Entre o ouro da coroa e a luz da consciência, reside a Democracia

OPINIÃO
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Nilza Dacal

ʺO verdadeiro poder não está em governar por mais tempo, mas em construir instituições que resistam à ausência de quem governa. ʺ

 O poder é o espelho mais implacável do carácter humano. Em qualquer nação, o poder não transforma o Homem, apenas o revela. Quem ascende ao “trono”, seja ele o mais alto cargo do Estado ou uma posição de direcção intermédia, carrega dois fardos: a confiança do povo e o peso da própria consciência.

O desafio da nossa governação diária é precisamente o equilíbrio entre ambos. O “trono” simboliza a autoridade que a Constituição confere, a responsabilidade de conduzir e de gerir os recursos que são de todos. Mas é também o palco onde a nossa ética colectiva é testada, onde o governante é tentado a trocar o interesse nacional pela conveniência individual ou de grupo.

A consciência é o trono invisível da autoridade moral. É ela que deve guiar a gestão dos recursos públicos, que mede a distância entre as promessas eleitorais e as acções concretas. É esta consciência que distingue o poder legítimo do arbitrário. A legitimidade não se sustenta apenas na aclamação ou nos resultados eleitorais, mas na coerência entre o discurso da inclusão e a prática da boa governação.

A ética pública marca a fronteira entre um Estado democrático e um Estado capturado. A corrupção, que tanto nos aflige, raramente começa nas cifras astronómicas que lemos nos jornais. Ela nasce nas “pequenas concessões morais” quando a verdade é omitida, quando a lei é distorcida para favorecer uns em detrimento de outros, ou quando o interesse colectivo é tratado como propriedade privada. A degradação do Estado infiltra-se sempre que a conveniência se sobrepõe ao princípio.

A Democracia é mais do que o direito de votar a cada cinco anos; é o dever de governar com responsabilidade, transparência e respeito pelas instituições. A força de um País não se pode medir pela permanência de um líder, mas pela solidez das suas estruturas institucionais. Mede-se pela independência real dos tribunais, pela capacidade fiscalizadora da Assembleia da República e pela autonomia dos órgãos eleitorais.

O Estado não é a extensão de vontades pessoais. Nenhum governante é maior que o Estado, e nenhum mandato é perpétuo. O verdadeiro estadista compreende que ʺum Rei não precisa de coroa, precisa de herdeirosʺ políticos e morais, capazes de preservar valores, responsabilidade e consciência republicana. Herdeiros que não se curvem ao poder, mas se levantem pela verdade. Porque governar é também preparar sucessores que dêem continuidade à missão pública sem trair os princípios fundamentais.

A transição política é o espelho da maturidade de uma nação. É nela que se revela se o poder foi institucionalizado ou apenas personalizado; se as instituições são pilares sólidos ou meros palcos para ambições individuais. Nas democracias saudáveis, o poder muda de mãos sem desviar o rumo do Estado. Quando a democracia enfraquece, o poder torna-se posse, e o Estado, refém do medo, da desconfiança e da manipulação.

Um líder não se mede pela longevidade no trono, mas pela estabilidade que deixa após a sua partida. O verdadeiro poder não se perpetua, multiplica-se, pois governa com visão e compromisso, assegurando que, mesmo na sua ausência, o Estado funcione, as instituições resistam e a justiça sirva a todos.

A democracia é o delicado equilíbrio entre o trono e a consciência. Enquanto o trono dá forma à autoridade, a consciência dá-lhe alma. Quando o trono ignora a consciência, o poder degenera em dominação. E quando a consciência abdica do trono, a ética se converte em impotência. O desafio das nações contemporâneas é preservar esse equilíbrio para criar um poder robusto, para governar e uma consciência firme o suficiente para limitá-lo.

Entre o trono e a consciência reside, portanto, a essência da democracia, o território moral onde o poder é legitimado pela ética e esta, fortalecida pela lei. O triunfo supremo de um líder não está em permanecer no poder, mas em forjar um sistema que sobreviva à sua ausência. Porque a grandeza de uma nação não se mede pelos rostos que a governam, mas pelas instituições que a protegem quando esses rostos desaparecem.

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