Demissão? Não, senhor!

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Pedir demissão é uma práctica recorrente na Europa e noutros continentes. Não é apenas característica de grandes homens ou grandes mulheres, mas uma forma de ser e estar no governo e na sociedade em geral, fruto de democracias maduras e modernas.

Em África, particularmente em Moçambique, ainda não temos essa cultura. É que se tivéssemos, alguns dirigentes, a vários níveis, já teriam se demitido. Alguns por incompetência, outros por serem parte de escândalos que têm estado a acontecer na pérola do Índico.

Nós, aqui no país, ainda estamos muito atrasados. Temos muito que aprender dos que sabem fazer melhor.

Na Europa, por exemplo, há os que se demitem para salvar a sua honra. Há os que atiram a toalha ao chão por uma questão de bom senso. Outros ainda por uma questão de integridade moral e verticalidade.

Estamos a falar de assessores de governos, ministros, primeiros-ministros, líderes de partidos políticos e até, por incrível que pareça, de presidentes da República. Demitem-se, saem do barulho e seguem outros destinos na vida.

Alguns deles apresentam argumentos que até parecem pouco significativos para a tamanha decisão, mas têm o seu valor de acordo com os princípios e os objectivos que cada um defende.

Em 2019, por exemplo, Theresa May demitiu-se da liderança do partido Conservador e, consequentemente, do cargo de primeira-ministra britânica porque não conseguiu fazer com que a decisão tomada pelo povo inglês, no âmbito do Brexit, fosse levada a cabo.

Ela chegou à conclusão de que não havia condições para continuar à frente do partido e do governo do Reino Unido depois do falhanço da negociação dos termos da saída do seu país da União Europeia e a sua relação com os novos vizinhos.

O objectivo era proteger empregos, a segurança do país e a união. Como primeira-ministra, não conseguiu convencer os deputados a apoiarem o acordo, razões suficientes para abandonar o poder.

Em Maio último, Elisabeth Borne, a segunda mulher a exercer a função de primeira-ministra britânica após 30 anos, pediu demissão dois dias depois das eleições legislativas na França só porque o seu partido, o mesmo de Emmanuel Macron, perdeu a maioria absoluta na Assembleia Nacional.

No caso mais recente, Boris Johnson abandonou, esta semana, o cargo de primeiro-ministro da Grã-Bretanha, forçado por escândalos sexuais envolvendo figuras próximas dele, facto que levou igualmente à demissão de parte significativa de membros do seu governo em protesto contra esta situação e por uma questão moral.

No Sri Lanka, o presidente do país acaba de se demitir na sequência da invasão do seu palácio por uma multidão que o acusou de ser responsável pela crise que afecta aquela nação.

Entendeu que depois de tudo aquilo não havia condições para continuar a governar, para além de o incidente ter provado a invulnerabilidade da sua segurança como Chefe de Estado.

Por seu turno, o assessor do governo britânico, Neil Ferguson, de 51 anos, o cientista que forçou Boris Johnson a rever a sua estratégia contra a pandemia, demitiu-se após violar o confinamento que o defendeu com rigor para receber a namorada, facto denunciado pelo diário conservador The Daily Telegraph.

No caso específico de Moçambique, a cultura que há entre nós é de não a demissão voluntária, uma regra sem excepção. Só assim se justifica que em cerca de 40 anos tenha havido apenas um caso de demissão, o do cientista Hélder Martins, da Comissão Científica que aconselhava o Chefe de Estado em assuntos sobre a Covid-19.

A maioria tem estado a sobreviver de escândalos que abalam os seus sectores, investindo no silêncio. Escândalos de corrupção e abuso de poder, financeiros e sociais. Escândalos de todo género e número. Eles pertencem a uma escola em que a ordem é manter-se em funções e esperar que a iniciativa de demissão parta de quem lhes nomeou.

Alguns preferem fazer de conta que nada está a acontecer à sua volta. Deixam que a sua imagem se degrade com a mediatização do assunto a que estão envolvidos e o prolongamento da situação por muito tempo. Permitem que a sua honra e integridade moral sejam postas em causa. Há muitos “heróis” desses no país.

Por exemplo, a ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Carmelita Namashulua, tem razões de sobra para atirar a toalha ao chão face ao escândalo do livro escolar que está a abalar o seu sector.

É que num país normal, o simples facto de ela ter autorizado a circulação, no país, de livros cheios de erros e incongruências, alguns dos quais de palmatória, algo muito grave, era suficiente para se sentir desconfortável e não poder continuar a dirigir aquele ministério, mas, na prática, não é o que se viu.

Por imperativos legais, ela é quem aprova os critérios de avaliação dos livros e, quando prontos, é responsável por dar o último OK para estes circularem nas escolas. Por tudo isso, a governante devia ter sido, no mínimo, alvo de investigação, mas nem isso aconteceu.

Nomeou, ela própria, uma comissão de inquérito para apurar as responsabilidades e chamou a si o papel de apresentar o relatório final, o que acabou por retirar a credibilidade ao trabalho feito, num autêntico conflito de interesses. Parecendo que não, sobreviveu ao escândalo. O silêncio está a pouco e pouco a apagar tudo.

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