Luca Bussotti
Os sindicatos tiveram um papel importante na história da humanidade, principalmente na modernidade. Com origem na Inglaterra da revolução industrial, os sindicatos difundiram-se ao longo do século XIX em toda a Europa, com a finalidade de tutelar as condições de vida e os direitos básicos dos trabalhadores industriais. A greve sempre foi o instrumento mais explícito e visível de luta sindical, principalmente quando fica difícil encontrar um acordo com outros sindicatos (os dos empresários) ou quando um governo nacional não satisfaz as exigências da classe trabalhadora, como no caso de um incremento dos preços não acompanhado por medidas adequadas de mitigação, ou com um incremento salarial generalizado.
Nos países democráticos, os sindicatos são legalmente reconhecidos e a dialética com eles, por parte dos respectivos governos nacionais, faz parte da dinâmica política ordeira de um país. Greves que já se tornaram famosas foram as das mulheres de Nova Iorque, que trabalhavam na indústria têxtil de produção de camisas entre 1909 e 1910 – das quais depois originou-se o dia de 8 de Março como festa internacional da mulher –, de três milhões de trabalhadores contra o primeiro governo-Berlusconi na Itália, e a primeira greve virtual, em 2007.
No contexto africano, a greve tem uma história um pouco diferente, se comparada com a Europa e os Estados Unidos. Entretanto, greves importantes foram organizadas, em época colonial, por parte de diferentes sectores de trabalho, tais como na década de 1930 no Quénia, a 3 de Agosto, por parte dos estivadores na Guiné-Bissau (hoje feriado nacional devido à reação violenta das tropas coloniais portuguesas, conhecida como o massacre de Pidjiguiti), finalmente em várias circunstâncias na África do Sul do apartheid. Moçambique também teve seus momentos de greve sindical, também mediante acções dos estivadores desde os anos 1920, de trabalhadores da Companhia de Niassa, assim como dos trabalhadores ferroviários e portuários de Lourenço Marques.
Em todo o mundo, portanto, os sindicatos tiveram um papel decisivo no que diz respeito à melhoria da condição de vida dos trabalhadores, assim como da população no geral, assumindo suas iniciativas, incluindo as greves, um valor nacional que ia além da simples tutela dos direitos de uma certa categoria de trabalhadores.
Hoje, a situação que se vive em África, inclusivamente em Moçambique, é dramática. A contínua tensão social que se tem expressado primeiro com a greve dos chapeiros, depois com a tentativa de manifestações de rua por parte dos populares revela um mal-estar que o estado de policiamento não poderá resolver. Diante deste quadro, o posicionamento das principais organizações sindicais nacionais parece ambíguo: por um lado, a 8 de Julho elas emitiram um comunicado cheio de preocupações e até de críticas contra o governo, que pode ser resumido da seguinte forma. Em primeiro lugar, foram destacados alguns elementos característicos da situação actual do país, tais como o terrorismo em Cabo Delgado, o incremento dos preços de primeira necessidade, acompanhado pela desaceleração da economia, a discriminação no acesso ao emprego na função pública, o alto nível de corrupção, a flagrante violação dos direitos sindicais. As medidas adoptadas por parte do governo são julgadas como sendo insuficientes e em larga medidas injustas, com referência explícita ao aumento do preço dos combustíveis, aos salários mínimos extremamente baixos, às péssimas condições dos transportes semi-colectivos (“chapas”) no que diz respeito ao passageiros, à difusão das portagens que agravam ainda mais as condições económicas dos cidadãos e trabalhadores moçambicanos. As propostas que finalizam o comunicado do dia 8 de Julho se resumem na necessidade de o governo reduzir os impostos, principalmente o IVA nos géneros de primeira necessidade, encontrar medidas alternativas ao “Famba” para os transportes semi-colectivos em Maputo, finalmente assumir a sua função “social”, mesmo com referência à luta contra a corrupção generalizada. E as centrais sindicais se reservam o direito de organizar uma manifestação.
Ora, em qualquer país do mundo em que os sindicatos identifiquem uma situação como a que está a se viver hoje em Moçambique, a consequência lógica e provavelmente necessária seria uma mobilização pacífica dos trabalhadores moçambicanos, com tanto de comícios públicos e propostas apresentadas ao governo para aliviar esta situação. Pelo contrário, os sindicatos parecem ter receio em declarar um dia de greve nacional, ficando à espera ninguém sabe de que tipo de evento para fazê-lo. Diante deste cenário de imobilismo, é óbvio que a população se organiza de forma autónoma, como tem acontecido ao longo da semana passada. E isso pode ser perigoso, pois a raiva da população, por vezes incontrolável, deságua em manifestações violentas em que tudo é quebrado e os danos materiais e humanos poderão ser graves. O direito à greve é estabelecido pela Constituição de Moçambique, e cabe aos sindicatos recorrer a ele, caso as circunstâncias o requeiram. Parece que esta seja a altura certa para os sindicatos se manifestarem neste sentido…
Pelo contrário, diante dos boatos que iniciaram a se difundir no início da semana passada, aqueles mesmos sindicatos difundiram um comunicado, apelando os cidadãos à calma e serenidade, convidando a não aderir à proposta de greve que estava circulando anonimamente nas redes sociais. Talvez valha a pena que os sindicatos pensem seriamente em direcionar nas formas mais legítimas e legais o descontentamento popular, deixando que a população adira a manifestações sem rosto que poderão desaguar, assim como aconteceu em 2008 e 2010, em episódios trágicos na vida do país. Se não agora, quando?
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