ExxonMobil confirma intenção de DFI próximo ano com investimento de 30 mil milhões

DESTAQUE ECONOMIA POLÍTICA
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Moçambique deu um passo decisivo para se tornar um actor global no mercado de gás natural, após a visita do Presidente Daniel Chapo aos Estados Unidos. O anúncio mais concreto da deslocação foi o da ExxonMobil, que confirmou a sua intenção de assinar a Decisão Final de Investimento (FID) para o megaprojecto Rovuma LNG até meados de 2026. Com um investimento estimado em 30 mil milhões de dólares, o Rovuma LNG é o maior projecto privado alguma vez planeado no país.

Evidências

A recente visita do Presidente Daniel Francisco Chapo aos Estados Unidos não foi apenas uma deslocação diplomática: tratou-se de uma operação económica cuidadosamente montada para reposicionar Moçambique como destino energético de primeira linha.

No centro desta reaproximação entre Maputo e Washington esteve a ExxonMobil, multinacional petrolífera norte-americana que lidera o consórcio da Área 4 da Bacia do Rovuma, no Norte do país, e que confirmou, em Houston, a intenção de assinar a Decisão Final de Investimento (FID) para o projecto Rovuma LNG até meados de 2026.

Com um investimento estimado em 30 mil milhões de dólares, o Rovuma LNG é o maior projecto privado alguma vez planeado em Moçambique e um dos mais ambiciosos da indústria global de gás natural liquefeito (GNL). O anúncio, feito durante a visita presidencial, relança a confiança internacional num país que, até há pouco tempo, figurava entre os mais voláteis do continente devido à instabilidade em Cabo Delgado.

O itinerário oficial da visita incluiu encontros na Casa Branca, onde foi recebido pelo vice-presidente norte americano, James David Vince; no Banco Mundial; no Fundo Monetário Internacional e na Corporação Financeira para o Desenvolvimento (DFC). Contudo, o ponto alto deu-se no Texas, coração da indústria petrolífera mundial. Ali, o Presidente Chapo foi recebido pela administração da ExxonMobil.

O board da corporação apresentou ao Governo moçambicano dois eixos de cooperação, nomeadamente: o avanço do Rovuma LNG, que permitirá a exploração industrial do gás natural da Área 4; e novos Memorandos de Entendimento, incluindo a criação do Centro Tecnológico de Moçambique, no Zimpeto, destinado à formação de engenheiros e técnicos nacionais para o sector energético.

O centro, avaliado entre 35 e 40 milhões de dólares, acolherá até 250 estudantes em regime de internato e, ao fim de dez anos, será transferido para o Estado moçambicano. A ExxonMobil pretende, assim, ancorar a sua presença com uma iniciativa de impacto social tangível, um sinal de “soft power” que contrasta com o desgaste de imagem que outras multinacionais enfrentam no país.

O Rovuma LNG será implementado por um consórcio liderado pela ExxonMobil (35,7 %), Eni (35,7 %) e CNPC (28,6 %), com participação minoritária da Galp Energia, da Kogas e da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH).

O projecto visa produzir 15,2 milhões de toneladas de GNL por ano a partir das reservas offshore da Área 4, estimadas em 85 trilhões de pés cúbicos de gás natural, volume suficiente para abastecer toda a África durante mais de duas décadas.

A primeira fase de construção incluirá duas unidades de liquefacção, gasodutos, instalações portuárias e sistemas de armazenamento. As obras deverão criar, segundo previsões do consórcio, mais de 5 000 empregos directos e 14 000 indirectos durante o pico da construção. Para o Estado moçambicano, o projecto poderá gerar receitas anuais superiores a 2 mil milhões de dólares após o início da produção plena, previsto para 2029 ou 2030.

Um novo modelo de relacionamento

A forma como o Governo tratou o encontro com a ExxonMobil sugere uma tentativa deliberada de reposicionar a política energética moçambicana.

Nos últimos anos, o país habituou-se à narrativa de dependência de uma única gigante (a TotalEnergies) cujas operações na Área 1 estão suspensas desde 2021. A ExxonMobil oferece agora um contrapeso, tanto político quanto económico.

Fontes do Ministério dos Recursos Minerais e Energia admitem que o Executivo procura “diversificar o risco de dependência” e evitar que as futuras receitas do gás fiquem sujeitas a um só operador. A ExxonMobil, por seu turno, beneficia-se de um contexto de reaproximação estratégica entre Moçambique e os Estados Unidos, que vêem o Índico como corredor alternativo de fornecimento energético para a Europa e a Ásia.

A aposta na ExxonMobil ocorre num momento em que o mercado global de gás vive uma transformação profunda.

A guerra na Ucrânia reconfigurou cadeias de abastecimento e levou as potências ocidentais a procurar novas origens de GNL para substituir o gás russo. Neste quadro, Moçambique emerge como um dos poucos países africanos com reservas gigantes e estabilidade relativa, oferecendo aos EUA e aos seus aliados uma alternativa estratégica no hemisfério sul.

A visita de Chapo à Casa Branca e a Houston consolidou este alinhamento. A Administração norte-americana reiterou apoio à luta contra o terrorismo em Cabo Delgado e manifestou interesse em participar na construção de corredores logísticos (como o de Nacala) essenciais para a exportação de gás. Em termos diplomáticos, Washington vê em Chapo um interlocutor moderado e previsível, disposto a cooperar sem cair na dependência exclusiva de um bloco político.

Embora pertençam a consórcios distintos, ExxonMobil e TotalEnergies operam em áreas contíguas e interdependentes. A ExxonMobil domina a Área 4, enquanto a TotalEnergies é operadora da Área 1, ambas na Bacia do Rovuma. As duas necessitam das mesmas infra-estruturas – estradas, portos e linhas eléctricas -, o que torna inevitável uma coordenação técnica entre elas. Contudo, politicamente, há uma competição evidente: a ExxonMobil é vista como o braço económico de Washington em Moçambique; a TotalEnergies, como o pilar francês da presença europeia.

Ao colocar a ExxonMobil em evidência, o Governo moçambicano sinaliza uma inflexão de eixo, aproximando-se mais dos Estados Unidos, onde a retórica de “parcerias sustentáveis” substitui as velhas promessas coloniais de “cooperação”.

Os condicionalismos internos

O entusiasmo internacional não apaga os desafios internos. O país ainda enfrenta a instabilidade intermitente em Cabo Delgado, o lento processo de reassentamento de populações afectadas pelos projectos e a falta de transparência sobre a aplicação futura das receitas. A ExxonMobil, consciente desses riscos, tem insistido em cláusulas de segurança e de responsabilidade social, incluindo programas de desenvolvimento comunitário e contratação local.

Chapo reconheceu, na sua declaração pública, que “o processo não está encerrado” e que o Governo terá de “perceber os fundamentos” das propostas antes de decidir. O objectivo, segundo o Presidente, é “chegar a um consenso que faça sentido para as duas partes”.

Esta prudência contrasta com a abordagem do passado, quando contratos eram assinados sob forte pressão política e sem debate público. Se concretizado, o Rovuma LNG poderá duplicar o PIB moçambicano em menos de uma década.

Os relatórios do FMI estimam que as exportações de gás alcancem 40 mil milhões de dólares anuais na década de 2030, o que transformaria Moçambique num dos cinco maiores exportadores de GNL do mundo. No entanto, a magnitude do projecto exige planeamento rigoroso: gestão prudente da dívida, fortalecimento das instituições de fiscalização e mecanismos de redistribuição que evitem a concentração de riqueza.

Economistas defendem a criação de um fundo soberano robusto e transparente, semelhante ao modelo norueguês, para canalizar parte das receitas do gás em educação, saúde e infra-estruturas.

Sem esse instrumento, o país corre o risco de assistir a um “boom” estatístico sem benefícios reais para a população.

Formação e tecnologia: o impacto do centro do Zimpeto

O projecto do Centro Tecnológico de Moçambique, anunciado em Houston, é o elemento social mais concreto desta nova fase. A ExxonMobil promete financiar a construção, os equipamentos e o corpo docente inicial, com o objectivo de criar competências locais em engenharia de petróleo, segurança industrial e gestão ambiental.

O centro servirá como laboratório de cooperação entre o sector público, a academia e a indústria, reduzindo a dependência de técnicos estrangeiros. Trata-se de uma aposta na formação, mas também num modelo de “conteúdo local” que poderá servir de exemplo para futuros contratos.

“O gás tem de ser uma escola antes de ser uma mina”, comentou um dos consultores moçambicanos envolvidos no processo.

Ao regressar dos Estados Unidos, o Presidente Chapo declarou que “Moçambique projectou o seu futuro com confiança”. A declaração resume o espírito da viagem: uma mistura de optimismo económico e realismo político.

A ExxonMobil tornou-se, de facto, o novo eixo em torno do qual se articula a estratégia energética moçambicana. O desafio que se coloca é transformar esta oportunidade em política pública sustentável.

O país precisa de garantir que as receitas do gás não se transformem numa nova fonte de dependência ou de captura pelas elites. A história do gás, tal como a das dívidas ocultas, mostrou o preço da opacidade. O tempo dirá se a parceria com a ExxonMobil inaugura uma era de prosperidade partilhada ou apenas mais um capítulo de promessas por cumprir.

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