“Temos um provedor que faz do Presidente da República o seu Deus”

DESTAQUE SOCIEDADE
  • Oposição defende despartidarização do Provedor da Justiça   
  • PR quer que instituições públicas acatem decisões do provedor de Justiça
  • Sociedade civil insta provedor de Justiça a priorizar assuntos candentes

Celebrou-se, no dia 26 de Maio corrente, dez anos da existência da figura do provedor da Justiça em Moçambique. Para assinar a primeira década da figura que, segundo algumas organizações da sociedade civil foi consumido pela inércia e trabalha a reboque do partido no poder, foi realizado, na capital moçambicana, um seminário no qual participaram as delegações dos provedores de Justiça de Angola, África do Sul, do Provedor de Justiça Militar da África do Sul, do Malawi, Quénia, Portugal e da Zâmbia. Discursando na abertura daquele evento, o Presidente da República instou a Administração Pública a colaborar com o provedor da Justiça, tendo igualmente referido que destacou que os êxitos das Forças de Segurança que culminaram com o regresso da população às suas zonas de origem não é sinónimo de vitória contra o extremismo violento. Por sua vez, o deputado do MDM, Augusto Pelembe, defendeu a despartidarização do Provedor da Justiça.

Duarte Sitoe

Anualmente, no seu informe aos moçambicanos a partir do púlpito da Assembleia da República, o provedor da Justiça tem se queixado da falta de colaboração de algumas instituições públicas, sobretudo municípios, que se recusam a cumprir seus acórdãos. Na abertura da conferência internacional alusiva aos 10 anos da criação da figura do Provedor da Justiça em Moçambique, o Presidente da República, reconhecendo as barreiras que algumas instituições colocam nas actividades do provedor da Justiça, instou a Administração Pública a colaborar com o Provedor de Justiça para a solução das inquietações dos cidadãos.

“Exortamos as nossas instituições para que acatem as recomendações e atendam às solicitações do provedor de Justiça de mente aberta. Há alguns que têm medo do provedor de Justiça, mas ele é um verdadeiro facilitador de diálogo entre os moçambicanos e as entidades públicas, contribuindo, assim, para a construção de uma sociedade pacífica e de Justiça Social”, disse, para depois exortar aos moçambicanos para que não tenham medo do provedor da Justiça.

Várias organizações da sociedade civil denunciaram eventuais violações dos direitos humanos na província de Cabo Delgado. Ciente dos atropelos dos direitos dos deslocados, o Presidente da República desafiou o provedor da Justiça a ser mais interventivo, ou seja, acompanhar o processo do regresso das populações às suas zonas de origem.

“O Governo tem consciência de que os terroristas prevalecem em Moçambique, por isso este não deve ser motivo de debate. Prevalecem em todo o mundo. Há melhorias, mas não é sinónimo de que acabou. Mas, afirmamos que o combate continua a trazer resultados encorajadores. Podem-se solicitar serviços do Provedor da Justiça para assistir vítimas deste mal que hoje enferma os moçambicanos, e é uma preocupação. Portanto, precisam de estudar novas formas sobre como o Provedor pode dar a sua contribuição para a mitigação”.

Mais desafios ao provedor

Com a chegada das tropas “amigas”, Moçambique galgou terreno na luta contra o extremismo violento. Zonas que num passado recente estavam nas mãos dos terroristas foram libertadas e a população já começou a regressar. Em alguns distritos, os funcionários públicos foram obrigados a regressar sob ameaças de despedimento, mas, segundo o Chefe de Estado, não houve um aviso formal para os deslocados regressarem às suas zonas de origem.

“As populações pedem para regressar às suas zonas de origem e esperamos que a provedoria de justiça acompanhe esse movimento. Não houve nenhum comando formal das populações para regressar àquelas zonas. Disseram a mim, senhor presidente, nós quando fugimos não foi o Governo a dizer fujam, nós sentimos problemas e saímos das nossas aldeias. Estamos a voltar e não precisamos que diga volte, mas poderemos sair quando for necessário. A responsabilidade do nosso Governo é continuar a manter segurança destas zonas. Ninguém está a proclamar vitória”, disse Filipe Nyusi.

Chamado a intervir, Isaque Chande, Provedor da justiça, declarou que há um número cada vez crescente de moçambicanos que conhecem e compreendem a importância da utilidade do provedor de Justiça na garantia dos seus direitos, defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública.

“São diversas as queixas que nos são apresentadas, desde os simples casos de falta de resposta aos de violação de direitos dos cidadãos. Citamos, a título meramente exemplificativo, os pedidos de reintegração de funcionários públicos, demora excessiva na emissão de documentos, tais como o DUAT, licenças de construção, queixas relacionadas com as pensões de reforma e de sobrevivência, reclamações sobre a falta de pagamento de remunerações e subsídios, reclamações sobre os serviços prestados por algumas empresas públicas, entre outros assuntos”, frisou.

“Temos um provedor que faz do Presidente da República o seu Deus” – Augusto Pelembe

A figura do provedor da Justiça foi criada em 2012 visando garantir os direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública. Entretanto, ao longo dos últimos 10 anos, a instituição, hoje chefiada por Isaque Chande, é largamente dominada pelo Governo, segundo o entendimento da posição.

O porta-voz regional sul do Movimento Democrático de Moçambique, Augusto Pelembe, considera que ao longo dos últimos 10 anos assistiu-se a uma autêntica falta de respeito do Estado para com o provedor da Justiça, por isso defende acções coercivas contra as pessoas e instituições que desrespeitarem aquele órgão do Estado.

 “Sinto que se tivesse uma acção coerciva talvez o provedor da Justiça teria algum sucesso, mas é simplesmente uma instituição de aconselhamento. Até hoje Moçambique não tem tido resultados para que possamos dizer que o Provedor tem trazido uma mais-valia para os cidadãos, até hoje posso dizer que o Provedor da Justiça está a ser uma figura de acomodação de algumas pessoas proeminentes do país, mas nada do que isso porque em termos concretos para sociedade nada tem”, sublinhou.

O direito à manifestação tornou-se uma utopia em Moçambique desde que Nyusi assumiu o poder. Aliás, as manifestações são autorizadas à moda Coreia do Norte, ou seja, para a OJM saudar e enaltecer os feitos do actual Presidente da República. Augusto Pelembe estranha a inércia do provedor da Justiça quando é chamado a defender os direitos dos moçambicanos.

“Quem proíbe as manifestações é o Governo. Quem é o Governo e quem é o provedor da Justiça? Ele não pode lutar com o sistema em que está inserido. É aqui onde reside o maior conflito de interesse porque num país normal o provedor defende o cidadão, era o primeiro a aparecer para dizer que isto é ilegal. Ouvimos o Chefe de Estado a dizer que na lei o provedor tem a prorrogativa de dizer que isto não é ilegal, mas infelizmente isso não acontece. O Chefe de Estado é o comandante em chefe das FDS e são essas forças que impedem as manifestações. Temos um provedor que faz do Presidente da República o seu Deus, é impossível ele amanhã chumbar e contrariar o chefe. Deve haver independência das instituições do Estado e da justiça. Se isso acontecer teremos um provedor capaz de trazer respostas para a população”.

“Provedor da Justiça deve priorizar assuntos candentes”

Por sua vez, Hermenegildo Mulhovo, director executivo do Instituto para Democracia Multipartidária, entende que ainda há muito a fazer sob o ponto de vista de pedagogia de como os moçambicanos podem se beneficiar dos serviços do provedor da Justiça.

“É extremamente relevante através do provedor que esperamos ver a Administração Pública cada vez mais eficiente, sobretudo na garantia dos direitos do cidadão, é através do Provedor que esperamos também que sejam feitas as correções a constantes violações dos direitos humanos que acontecem na actuação da Administração Pública. É extremamente importante ter um provedor da Justiça cada vez mais forte”.

Nas entrelinhas, Mulhovo considera que nos últimos 10 anos o maior desafio que se coloca a figura criada em 2012 foi a extensão a nível das províncias, mas refere que a representação ao nível das províncias não é tudo, instando o provedor a usar todas as plataformas para garantir que os cidadãos tenham acesso à justiça e, sobretudo, aos seus serviços como o grande intermediário da articulação entre o cidadão e o Estado.

Numa outra abordagem aponta que é necessário que na agenda de actuação do gabinete do Provedor da Justiça se priorize assuntos candentes, tendo dado exemplo das constantes violações dos direitos humanos em Cabo Delgado e dos homens armados da Renamo que se entregaram ao DDR.

“Temos assuntos que são as maiores preocupações do cidadão. Há constantes violações na actuação da Administração Pública. Esperamos que o provedor seja capaz de fazer uma correção neste modus operandi, mas corrige-se com acções práticas, e isso vai fazer com que o cidadão confie cada vez mais no provedor da Justiça. Naquelas regiões muito críticas sobre o ponto de vista dos direitos do próprio cidadão reclama-se constantemente em alguns contextos de conflitos como Cabo Delgado, é necessário que o provedor se faça presente, na zona centro nesta fase em se esta fase de reconstrução depois do DDR, é necessário que eles assumam que estão presentes na reintegração no sentido de garantir que as reclamações constantes que aparecem dos reintegrados que viram os seus direitos violados”.

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