Share this
Alexandre Chiure
É cada vez pouco aconselhável, nestes dias, um cidadão manifestar o seu sentimento em relação ao que se passa no país, a confiar nos seus direitos consagrados na Constituição da República, porque, a qualquer momento, pode ser preso pela polícia, apesar de não ter cometido nenhum crime.
É cada vez pouco seguro embarcar num acto de cidadania a pensar que está dentro dos limites estabelecidos por lei ou dos seus direitos, nomeadamente a liberdade de expressão, o direito à reunião e manifestação, porque, mesmo assim, pode ser visto como um fora da lei e acabar por parar nas celas da polícia, com toda a humilhação que isso representa.
Estamos a caminhar perigosamente para uma situação em que não é preciso cometer um crime para ser preso. Basta, simplesmente, irritar ou enervar a polícia para que seja espancado, jogar gás lacrimogéneo, baleado ou conduzido às celas.
Às vezes algumas detenções é por abuso de poder e prepotência para a polícia mostrar aos seus chefes que está a trabalhar. Mas por vezes é por ignorância perante a lei. Alguns agentes da polícia entendem que estão a fazer cumprir a lei que eles próprios não conhecem.
Prendem pessoas alegando que violaram a lei quando são eles próprios os principais violadores desse mesmo dispositivo legal ao negar ao cidadão o exercício dos seus direitos constitucionais. O mais grave ainda é o facto de alguns agentes da polícia não conhecerem os direitos que assistem o cidadão.
A detenção, há dias, de um cidadão, em Cabo Delgado, que empunhava um cartaz, na via pública, com os dizeres “Não quero mais ser deslocado”, é prova inequívoca dessas fraquezas. É uma demonstração clara da existência de graves lacunas na formação dos agentes da Lei e Ordem em Matalane. Trouxe este caso para servir de exemplo do quão a própria polícia atropela a lei em nome da defesa da mesma lei.
Neste caso vertente de Pemba, a polícia entendeu que o sujeito violou a lei de manifestação. Diz que devia, antes, ter solicitado uma autorização às autoridades para fazer o que fez, uma justificação que é completamente esfarrapada.
Faz algum sentido alguém submeter requerimento à polícia ou ao Conselho Municipal a pedir que lhe autorizem para exibir um cartaz? Onde é que nós estamos?
Ser deslocado não é algo que alguém possa desejar. Significa viver fora da sua zona de origem. Passar por algumas limitações ou privações. Ficar longe da sua machamba que lhe garante o sustento ou seja leva uma vida difícil.
Desde finais do ano passado a esta parte temos assistido ao movimento de regresso das populações às suas regiões de origem em Palma, Mocímboa da Praia e noutros distritos com a melhoria da situação de segurança. São pessoas que passaram noites nas matas em busca de abrigo, vezes sem conta debaixo de chuvas e ventos e sem o que comer e cobrir.
O desejo de todos quantos procuram hoje restabelecer a vida nas suas aldeias é que uma situação similar não volte a acontecer com eles. Com o seu cartaz “Não quero mais ser deslocado”, o homem está, por um lado, a transmitir o sentimento de cerca de um milhão de pessoas que se tornaram deslocados.
Por outro lado, a mensagem serve de chamada de atenção ao Estado moçambicano a quem cabe a responsabilidade de proteger os cidadãos para garantir que este seja o regresso em definitivo e que a sua segurança não volte a ser posta em causa pelos insurgentes. Por outras palavras, ele não está a exigir nada que não seja a obrigação de quem lhes governa.
Postas as coisas nestes termos cumpre-me perguntar que crime terá cometido o homem ao exteriorizar este sentimento que é da maioria dos ex-deslocados após levarem uma vida sofrível?
Não prendam pessoas só por prender sob o risco de cometer erros, como é o caso do ex-deslocado em Pemba. Não havia razões para privar o homem de liberdade. As justificações que a polícia apresentou publicamente são completamente esfarrapadas. Estamos perante uma situação em que não foi preciso cometer o crime para ser preso. Bastou irritar a polícia.



Facebook Comments