Demora no pagamento de salários e incongruências aumentam desilusão em relação à TSU

POLÍTICA
  • Funcionários públicos com os nervos à flor da pele
  • Governo já não vai pagar retroactivos este mês
  • Médicos, professores universitários e polícias inconformados com os números

Está a ser difícil o parto da Tabela Salarial Única (TSU). Depois de três meses a corrigir incongruências detectadas em Julho à boca da sua implementação, os problemas não parecem estar totalmente sanados e há classes profissionais, sobretudo médicos, professores universitários e polícias que já levantaram a voz a reclamar falta de clareza nos critérios de enquadramento e marginalização. Mas os problemas não param por aí, com um processo feito acima do joelho, os salários dos funcionários públicos, que deverão ser pagos com base na TSU, estão já atrasados, o que está a deixar milhares com os nervos à flor da pele, porque com a confusão existente na tabela, ninguém sabe quanto vai receber. Para já, a única certeza que existe é que a sorte não vai sorrir para todos e os prometidos retroactivos foram adiados para Novembro e Dezembro.

Evidências

Desde que foi anunciada, pela primeira vez, a Tabela Salarial Única (TSU) vem sendo apresentada pelos políticos como uma reforma histórica e um acto de coragem que vai melhorar as condições de vida dos Funcionários e Agentes do Estado (FAE). Essa tónica discursiva foi sobretudo explorada pelo Presidente da Repúblicas, Filipe Nyusi, durante os dias que antecederam o XII Congresso da Frelimo, numa altura em que este estava em clara pré-campanha.

E como tal, muitos moçambicanos, sobretudo FAE, alimentaram a expectativa de poderem aumentar ou até mesmo duplicarem os seus salários. Coube a Filipe Nyusi dar uma machadada às expectativas criadas por ele, membros do governo e dirigentes do partido Frelimo.

“Nós, quando decidimos avançar com a Tabela Salarial Única, não é nenhum aumento de salário, que não haja confusão, tínhamos como objectivo nivelar, para que o professor não seja secundarizado”, esclareceu Filipe Nyusi.

O salário ainda não caiu e por isso não são conhecidos os números finais, mas as primeiras reacções de alguns Funcionários e Agentes do Estado (FAE), sobretudo pelas redes sociais, revelam alguma decepção supostamente pelo facto dos valores aprovados para os seus correspondentes níveis salariais estarem aquém das suas expectativas.

Mas como se tal não bastasse, na última quarta-feira, os funcionários públicos tiveram que engolir à seco mais uma decepção. É que intervindo na Assembleia da República, durante a sessão de perguntas ao Governo, o ministro da Economia e Finanças, Ernesto Max Tonela, depois de reafirmar estarem criadas as condições para o pagamento de salários a todos os Funcionários e Agentes do Estado, incluindo as Forças de Defesa e Segurança, com base na Tabela Salarial Única, revelou no dinheiro que cair na conta este mês não estarão inclusos os prometidos retroactivos de Julho a esta parte.

Segundo o governante, o pagamento dos retroactivos referentes aos meses de Julho, Agosto e Setembro, que vem sendo prometidos, só será efectuado entre os meses de Novembro e Dezembro, o que, por si, representa um duro golpe aos FAE, que tinham expectativa de receber o “bolo” completo este mês, tal como prometido.

“Agradecer o suporte dos deputados quando foi da revisão pontual da Lei. O trabalho que o governo tinha que fazer foi realizado de imediato na primeira reunião do Conselho de Ministros que se seguiu e nós estamos em condições, este mês, de processar os salários do Estado com base na Tabela Salarial Única e no mês de Novembro e Dezembro pagarmos os valores retroactivos”, referiu Max Tonela.

Médicos revoltados vão decidir dentro de dias se avançam para greve ou não

A Associação Médica de Moçambique (AMM) acusa o Governo de ter enganado a classe, por alegadamente, durante as auscultações, ter apresentado uma proposta de critérios de enquadramento na Tabela Salarial Única (TSU) totalmente diferente da que foi aprovada pelo Conselho de Ministros e promulgada pelo Presidente da República. Por essa razão, já submeteu um pedido de esclarecimentos às instituições competentes e convocou uma reunião dos profissionais da área para tomada de decisão.

Através de um comunicado recebido na nossa redação, a Associação Médica de Moçambique dá a entender que a classe foi enganada pelo governo, pois, segundo lê-se na nota, na reunião de auscultação daquele grupo profissional, na qual tomaram parte órgãos directivos da  Associação Médica de Moçambique e diversas organizações sócio-profissionais, a proposta de critérios de enquadramento na TSU apresentada é totalmente diferente da que foi aprovada pelo Conselho de Ministros.

Como tal, a Associação Médica de Moçambique, tomando como base o que chamou de “incongruências”, submeteu, esta quarta-feira, pedidos de esclarecimentos ao primeiro-ministro e aos ministros da Saúde, das Finanças e Administração Estatal e Função pública sobre os critérios e níveis de enquadramento que passarão a vigorar após a implementação da Tabela Salarial Única.

“Após a obtenção deste esclarecimento, o Conselho de Direção da AMM convocará uma reunião nacional para juntos analisarmos e tomarmos uma decisão como classe”, lê-se no comunicado.

Refira-se que, em Julho, logo após a divulgação da Tabela Salarial ora revista, os médicos não esconderam a sua insatisfação e chegaram a convocar uma greve que no entanto não aconteceu devido ao recuo do Governo na implementação da TSU, mas, na altura, deixaram claro que caso a revisão da Tabela Salarial Única não resolva as suas preocupações irão sair à sua.

Vale lembrar que a Associação Médica de Moçambique protagonizou algumas das maiores greves já conhecidas no país pós-independência. Para além dos médicos, professores universitários também submeteram uma petição à Assembleia da República queixando-se de marginalização em relação às outras classes sociais.

Há também barulho e incongruências na PRM

Uma das inovações da tabela recentemente aprovada é que inclui os critérios de enquadramento das Forças de Defesa e Segurança. No entanto, há também barulho. O comandante-geral da PRM, Bernardino Rafael, revelou, há dias, que foram detectados vícios na “TSU” das autoridades da lei e ordem, o que poderá significar o adiamento da entrada em vigor da TSU na polícia.

Segundo Bernardino Rafael, que falava em Pemba, foram detectados vícios na Tabela Salarial Única a ser implementada na corporação, por isso, para tranquilizar os agentes da lei e ordem, avançou que o Ministério do Interior já comunicou ao Presidente da República, Filipe Nyusi, na qualidade de Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança (FDS), as incongruências para as devidas correcções.

Bernardino Rafael exteriorizava assim o descontentamento generalizado nas suas fileiras, com grande parte dos quadros com nível superior a contestar o facto de ter sido enquadrado em níveis baixos. Um dos exemplos que deixou muitos com nervos à flor da pele é o facto de, por exemplo, um subinspector com nível de licenciatura estar enquadrado no nível 10ª, muito abaixo do enquadramento para aquele nível académico.

Facebook Comments