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- Grande reviravolta no caso 8 milhões de meticais em cheques falsos
- Pereira terá tido acesso a cheques assinados pelo ex-tesoureiro da campanha
O Ministério Público, através da Procuradoria Distrital de KaMaxaquene, tornou pública uma acusação formal que expõe um complexo caso de suposta quebra de confiança e alegada fraude financeira, envolvendo figuras do meio empresarial e político moçambicano. No centro do processo está Manuel Magalhães Pereira, empresário de 73 anos, acusado do crime de Abuso de Confiança após se ter apropriado indevidamente de um livro de cheques previamente assinado e lhe entregue sob confiança por Agostinho Vuma, em 2017, quando este era candidato às eleições da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA). Pereira terá, segundo o despacho de acusação datado de 09 de Setembro, tentado levantar oito milhões de meticais, com recurso a documentos não autênticos.
Evidências
O Ministério Público acusa formalmente Manuel Magalhães Pereira pela prática de um crime de Abuso de Confiança, previsto e punido pelo artigo 296.º, n.º 1, e 270.º, n.º 1, alínea e), do Código Penal (Lei n.º 24/2019).
Foram considerados como factores agravantes a premeditação, o motivo fútil, a traição (aproveitamento da relação de confiança) e a possível reincidência. O seu bom comportamento anterior foi admitido como um factor atenuante.
O processo foi remetido ao Tribunal Judicial do Distrito Municipal de KaMaxaquene para julgamento e segundo o Evidências apurou, Manuel Pereira e a vítima, Agostinho Vuma já foram notificados da acusação.
Porém, o arguido tem até oito dias para requerer a abertura de audiência preliminar, se assim o desejar. O caso promete continuar sob os holofotes da justiça moçambicana, servindo como um alerta para os perigos da quebra de confiança no alto escalão empresarial.
Os factos remontam a 2017, durante a campanha para as eleições presidenciais da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA). O denunciante, no caso, o antigo presidente da agremiação, Agostinho Vuma, então candidato, mantinha uma relação de amizade e parceria com Manuel Pereira.
Confiando nessa relação, Vuma convidou Pereira para integrar a sua equipa de campanha, nomeando-o para o cargo crucial de Tesoureiro.
Para fazer face às numerosas despesas e viagens inerentes a uma campanha eleitoral, Vuma terá confiado a Pereira um livro de cheques completo e pré-assinado do ano de 2017.
Ficou expressamente acordado, segundo a acusação, que os cheques seriam utilizados exclusivamente para despesas de campanha, com um limite máximo de um milhão de meticais por transacção, e que o livro seria devolvido imediatamente após o término das eleições. No entanto, tal devolução nunca se veio a concretizar.
De acordo com a acusação, Pereira, movido pela intenção de se enriquecer ilicitamente, manteve consigo os cheques após o fim da campanha. O plano só se viria a concretizar anos mais tarde, em Abril de 2022, quando, ainda de acordo com a acusação, de forma sequencial e premeditada, nos dias 22 e 27 desse mês, Pereira dirigiu-se ao Banco BIM e depositou um total de oito cheques, cada um no valor de um milhão de meticais.
O departamento de compliance do Banco BIM, alertado pela anomalia de estarem a ser depositados cheques de um talão de 2017, quando o cliente já utilizava um novo livro de 2020, contactou imediatamente o titular da conta, Agostinho Vuma. Este, surpreendido, repudiou por escrito a legitimidade dos cheques através de um e-mail enviado ao banco. Contudo, a acção de Pereira foi mais rápida, já os tinha depositado, criando uma situação de “cheques sem provimento” e dando início a um imbróglio legal complexo.
Pereira tentou executar o pagamento alegando dívida de Vuma consigo
Sem poder sacar o valor pretendido, Pereira chegou a mover uma acção executiva, através de um processo já extinto, contra Agostinho Vuma, exigindo pagamento de oito milhões de meticais e o acusando de emissão de cheques sem provisão.
Nesta reviravolta, Perreira foi ouvido em respostas e em sua defesa, perante as autoridades, negou ter recebido o livro de cheques em regime de confiança.
Em vez disso, apresentou uma versão alternativa: afirmou que os cheques eram o pagamento de uma dívida contraída por Vuma durante o período eleitoral. Para sustentar esta alegação, juntou aos autos uma acta de uma reunião da empresa Montego (Acta 04/2017), que supostamente comprovava a concessão de um empréstimo a Vuma.
O Ministério Público considerou esta defesa frágil e cheia de contradições. O documento apresentado não contém a assinatura de Agostinho Vuma, nem existem quaisquer registos que coloquem o denunciante presente na tal reunião.
“Como podiria alguém certificar uma confissão de dívida por meio de um documento não assinado pelo devedor?”, questiona o procurador no despacho.
Durante a instrução do processo, o magistrado instrutor ordenou uma acareação para confrontar as versões. Foi neste momento que as alegações de Pereira se desmoronaram por completo, segundo o Ministério Público.
“Ele forneceu detalhes contraditórios sobre o valor do empréstimo: numa declaração (fls. 71) referiu 12 milhões de meticais, noutra (fls. 153) afirmou serem 8 milhões”, lê-se no despacho de acusaçåo.
Além disso, a acta da Montego refere um prazo de pagamento de cinco anos, enquanto Pereira, na acareação, disse que Vuma se prontificou a pagar em três meses.
“Contradições claras de quem mente”, afirma categoricamente o documento de acusação.

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