Mudanças climáticas expõem mulheres e raparigas à violência e uniões prematuras

SOCIEDADE
  • Conheça o drama de quem entrou numa união prematura para fugir à pobreza

Devido à sua localização geográfica na zona de convergência inter-tropical, Moçambique é vulnerável às mudanças climáticas e, em consequência disso, ciclicamente milhares de famílias são obrigadas a abandonar as suas zonas de origem à procura de lugares seguros. Não raras vezes, onde se refugiam, recomeçam a vida em situações deploráveis devido à extrema pobreza, de tal forma que alguns pais acabam consentindo que as filhas se envolvam em uniões prematuras. Mas esta é apenas uma faceta das desigualdades do género, com as mulheres expostas a diversas formas de violência.

Neila Sitoe

Natália Abdul (nome fictício), de 16 anos de idade, é disso um exemplo. Natural da zona baixa do posto administrativo de 3 de Fevereiro, distrito da Manhiça, província de Maputo, em 2019, teve de abandonar os estudos após a sua família ter sido obrigada a migrar para o distrito de Boane após ser desalojada devido a cheia.

Actualmente, vive em uma união prematura na localidade Paulo Samuel Kankhomba, no distrito de Boane, depois de ter sido obrigada a largar os estudos para cuidar dos afazeres domésticos, enquanto seus pais se dedicavam à agricultura.

“Sempre que chegasse o tempo das chuvas tínhamos que viajar para Boane, e nos hospedávamos na casa do irmão do meu pai, onde ficávamos até as águas baixarem, porque a vida era extremamente difícil nos centros de acolhimento. Em 2019, o meu tio convidou o meu pai para fazerem um projecto de agricultura, e isso implicou para todos nos mudarmos para lá. No início até gostei da ideia porque estava cansada de tanto sofrimento, mas depois de um tempo vi que fui uma das mais prejudicadas com a decisão”, disse.

Natália diz que vivia com seus pais e seu irmão que na altura tinha quatro anos. Quando iniciou o período escolar viu que seus pais não comentavam nada sobre o seu retorno às aulas. Na altura, frequentava a 7ª classe, ou seja, atrasada, devido às várias interrupções que teve por causa das cheias.

“Questionei a minha mãe e ela disse que naquele ano não, mas que no próximo iria estudar. No ano seguinte disse-me a mesma coisa, mas não cumpriu. Ela e meu pai passavam a maior parte do tempo com meu tio e com a esposa nas machambas e eu ficava a cuidar da casa e do meu irmão. Fiquei cansada de tanto fazer a mesma coisa e quando reclamasse alegavam não ter dinheiro para me matricular”, lamentou.

Depois de um tempo, Natália diz que conheceu um jovem e preferiu ir ao lar, e os seus pais sequer se opuseram, porque este tornou-se provedor para si e para sua família.

“Conheci um jovem que me convidou para morar com ele, veio de Cabo Delgado fugindo da guerra, ele trabalha na vila, e, como vive sozinho, decidimos viver juntos. Meus pais sabem que estou no lar, mas não se opuseram, visto que o meu esposo paga a minha escola e me sustenta”, explicou.

Raparigas em situação de vulnerabilidade estão expostas a vários riscos

Márcia Chico, oficial de programas da Associação Sócio Cultural Horizonte Azul (ASCHA),  considera que os efeitos das mudanças climáticas sobre as mulheres variam, dependendo do contexto.

“Quando as mulheres e raparigas estão desalojadas, enquanto procuram por um abrigo ou algo para a sua subsistência, tem pessoas que se aproveitam da situação de vulnerabilidade para violentá-las de quase todas as formas, com promessas de terem acesso a alimentação básica e um lugar para se abrigar, outras devem abdicar dos seus sonhos para realizar tarefas domésticas, visto que elas são as administradoras dos lares, outras são obrigadas a estar em uniões prematuras ou forçadas como forma de sair da pobreza e muitas raparigas são obrigadas a abandonar a escola”, explicou.

A oficial acrescentou que, para além deste facto, as mulheres e raparigas vítimas de desastres naturais causados pelas mudanças climáticas têm enfrentado várias dificuldades como garantir a sua sobrevivência e garantir a sua higiene nos centros de acomodação.

“A ASCHA tem recebido várias denúncias de mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade devido às mudanças climáticas, o que temos feito é apoiá-las e encaminhar os casos às autoridades competentes”, sustenta.

Para reverter o cenário deve-se disponibilizar toda a ajuda que o governo, organizações da sociedade civil, países estrangeiros e pessoas singulares têm dado às vítimas de desastres naturais.

Por seu turno, Rita Nhapendo, psicóloga, também não tem dúvidas de que as mulheres são as mais afectadas pelos impactos das mudanças climáticas, na medida em que elas cuidam dos afazeres domésticos do lar.

“Por exemplo, elas são responsáveis por garantir água, comida e combustível para cozinhar (lenha), e muitas vezes são elas que caminham longas distâncias para encontrar água, lenha e comida, expondo-se a vários riscos de violência baseada no género durante e após estes eventos climáticos, e podem desenvolver a ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, entre outros problemas saúde mental”, conclui.

Facebook Comments

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *