Digitalização, reformas e pragmatismo: o que Moçambique pode realmente ganhar com a visita de Lula

DESTAQUE POLÍTICA
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A visita de Luiz Inácio Lula da Silva a Moçambique, marcada para 23 e 24 de Novembro, ganha um sentido especial quando confrontada com as prioridades enunciadas pelo Presidente Daniel Chapo no seu discurso de tomada de posse. Entre as várias promessas feitas no dia em que assumiu o cargo, uma sobressai pela insistência e pela urgência: a necessidade de digitalizar processos públicos, reduzir a burocracia e modernizar a administração do Estado para combater atrasos, ineficiências e corrupção.

Chapo afirmou, desde o primeiro dia, que pretende “liderar pelo exemplo” e colocar tecnologia no centro da reforma administrativa. Falou da importância de automatizar procedimentos, simplificar licenças, transformar serviços públicos actualmente lentos e vulneráveis em sistemas electrónicos mais previsíveis, auditáveis e transparentes. A mensagem é clara: sem digitalização não haverá reforma do Estado, e sem reforma do Estado as políticas económicas e sociais continuarão a perder força pelo caminho.

É precisamente aqui que a presença de Lula da Silva em Maputo se torna mais relevante. O Brasil, após duas décadas de avanços no campo da governação digital – apesar das suas próprias crises políticas – desenvolveu plataformas, estratégias e mecanismos que podem ser úteis para Moçambique, desde que adaptados à nossa realidade. Documentos internacionais, como a revisão da OECD sobre o governo digital brasileiro e a Estratégia de Transformação Digital 2022–2026 do Governo Federal, mostram que o país apostou na racionalização de serviços, na interoperabilidade entre instituições e na criação de sistemas electrónicos que substituem processos manuais longos e sujeitos a intervenção arbitrária.

Para Moçambique, que ainda depende de formulários em papel, carimbos, filas e contactos informais para resolver questões que deveriam ser simples, esta experiência pode ter enorme valor. O Brasil criou plataformas de identidade digital, digitalizou a contratação pública, integrou serviços antes dispersos e desenvolveu soluções GovTech replicáveis no Sul Global. A cooperação pode permitir que Moçambique acelere projectos como o e-CP, a contratação pública electrónica anunciada recentemente, e avance para sistemas de licenciamento, registo civil, fiscalização e monitoria inteiramente digitais.

A visita de Lula ocorre num momento em que Moçambique procura parceiros com capacidade técnica, não apenas parceiros de peso político. A digitalização é uma área onde o simbolismo tem pouco efeito prático: não basta anunciar, é preciso implementar. E o Brasil, apesar dos seus desafios internos, demonstrou que é possível criar plataformas públicas que funcionam, que reduzem burocracia e que diminuem espaços de corrupção através de sistemas automáticos de controlo.

Ao mesmo tempo, a digitalização pode reforçar outros sectores tradicionalmente presentes na cooperação Brasil–Moçambique, como a saúde, agricultura e energia. Processos electrónicos podem melhorar a gestão hospitalar, permitir rastreio de medicamentos, garantir maior previsibilidade no apoio agrícola e facilitar o licenciamento de projectos energéticos. O discurso de Chapo, quando lido à luz desta possibilidade, revela que a digitalização não é apenas modernização; é um instrumento que torna todo o Estado mais funcional.

A pergunta chave será se Moçambique está preparado para absorver esse conhecimento. A experiência recente mostra que muitos projectos tecnológicos falham não por falta de parceiros, mas por incapacidade interna de manutenção, baixa formação técnica e ausência de mecanismos de monitoria. A digitalização, para ser efectiva, exige mais do que tecnologia: exige disciplina institucional, quadros qualificados e vontade política para romper com hábitos administrativos enraizados.

Mesmo assim, a oportunidade é real. Ao alinhar a agenda da visita de Lula com as promessas de reforma feitas por Daniel Chapo, Moçambique pode transformar esta deslocação numa das mais importantes cooperações do mandato. A digitalização, se bem conduzida, tem potencial para reduzir tempos de resposta, combater a corrupção quotidiana, aumentar a previsibilidade dos serviços públicos e devolver confiança aos cidadãos. É, talvez, o eixo mais concreto de modernização disponível a curto prazo.

Se a visita resultar num plano operativo e não apenas num comunicado diplomático Chapo poderá encontrar no Brasil um parceiro capaz de apoiar a transformação administrativa que prometeu ao país. E Moçambique poderá finalmente dar passos consistentes rumo a um Estado mais eficiente, menos burocrático e mais alinhado às necessidades do século XXI.

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