários que comprovam o envolvimento direto dos acusados — elementos que terão sido ignorados pela procuradora, agora sob suspeita. É que soltou os suspeitos sob elegação de serem simples transportadores, mas sem que indicassem os seus mandantes, o local para onde era destinada a mercadoria, entre outros elementos que levariam ao esclarecimento do caso.
“Três empresas estão a chorar neste momento”, desabafou um dos empresários, acrescentando: “há evidências sólidas de burla e falsificação. Queremos saber como é que a Procuradoria soltou todos esses indivíduos com provas tão evidentes”.
Os empresários admitem preparar uma exposição e denúncia formal ao Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) e ao Conselho Superior da Magistratura Judicial, pedindo a abertura de um inquérito sobre a atuação da magistrada que decidiu libertar os suspeitos — num contexto em que há informações de envolvimento de pessoas poderosas por detrás do esquema.
Enquanto isso, as empresas lesadas continuam sem ver os seus prejuízos compensados e temem que os responsáveis desapareçam impunes.

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