Que entidade da transparência?

OPINIÃO

Afonso Almeida Brandão

Foi aprovada em 2019, pela Assembleia da República Portuguesa. Deram-lhe uma Lei Orgânica e um Estatuto, e teve direito no Orçamento a uma dotação de um Milhão de Euros para começar a fiscalizar os rendimentos, o património e os interesses pessoais dos detentores de altos cargos públicos, com destaque para os políticos. Um ano depois, a Entidade da Transparência ainda não passou do papel.

Segundo a lei que a criou, a Entidade da Transparência seria “um órgão independente”, a funcionar junto do Tribunal Constitucional, o qual designaria os seus três membros dirigentes para mandatos de quatro anos, bem como o respectivo pessoal de apoio. Ainda pela mesma lei, “cabe ao Governo disponibilizar as respectivas instalações, preferencialmente fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto”. Passados doze meses, nada disto está feito.

O Tribunal Constitucional apressou-se a dar o primeiro passo, como lhe competia, indicando ao Governo que a Entidade deve ter sede em Coimbra ou em Aveiro. O colectivo do TC explicou ainda ao Executivo que, para manter a estrutura que a lei lhe atribui, a Entidade da Transparência terá de ser dotada de uma verba superior à atribuída (1,169 milhões de euros). E ficou à espera. Mas como transparência é coisa que não agrada muito ao Executivo socialista, os meritíssimos juízes bem podem esperar sentados.

Entretanto, todo o trabalho de recolha e fiscalização das declarações de rendimentos, património e interesses dos detentores de cargos públicos continua a ser assegurado, de forma provisória e precária, por um pequeno gabinete do Tribunal Constitucional composto por três funcionários que não dão mãos a medir. Exactamente como convém à “transparência” socialista…

“Realismo”

Em finais de Agosto último teve lugar na Assembleia da República uma reunião entre juízes do Tribunal Constitucional e deputados da Comissão Parlamentar da Transparência, com vista a encontrar uma solução para a Entidade. Em análise estará, em especial, a verba orçamentada para o funcionamento daquele órgão fiscalizador.

Já em Janeiro, o presidente do Tribunal Constitucional, Costa Andrade, tinha pedido “realismo” aos deputados, explicando que não basta criar uma Entidade da Transparência: é necessário que a dotação orçamental seja suficiente para que funcione mesmo. O presidente do TC explicou então que a verba atribuída “não é suficiente” e que o mínimo para que a Entidade possa trabalhar é de 1,815 Milhões Anuais, os quais deverão ser inscritos no Orçamento do Estado, que está neste momento a ser negociado entre o Governo e os Partidos da Extrema-Esquerda.

Nesta fase, o TC faz o que pode para assegurar precariamente a conferência dos dados relativos a rendimentos, património e interesses dos detentores de cargos públicos, mas uma fonte do Tribunal confessou à Agência Lusa, em Lisboa, que “não foi possível desencadear os procedimentos administrativos necessários” por falta de meios.

Para já, os três funcionários destacados para este serviço não puderam fazer mais do que “preparar a concepção, criação, teste e manutenção da plataforma electrónica” que há-de ser usada pela Entidade da Transparência.

Se algum dia vier a existir de verdade, claro…

Pensamos, contudo, que em relação a Moçambique, as diferenças neste capítulo não devem ser muito diferentes da portuguesa, apesar dos valores serem outros. Ou estaremos enganados…?!

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