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Arão Valoi
Há um fenómeno que se vem tornando cada vez mais evidente e preocupante no panorama mediático e social moçambicano: a substituição do debate sério, estruturado e relevante por conversas fúteis, banais e de curto alcance. Nas televisões, nos programas de entretenimento, nos painéis de debate, nos espaços de comentário das redes sociais, e até mesmo nas rodas de conversa do quotidiano urbano, há uma tendência crescente de esvaziamento do conteúdo. É como se o País tivesse sido sequestrado por uma superficialidade orquestrada, deliberadamente montada para nos manter distraídos, desinformados e desmobilizados.
A televisão — em particular canais com grande audiência como a TV Sucesso — tornou-se o palco principal desta encenação. Quase diariamente, os seus programas oferecem temas que, no melhor dos casos, são triviais, e, no pior, são tóxicos. Discutem-se desavenças, relacionamentos malparados, traições e outros temas sem nenhuma relevância social; expõem-se vidas íntimas como se isso fosse um contributo cívico; alimentam-se rivalidades artificiais para entreter e distrair. É um espectáculo contínuo, ruidoso, vazio — e perigoso.
Porque se permite que isso aconteça? Mais ainda: será que estamos diante de um fenómeno espontâneo, ou há uma lógica por detrás desta futilidade triunfante?
A teoria de “agenda setting” ajuda-nos a pensar este cenário. Ela sugere que os meios de comunicação não dizem às pessoas o que pensar, mas sim sobre o que pensar. Em outras palavras, são os media que, ao decidirem os temas em destaque, definem a agenda pública de discussões. E quando essa agenda se preenche com frivolidades — como escândalos de influencers, casamentos malparados, ou intrigas de bastidores da vida alheia — é porque há uma escolha editorial consciente de colocar esses temas no centro da conversa nacional.
A pergunta então impõe-se: o que se quer esconder?
Enquanto os holofotes mediáticos brilham sobre discussões de duvidoso valor, o País real sangra em silêncio. A crise do custo de vida agrava-se todos os dias. Os transportes públicos são um tormento. O sistema nacional de saúde colapsa sob o peso da precariedade. A juventude continua sem oportunidades concretas de emprego e formação. O ambiente político está tenso, por vezes opaco, por vezes repressivo. Os escândalos de corrupção continuam sem esclarecimento. As vítimas de Cabo Delgado ainda esperam por justiça e reconstrução.
Mas não é sobre isso que os grandes media falam com regularidade. Não é sobre isso que se viraliza nas redes sociais. Não é sobre isso que se organizam painéis ou se promovem debates acalorados. Em vez disso, discute-se quem traiu, quem foi infiel, quem perdeu seguidores, quem foi exposto num áudio privado. A agenda nacional é sequestrada por irrelevâncias.
A gravidade da situação exige um questionamento profundo da responsabilidade dos meios de comunicação e da consciência crítica dos cidadãos. A imprensa, em qualquer sociedade democrática, deve ser guardiã do interesse público. Deve questionar o poder, iluminar zonas de sombra, amplificar vozes silenciadas e informar de forma ética e responsável. Quando ela se transforma num reprodutor de conteúdos fúteis, ela deixa de cumprir esse papel e torna-se parte do problema.
Mas não se trata apenas dos media. Há também uma corresponsabilidade da sociedade civil, das academias, dos profissionais da comunicação, dos formadores de opinião, dos próprios consumidores de conteúdos. A banalidade não progride sozinha: ela precisa de audiência. E enquanto aceitarmos consumir o que nos infantiliza, desvia e distrai, estaremos a reforçar esse ciclo de manipulação.
O que está em causa não é a existência pontual de entretenimento ou de espaços mais leves — isso é parte da pluralidade de qualquer sociedade. O problema é quando a excepção se torna regra, e o acessório substitui o essencial. Quando se gasta mais tempo a debater a vida amorosa do José com a sua ex-esposa Nilza. Ou então de um suposto recluso que enganou a esposa para ir casar com a amante e se deixam de lado questões estruturantes do País. Quando um post escandaloso mobiliza mais reações do que um relatório de abusos de direitos humanos. Quando a espuma se sobrepõe à substância.
Não se trata de moralismo. Trata-se de lucidez. E de uma inquietação legítima: será que esta avalanche de futilidade não está a ser cuidadosamente promovida para nos desviar dos assuntos que realmente importam? Será que não estamos, todos, a ser cúmplices — voluntários ou inconscientes — de uma grande operação de desmobilização nacional?
É tempo de romper este ciclo. Exigir mais dos media. Promover uma cultura de debate sério. Criar e apoiar espaços alternativos de discussão crítica. Valorizar o jornalismo comprometido com a verdade. Desacelerar o consumo de conteúdos rasos. Reaprender a escutar, a reflectir, a indignar-se com o que merece indignação.
Porque, no fim, um País que se habitua a discutir futilidades, é um País que corre o risco de perder a capacidade de pensar o seu futuro. E isso, mais do que um erro, seria uma tragédia.

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