Focos de ataques continuam a caracterizar o ambiente conflituoso em Cabo Delgado, mas o poder político vem pressionando o retorno rápido da TotalEnergies em Palma, fazendo vista grossa às exigências da multinacional. Num passado recente, as autoridades chegaram a pressionar o retorno das comunidades, uma estratégia que foi vista como forma de pressionar a TotalEnergies, que deixou claro que seu retorno está condicionado à segurança plena e ao regresso da população. A multinacional diz que não vai “expor a vida de colaboradores moçambicanos numa situação de extrema (insegurança)”. Essa indefinição e silêncio está a deixar o Presidente da República, Filipe Nyusi, com nervos à flor da pele e, recentemente, não escondeu o seu desespero a ponto de recorrer ao seu homólogo ruandês, “Paul Kagame, para perguntar porquê a Total não volta, uma vez que a situação já está calma”.
Até há bem pouco tempo, o governo parecia que havia acatado as recomendações da multinacional francesa, que tem adiado seu retorno à Palma, talvez convencido de que a breve trecho iria devolver, no terreno, a calmaria que se esperava aquando da chegada dos novos amigos de moçambique, a força militar ruandesa.
Mas depois de sucessivos falhanços, em meio a retorno de nova actuação dos insurgentes que têm efectuado ataques mais à sul da província de Cabo Delgado, nalguns casos em distritos nunca antes atacados, a postura das autoridades sugere que estes estão conformados que o fim do combate ao terrorismo não está para breve.
É que, nas palavras de Nyusi, não está claro porquê a TotalEnrgies não está a voltar (retomar) as actividades, fazendo vista grossa às exigências da multinacional.
“Falei com o presidente ruandês, Paul Kagame, e perguntei por que a Total não volta, uma vez que a situação já está calma”, disse Filipe Nyusi, durante a Reunião de Negócios da Agenda Africana da Comunidade dos Presidentes dos Conselhos da Administração e Directores Executivos, que decorreu recentemente em Maputo. Para muitos, esta é a confirmação de que a soberania nacional está hipotecada ao Regime de Kigali.
Mas desde que abandonou as suas actividades em Afungi, a 21 de Março de 2021, a TotalEnergies tem condicionado o seu retorno a uma paz. Num encontro com Nyusi, em Fevereiro do ano em curso, durante a sua visita em Maputo, o CEO da Totalenergies, Patrick Pouyanné, terá fincado o pé afirmando que “quando vir que a vida está de volta ao normal, com serviços do Estado e população, aí o projeto pode recomeçar”.
Na altura, Pouvanné terá destacado as melhorias que, no entanto, não eram suficientes para ditarem a retoma das actividades da multinacional que dirige. “Muitos progressos já foram feitos e quero dar os parabéns às autoridades moçambicanas que juntamente com o Ruanda e SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral] conseguiram que muita coisa fosse feita”.
De Fevereiro a esta parte, os focos de ataques se intensificaram em Cabo Delgado, deteriorando-se a segurança, o que veio precipitar mais refugiados, de 800 mil deslocados, número que tem estado a aumentar.
Em Abril, durante uma palestra na Universidade Pedagógica em Maputo, o representante da TotalEnergies em Moçambique, Maxime Rabilloud, terá destacado a relevância do projecto de Gás Natural Liquefeito (GNL), afirmando que, pessoalmente, “espera que a Total nunca saia”, mas o que aconteceu em Palma foi “trágico” e apesar da Total ser uma empresa “cidadã”, ela não vai “expor a vida de colaboradores moçambicanos numa situação de extrema (insegurança)”.
Mas o discurso político tem sugerido que o Governo não entende o porquê a multinacional não volta, ao mesmo tempo que tem exibido uma narrativa de relativa calma, pressionado a multinacional que continua numa incerteza. Actualmente, a perspectiva é de que venha retomar as actividades bem nos finais de 2022, uma perspectiva bem longe de se concretizar, o que vai obrigar a revisão da previsão do início do arranque da exploração do GNL, que estava prevista para 2024.
Há empresas a retomarem actividades
A relativa calma de que se fala em Cabo Delgado permitiu o retorno das empresas que decidiram avançar com as suas actividades. De acordo com o director provincial da Indústria e Comércio em Cabo Delgado, Nocifo Magaia, 110 unidades industriais que haviam sido encerradas devido à intensificação dos ataques já estão em funcionamento.
No concreto, Magaia refere-se a moageiras, padarias e serrações. Disse ainda que 371 estabelecimentos comerciais também estão em funcionamento.
O tecido industrial de Cabo Delgado é composto por 933 unidades, entre grandes e pequenas indústrias. Enquanto a província de Cabo Delgado sofre ataques, como recentemente sucedeu em algumas zonas de Muidumbe, Macomia e Nangade, por outro lado a situação tende a voltar à normalidade e com assinalável retorno das famílias, ainda que não haja ordens expressas nesse sentido.
Tal situação está a permitir a retoma de alguns serviços em algumas áreas consideradas tranquilas e sob controlo das Forças de Defesa e Segurança moçambicanas, do Ruanda e da SADC.
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