Sentença das dívidas ocultas adiada para depois do Congresso da Frelimo

DESTAQUE POLÍTICA
  • Ala Nyusi contorna “guerra” com Guebuza
  • Adiamento cristaliza crença de que o processo está a ser controlado politicamente
  • A ideia é evitar chegar ao Congresso com feridas abertas entre Nyusi e Guebuza
  •  Nyusi quer consolidar domínio do Comité Central e depois dar o “OK”

 

Tal como o Evidências havia alertado, o juiz da VI secção criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, Efigénio Baptista, acaba de adiar a leitura da sentença do caso das dívidas ocultas para o próximo dia 30 de Novembro. Em Maio, na sua edição 60, este semanário já havia denunciado algumas movimentações nos bastidores, lideradas pela ala de Filipe Nyusi, que neste momento detém o poder no partido Frelimo, visando o adiamento da data para depois do XII Congresso, que terá lugar em Setembro próximo, para evitar que as feridas que se vão abrir na sentença em que está no banco dos réus um dos filhos de Armando Emílio Guebuza, antigo Presidente da República, minem o ambiente e comprometam as suas ambições de reforçar o poder e controlo do próximo Comité Central. Os dois Presidentes não têm boas relações e quem controlar o próximo Comité Central poderá ter o partido à palma da mão e influenciar inclusive na eleição do próximo candidato presidencial.

 

Reginaldo Tchambule

 

Já é oficial. O destino dos 19 arguidos implicados no escândalo de mais de 2.2 mil milhões de dólares, que levou um dos países mais pobres do mundo a uma crise profunda, não será conhecido dentro de 14 dias, ou seja, a 01 de Agosto, como estava inicialmente previsto.

 

O juiz do caso das dívidas ocultas em Moçambique adiou, esta segunda-feira, e marcou para 30 de Novembro do presente ano a leitura daquela que é a mais aguardada sentença no período pós-independência, em que está em julgamento não só o calote como também a seriedade e a independência do sector judiciário no país.

 

Na sua justificação, o juiz que ficou conhecido por mostrar-se, durante as audiências, defensor feroz do actual Presidente da República, Filipe Nyusi – muitas vezes solicitado pelas partes processuais para prestar declarações -, diz que o adiamento deve-se a complexidade da causa, ao facto de ter 30 mil páginas e a sobrecarga de trabalho com os arrestos, embargos e agravos.

 

Entretanto, o Evidências já havia adiantado, em Maio, a possibilidade da sentença vir a ser adiada por questões meramente políticas, pois os camaradas, sobretudo a ala actualmente no poder, tentam evitar dossiers fracturantes antes do Congresso do partido Frelimo, que vai ter lugar em Setembro próximo.

 

É que com o filho do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, e parte dos seus antigos colaboradores mais próximos na Presidência da República e na secreta entre os arguidos do caso das dívidas ocultas, a Frelimo tenta evitar chegar ao XII Congresso com feridas frescas, recém-abertas num julgamento que desde o início é tido como sendo político.

 

Em Maio, denunciamos concertações dentro da ala que detém o poder e que montou o julgamento das dívidas ocultas à sua medida, para evitar que Filipe Nyusi e o partido Frelimo – que receberam parte dos subornos – fossem levados ao tribunal.

 

A ideia era mesmo arrastar a sentença do caso das dívidas ocultas para depois do Congresso, pois a ala liderada por Filipe Nyusi quer consolidar o domínio do partido naquela que é a reunião mais importante dos camaradas, de forma a controlar o próximo Comité Central que vai garantir um provável terceiro mandato ou a eleição de um “fantoche” que possa ser comandado remotamente a partir de 2025.

 

Relações cada vez mais tensas entre Nyusi e Guebuza

 

A relação entre o actual Presidente da República, Filipe Nyusi, e Armando Guebuza está cada vez mais deteriorada, e, recentemente, o filho deste último, Armando Ndambi Guebuza, voltou a referir-se a uma suposta perseguição movida por FN a seu pai, tendo reiterado que é um julgamento que visa atingir a sua família a “todo o custo”, e que “eles (a ala de Nyusi) mudaram o Código Penal para mantê-lo preso”.

 

Na ocasião, enumerou episódios que, no seu entender, justificam a dita perseguição. Falou do assassinato da sua irmã, Valentina Guebuza, da suposta tentativa de envenenamento da sua família com um pudim, da sua detenção até desaguar na tentativa de assassinato do seu advogado Alexandre Chivale.

 

Sendo certa a condenação de quase todos os arguidos com conexão a Armando Guebuza, a ala de Filipe Nyusi tenta a todo custo evitar que a sentença seja lida antes do Congresso, para chegar a aquele que é o mais importante encontro do partido com as cartas abertas e impedir que a reunião seja marcada por uma agenda fracturante.

 

O receio da ala Nyusi prende-se com o facto de Armando Guebuza ainda deter uma boa base de apoio dentro do partido e o julgamento ter dividido ainda mais as ditas alas, o que pode ser um perigo às aspirações de quem pretende consolidar o poder e controlo do próximo Comité Central.

 

Os dois Presidentes não têm boas relações e quem controlar o próximo Comité Central poderá controlar o partido e influenciar inclusive na eleição do próximo candidato do partido às eleições gerais.

 

Desde o início, a forma selectiva como foram feitas as detenções, que viriam a levar ao julgamento e a forma pincelada e selectiva como foi montada a acusação, deixando para trás tubarões e incidindo sobre peixe miúdo, fez aumentar as desconfianças sobre o processo que desde o início foi visto como tendo motivações políticas.

 

Recorde-se que antes da detenção de Manuel Chang, na África do Sul, quando ia a laser no Dubai, o processo das ocultas estava completamente congelado. As primeiras detenções só ocorreram dois meses depois, primeiro para tentar evitar a extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos da América e depois para lutas políticas internas no partido Frelimo, incluindo as eleições gerais, antes da situação sair fora do controlo.

Poder político no controlo do poder judiciário?

 

Em Abril, à margem das audições de arresto de bens em curso, o próprio juiz do caso, Efigénio Baptista, muitas vezes acusado de estar a favorecer Filipe Nyusi, acabou dando a entender a possibilidade de adiar a leitura da sentença, alegando sobrecarga de trabalho relacionado com despachos em torno deste processo.  

 

O juiz não indicou uma provável data em caso de adiamento, mas prometeu dar o máximo para que a sentença possa sair o mais rápido possível, para que os réus possam conhecer o seu destino.

 

Nalguns corredores dentro da Frelimo, este novo posicionamento do juiz foi encarado como sendo parte desta estratégia da ala Filipe Nyusi para que o Congresso não se transforme em mais um campo de batalha. Neste momento, o grupo de Filipe Nyusi, que detém o poder, procura legitimidade para continuar no controlo, numa altura em que não é posta de lado a possibilidade de um terceiro mandato ou a eleição de um fantoche.

 

Contrariamente a uma primeira indicação, o XII Congresso do partido já não vai discutir sobre a sucessão de Nyusi, mas vai eleger os membros do Comité Central, órgão deliberativo mais importante da Frelimo, no período entre congressos, a quem caberá escolher o próximo candidato do partido, provavelmente no próximo ano.

 

Vai daí que, neste momento, o grupo de Filipe Nyusi está a fazer de tudo para colocar na liderança dos órgãos sociais do partido pessoas leais a si a todos os níveis, para garantir o controlo do próximo Comité Central. Neste momento, a ala dominante controla a Organização da Mulher Moçambicana (OMM), a Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLIN) e a Organização da Juventude Moçambicana (OJM).

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