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- Da derrota eleitoral à crise interna: Magumisse critica liderança de Ossufo Momade
- Ex-deputado diz que futuro da RENAMO depende de reestruturação e reposicionamento estratégico
- “Pensamentos para o estômago”: Magumisse rebate acusações de Momade
- Acusação de ser financiador de ex-guerrilheiros? “São pensamentos para o estômago”
- Diálogo Nacional Inclusivo? “Não tenho expectativa de mudanças concretas”
A RENAMO atravessa um dos períodos mais conturbados da sua história recente. Desde o início do ano, divisões internas e uma contestação generalizada à liderança de Ossufo Momade têm paralisado o partido, marcado por encerramento de algumas sedes e pedidos de destituição, quase sempre respondidos com medidas consideradas draconianas. Para analisar esta crise em profundidade, o Evidências entrevistou Alfredo Magumisse, um membro sénior da RENAMO, recentemente acusado pelo seu líder de ser um dos promotores da desordem. Na conversa, Magumisse não evitou a gravidade do momento, descrevendo o partido como “estagnado” e com uma “saúde política não muito boa”. O político defendeu de forma clara que a “Perdiz” precisa de uma reestruturação urgente e de um reposicionamento estratégico para não perder a sua relevância no cenário político moçambicano. Magumisse, que no último Congresso desafiou Ossufo Momade ao concorrer ao cargo de presidente do partido, o que lhe veio a custar a sua queda como deputado, ao ser colocado numa posição com poucas chances de eleição, foi crítico à direcção actual, afirmando que o partido não soube capitalizar a sua posição após a derrota nas eleições de 2024, um fracasso que atribui à falta de visão e estratégia. Apesar disso, o seu tom foi de construtividade, defendendo que a RENAMO deve abraçar a pluralidade democrática, reorganizar-se internamente e redefinir o seu discurso político para reconquistar a confiança dos moçambicanos. Acompanha, a seguir, os excertos mais importantes.
Elísio Nuvunga
Saudações, ilustre Magumisse. Primeiro, quero agradecer pelo seu tempo dispensado para discutir a saúde e futuro da RENAMO e diversos assuntos. Bom, para não ouvir de terceiros sobre o que se passa RENAMO, julgamos ser importante ouvir de quem realmente é a estrutura da RENAMO. Para começar, como é que está a saúde política do partido?
– Muito obrigado pela oportunidade e aproveito igualmente saudar a todos moçambicanos. A saúde do partido RENAMO não é boa. A RENAMO está estagnada, como se lembra, depois das eleições que foram bastante prejudicais para a RENAMO, e em que fomos empurrados para o terceiro lugar, até aqui a RENAMO ainda não deu sinais de vida no sentido de reagir aos factos confirmados pelas urnas nas últimas eleições. Embora o sistema e os órgãos eleitorais tenham contribuído bastante, pela fraude que todos vimos, nós como partido também temos uma conta à parte. No geral, diríamos que a saúde não está muito boa.
E por que a RENAMO está estagnada? O que está a falhar?
– Eu digo que o partido está estagnado porque, como sabem, ele está estruturado por órgãos centrais, o Congresso, o Presidente, o Conselho Nacional, a Comissão Política, sobretudo os órgãos intermediários. Mas o Presidente, o Conselho Nacional e a Comissão Política não se têm feito presentes na vida política do País para intervir no sentido de dar sinais de que ainda estamos aqui, contem connosco para continuar a esgrimir argumentos que tentem contrariar a nova governação do Presidente Chapo, a qual também não dá bons sinais. Era uma oportunidade para a RENAMO continuar a ocupar o seu espaço político dentro do País.
O que quer dizer quando afirma que a nova governação do Presidente Chapo também não dá bons sinais?
– Temos a questão da segurança, os raptos. A RENAMO podia muito bem usar do seu argumento político para pressionar o governo a fazer uma estratégia muito rápida, o que ainda não há. Temos a questão da saúde. O País não tem condições de assistência médica. Fala-se que até o Hospital Central de Maputo não têm medicamentos, não têm linhas de sutura para operações, não têm bisturis; que não há reagentes para análises clínicas. Isto é um País que dá sinais de falência. Os funcionários públicos não têm os seus salários em dia, incluindo até agentes de defesa e segurança. São falhas do actual regime que a RENAMO podia muito bem contrariar e dar a sua visão. Para além da sua reorganização, como sabem, depois das eleições, os tumultos, a nível de base – houve alguma perturbação que tem de ser reestruturada, reorientada para os novos desafios e o novo contexto do quadro que resulta das últimas eleições.
“Futuro da RENAMO vai depender da forma como vai se reposicionar”
O ANAMOLA está aí a mostrar a sua força. Acredita que uma reorganização interna seria suficiente para a RENAMO voltar a ser a principal força da oposição ou até, se calhar, disputar a liderança política em Moçambique?
– Quando falo de reestruturação, é um exemplo. O que eu acho é que terminadas as eleições, a RENAMO podia ter feito uma ou duas coisas: A primeira era convocar uma reunião de quadros que sempre temos defendido para exactamente discutirmos as razões que levaram a RENAMO para aquela posição. Discutir de forma desapaixonada, de forma descomplexada, sem apontar dedos, sem apontar erros de um ou daquele. Dos resultados daquela reunião, dever-se-ia convocar uma reunião ordinária de um órgão deliberativo para tomarmos decisões que pudessem sair da reunião, de quadros de reunião abrangente. De certeza que nós precisamos primeiro de redefinir o ponto de vista de organização interna e depois desenharmos uma estrutura para atacar a questão da mobilização da sociedade, tendo em conta o novo contexto. Temos um contexto em que a RENAMO na Assembleia da República foi empurrada para terceiro lugar e recentemente surgiu um outro partido de maior intervenção, por isso a RENAMO tem de se recolocar tendo em conta esses factores todos, de tal forma que a discussão interna e consequente produção de uma estratégia concentrada com o momento são assuntos que devem ser muito bem discutidos.
Esse novo movimento político (ANAMOLA) não ameaça de alguma forma a pujança da RENAMO?
– Eu sou democrata e estou na RENAMO por convicção, apenas isso.
E disse também que as eleições de 2024 contribuíram muito para que a RENAMO esteja na posição em que hoje se encontra. Como é que olha a RENAMO nos próximos pleitos eleitorais 2028-2029, com essa crise?
– As eleições em Moçambique nunca foram livres, nunca foram justas, nunca foram transparentes. Mas elas produziram um resultado que está sendo absorvido. Estamos a viver politicamente com base naqueles resultados. A FRELIMO sempre fez fraude. O governo com o uso de meios do Estado, o Conselho Constitucional e a Comissão Nacional de Eleições sempre fizeram fraude. Só que estamos agora a viver politicamente com base nos resultados fraudulentos. Nesse contexto de resultados fraudulentos, a RENAMO foi empurrada para a terceira posição, o que não é normal, não é habitual. Aliado a isso, surge um novo movimento político, um partido bastante popular que todos nós conhecemos. São factores que na discussão, no pensamento, na redefinição da estratégia da RENAMO devem ser tomados em conta. Mas a discussão não pode ser no sentido de se tornar ameaça ou um sentido de se sentir renegado, porque democracia é exactamente isso. Existência de diversidade política para que o povo possa fazer a melhor escolha dentro dos partidos que existem. Portanto, a RENAMO como partido que lutou pela democracia tem de saudar o surgimento dos outros partidos. Depois a RENAMO tem de sentar para reajustar a sua estratégia de actuação, tanto no âmbito populacional como no âmbito de linhas de governação, a tomar em conta estas questões. Agora, as próximas eleições, a posição da RENAMO vai ser definida pela forma como se reposiciona ou se reestrutura ou define a sua estratégia, tendo em conta esses factores que é enumerei.
Diálogo Nacional Inclusivo? “Não tenho expectativa de mudanças concretas”
A RENAMO tem o condão de ser denominada Pai da Democracia no País. Considerando os recentes acontecimentos internos, acredita que a RENAMO ainda mantém a prática da democracia que sempre defendeu?
– Uma das permissões da democracia é a pluralidade de ideias e de manifestações. Há um grupo ou há pessoas dentro da RENAMO que dentro do espaço político que o país permite, embora a direcção da RENAMO não concorde, manifesta-se. E a manifestação é essa, discordância da forma como o partido está sendo digerido. Pode-se entender que a democracia é isso, essa pluralidade, essa liberdade de certas pessoas se manifestarem. Democracia, em outras palavras, significa respeitar o dissenso. Significa respeitar as diferenças. Eu acho, que a direcção da RENAMO lê isso como sinais de aprofundamento do exercício concreto da democracia dentro do partido. Daí que a resposta é encontrar soluções internas com base em discussões amplas, descomplexadas, inclusivas, para trazer um consenso que não é necessariamente unanimidade. E daí avançar ao nível interno para reestruturar, para definir a estratégia que o partido deve seguir. É esse o meu entendimento.
Doutor, como é que olha para o Diálogo Nacional Inclusivo, considerando que o Governo da Frelimo já assinou vários acordos com a Renamo e poucas vezes tiveram sucesso?
– As expectativas nunca foram diferentes. Eu acho que o Presidente Chapo percebeu que ele está tomando o poder num momento bastante conturbado. E ele tem de encontrar uma anestesia ou um analgésico para dar sentido à sua governação. Daí aquela mesa de diálogo. É a mesma coisa. Enquanto os cães ladram, nós vamos avançando. Não vamos adiar a viagem e muito menos recuar para lutar contra os cães que ladram. Mas ele está a avançar. Está a avançar porque está consolidando o poder. Não tenho expectativa de mudanças concretas sobre o que lhes afecta realmente neste momento.
Mantém a ambição de um dia liderar o partido RENAMO?
– Eu sou membro do partido RENAMO. Sou moçambicano e estou na RENAMO já há bastante tempo. Tenho vindo progressivamente a ascender a posições de chefia dentro do partido. Acumulei alguma experiência. Estou na direcção central do partido desde 2003. Não diria que quero ser presidente, mas tenho a ambição de contribuir ainda com energias físicas, mentais, psicológicas para o restabelecimento da condição inicial da RENAMO. A RENAMO tem que voltar a crescer. A RENAMO tem que voltar a ser grande. A RENAMO tem que voltar a ser um partido presente, um partido interventivo.
A RENAMO tem que voltar a ser um partido que trabalhe para as massas. E isso requer gente com visão, gente com entendimento, gente que conhece não só o seu ponto de vista de funcionamento interno, mas também que possa integrar as diferentes variáveis, como eu dizia antes, a questão da posição política do partido neste momento, a questão do novo factor, de novos partidos políticos com certa tendência ao populismo, a questão da construção de um discurso actual e, acima de tudo, que resolva os problemas da juventude, que neste momento tem quase 60% da população moçambicana.
Aqui está uma liderança que vai trazer um manifesto para resolver os problemas reais de Moçambique, que é a questão da fome, a questão do emprego e a questão de investimentos sérios em Moçambique. De tal forma que, como pessoa e com essas ideias, sou tentado a desejar ou a querer continuar a dar a minha contribuição ao mais alto desejo do partido e, por via disso, contribuir para a construção e consolidação dos ganhos democráticos no Estado moçambicano.
Acusação de Ossufo Momade? “São pensamentos gerados para o estômago”
Doutor, acredita que a liderança actual da RENAMO está preparada para enfrentar os desafios e atender aos anseios da sociedade considerando os elementos que aqui levantou (boa liderança, visão estratégica, representatividade)?
A.M: Não tenho muito o que falar sobre a actual liderança, porque todos nós vivemos, todos nós estamos a ver. Tudo o que eu for a dizer poderia ser falacioso, mas deixa muito a desejar. Mas, de qualquer forma, é a liderança que a RENAMO tem neste momento.
Não podemos ter dúvidas sobre a descida à alta velocidade para o precipício. Mas, como eu disse, eu continuarei a lutar e a contribuir para que RENAMO ganhe energias e ocupe a posição na sociedade moçambicana e na construção do Estado moçambicano.
Para terminar, como é que está a sua relação com o presidente da RENAMO, Ossufo Momade depois de ele ter dito que você e Elias Dhlakama é que patrocinavam a onda de contestação à sua liderança?
– A minha relação é de membro para o presidente do partido. Não temos relações de amizade, não temos relações de convivência, mas eu sou membro da RENAMO, ele é presidente de RENAMO; eu sou membro do Conselho Nacional, ele é presidente do partido. O resto é questão de pensamentos gerados para o estômago.
Eu não vou discutir porque eu não penso pelo estômago; penso pelo cérebro, penso pela cabeça. E quando é isso, o estômago apenas é para dar energia.

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