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África Ocidental: um 2021 terminado mal e um 2022 iniciado pior

Por: Luca Bussotti

O início de 2022 não podia ser pior para a África Ocidental. Uma região já dilacerada por lutas intestinas, instabilidades política, terrorismo e narcotráfico. E que viu, nos primeiros trinta dias do ano, dois golpes de estado: um que teve sucesso no Burkina Faso e outro mal-organizado e mal conseguido na Guiné-Bissau. Entretanto, este cenário representa uma continuidade com relação a 2021, quando o Mali sofreu seu segundo golpe em pouco tempo, tendo sido suspenso quer da CEDEAO, quer da União Africana, e a mesma sorte sofreu Alpha Condé, na Guiné Conakry.

Salve o caso da Guiné-Bissau – cujos contornos continuam no mínimo invulgares -, nos outros casos existem três elementos comuns sobre os quais deve-se reflectir:

  1. Quem protagoniza os golpes são militares;
  2. A sua justificativa diz respeito a uma “reposição da ordem democrática”, geralmente associada pela luta contra a corrupção;
  3. A comunidade internacional, a partir das organizações africanas, condena tais actos.

O golpe realizado na Guiné Conakry, em Setembro de 2021, deu-se depois de o Presidente Alpha Condé ter aprovado, pelo parlamento, uma alteração constitucional que previa a possibilidade de um terceiro mandato presidencial, o que aconteceu, pontualmente, no mesmo ano de 2020. No entanto, protestos contínuos por parte da população levaram a dezenas de mortes, mas tal cenário não convenceu Condé a sair do poder, resignando às demissões. Foi necessário um golpe militar para que isso acontecesse, com condenação imediata por parte da União Africana.

No Mali, o cenário não foi muito diferente, embora menos claro, com a deposição do presidente eleito, Keita, em 2020, assim como, em 2021, do presidente de transição Ndaw, sempre por parte do homem forte do país, o Coronel Goitá. Apesar de dinâmicas em partes diferentes, mesmo no caso do Mali, as ruas de Bamako viram o apoio de muitos cidadãos à deposição do governo de transição, supostamente incapaz de lidar com o terrorismo e acusado de servilismo para com a França.

No Burkina Faso, o Presidente Kabore teve de se demitir, depois de uma junta militar de salvaguarda nacional ter tomado o poder. Aqui também registaram-se manifestações de rua a felicitar os militares para o golpe realizado, ao passo que todas as organizações internacionais condenaram o acto.

Golpes diferentes, portanto, mas reacções parecidas. O que podemos concluir do quadro de mudanças políticas anti-constitucionais e violentas que têm caracterizado a África Ocidental entre 2021 e o início de 2022?

A lição para retirar não é nada simples. Acima de tudo, nesses casos todos, o governo e o presidente, exercendo funções, não têm credibilidade diante da maioria da população. Ora por corrupção, ora por ambição pessoal, ora porque não conseguem estancar o terrorismo, ora devido a essas razões todas, trata-se de executivos impopulares e, geralmente, anti-populares. O segundo elemento é a escassa ou até nula capacidade ou possibilidade por parte dos partidos da oposição, de provocar uma mudança e uma alternância, tendo porém, movimentos de cidadãos activos que protestam nas ruas. Finalmente, o golpe representa, em várias circunstâncias, a forma mais eficaz, e talvez a única, para criar aquela mudança que o povo pede, mas que não consegue realizar com meios pacíficos e legais.

A reação da comunidade internacional é uniforme: condenar os golpes. Um posicionamento compreensível e até correcto, entretanto seria preciso nos colocarmos uma pergunta prévia: onde é que esta comunidade internacional estava quando os presidentes depostos actuavam em evidente contraste com os interesses dos seus governados?

É óbvio que não é possível aprovar golpes de estado, mas também os últimos acontecimentos da África Ocidental nos remetem a uma questão fundamental para toda a África subsaariana: como garantir as mudanças que a população cada vez mais pretende, mas que regimes cleptocráticos e autoritários continuam a negar, impedindo uma justa alternância no poder?

Uma reflexão séria sobre este ponto seria, provavelmente, salutar para toda a democracia africana.

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